Bruno Serapião, presidente da Hidrovias do Brasil, fala sobre os gargalos do setor e os papéis do governo e da iniciativa privada

O O Brasil possui uma das mais extensas e diversificadas redes fluviais do mundo, com um potencial de cerca de 50 mil quilômetros de rios navegáveis. Mas não explora nem mesmo a metade dessas rotas que poderiam baratear o transporte de cargas no País, especialmente os produtos do agronegócio. O efeito seria multiplicador: cada barcaça padrão pode tirar das rodovias até 70 carretas de grãos. Mas transformar isso em realidade não é uma tarefa fácil. “Precisamos de um plano de 15 anos de investimentos constantes em hidrovias, com parcerias entre o governo e o setor privado”, diz o engenheiro mecânico-aeronáutico Bruno Serapião, CEO da Hidrovias do Brasil. “Não fazemos infraestrutura sem enxergar um retorno mínimo de capital.” A empresa foi criada pelo fundo de infraestrutura Pátria Investimentos, e conta com participação do canadense Aimco; do fundo Temasek, de Cingapura; do IFC, o braço financeiro do Banco Mundial, além do BNDESPar, o gestor de participações do BNDES. Mas a maior empresa do setor fluvial do País não está parada. Hoje, ela transporta seis milhões de toneladas em todo o território nacional e quer mais. Disposta a adminstrar até ferrovias, se for preciso, e com investimentos da ordem de R$ 1,5 bilhão em projetos hidroviários no Norte do Brasil, o plano é transportar 6,5 milhões de toneladas por ano somente nessa rota, dentro de três safras. O potencial da região é de 25 milhões de toneladas nos próximos cinco anos, mais que o dobro do que deve ser transportado neste ano.

DINHEIRO RURAL – Por que há tão pouco investimento em hidrovias no Brasil?
BRUNO SERAPIÃO – O problema no Brasil é a falta de uma estrutura que permita o desenvolvimento de modais de transporte com custos de operação mais baratos que o rodoviário. O País possui uma matriz de transporte muito focada nas rodovias. O segundo modal é o ferroviário. O hidroviário é o terceiro, seguido pela cabotagem. O setor, de fato, é pequeno.

RURAL – Em quê a Hidrovias aposta?
SERAPIÃO – Nós transportamos seis milhões de toneladas de produtos. Cerca de três milhões saem pelo Sul, entre minério e soja. Também fazemos um milhão de toneladas de celulose. Os outros dois milhões de toneladas saem pelo Norte. Mas queremos mais. Nos próximos três anos, vamos chegar a 6,5 milhões nesse corredor.

RURAL – Como a empresa está ganhando dinheiro nesse negócio?
SERAPIÃO – Não fazemos infraestrutura sem enxergar um retorno mínimo de capital. Nosso modelo de trabalho é por contrato, como fazem grupos de infraestrutura, entre eles, a construtora CCR. Em 2016, batemos o recorde de comboios de barcaças nas hidrovias da região do Arco Norte. Começamos em 2016 com 12 barcaças, com cerca de 24 mil toneladas transportadas. Hoje, com 25 barcaças, empurramos 50 mil toneladas. Na média, os comboios nessa região transportam entre 25 mil e 30 mil toneladas. É assim que se ganha dinheiro neste negócio.

RURAL – O transporte hidroviário é de fato o mais competitivo?
SERAPIÃO – Não. O transporte por duto é o mais barato. Seguido por hidroviário, ferroviário, rodoviário e transporte aéreo. O problema é a necessidade do transporte multimodal. Aí, quanto maior a distância que passar por um modal mais competitivo, melhor será. Quanto menores as distâncias, menos competitivo será, por causa dos transbordos. É ruim um transporte em ferrovia por menos de 500 quilômetros, em hidrovia por menos de 700 quilômetros e em duto, por menos de mil quilômetros.

O ponto principal é deixar as pequenas distâncias para rodovias e as longas para hidrovias e ferrovias

Corredor logístico norte: nos portos de Miritituba (foto) e Barcarena foram investidos R$ 1,5 bilhão

RURAL – Os principais entraves do setor são a burocracia e as regulamentações ambientais e alfandegárias?
SERAPIÃO – O empresariado diz que é muito burocrático fazer navegação no Brasil, mas é só seguir as regras. Quando se faz um porto, é preciso capital e marco regulatório. No Brasil é possível ter um porto privado, mas a parte ambiental, com as licenças prévias de instalação, operação e vigilância sanitária, por exemplo, ficam dispersas em órgãos como o Ministério da Agricultura e a Receita Federal, entre outros. Mas esse processo poderia ser integrado e centralizado em uma entidade, como a Agência Nacional de Transportes Aquaviários (Antaq).

RURAL – A culpa pela falta de investimento é do governo ou do setor privado?
SERAPIÃO – Não gosto de usar o termo culpa, mas é preciso ter uma política de desenvolvimento de transporte. Quais segmentos de transporte devem funcionar? Em Santos tem caminhão, hidrovia, ferrovia e duto. No Norte não se tem a clareza dos canais logísticos de escoamento. O sistema dos rios Teles Pires-Tapajós poderia ser navegável até parte de Mato Grosso, em vez de somente até Miritituba, no Pará. Nesse trecho, navegamos por 1,2 mil quilômetros, mas o ideal seriam dois mil quilômetros. Desde a Lei dos Portos, em junho de 2013, o grosso dos investimentos tem sido da iniciativa privada. O ideal seria um plano de 15 anos de investimentos constantes, com parceria entre o governo e o setor privado.

RURAL – Qual deve ser o papel do governo neste setor?
SERAPIÃO – O governo tem dois papéis. O primeiro é organizar o desenvolvimento dos canais logísticos. O plano nacional de logística, de 20 anos, não pode mudar a cada ano. Como empresário, não consigo investir em tudo: portos, hidrovia, ferrovia e rodovia. Eu não posso substituir o Estado. Por exemplo, Cuiabá é um grande centro consumidor. Então, vamos garantir que receba todos os modais de transporte para que seja competitivo consumir ali. O segundo papel é regular e definir regras iguais a todos. Se eu invisto no Norte R$ 1,5 bilhão, pago os impostos, faço as licenças, vou à Antaq e participo de anúncios públicos, não dá para ver o vizinho desmatar, jogar barcaça no rio e competir com quem cobra 30% menos por serviços.

RURAL – A questão ambiental não seria um mote para cobrar do governo mais investimento?
SERAPIÃO – Sim, porque a barcaça só emite 10% da poluição de um caminhão. Com ela, gasta-se menos combustível por tonelada transportada. O ponto principal é deixar as pequenas distâncias para as rodovias e, as longas, para as hidrovias e ferrovias, como na Europa e nos Estados Unidos.

RURAL – Em quais rotas a Hidrovias do Brasil investirá?
SERAPIÃO – Em 2015, levantamos US$ 350 milhões de capital com os acionistas e usamos metade. Nosso foco é na diversificação do corredor Norte. Hoje, há duas estruturas portuárias construídas para a soja e o milho em Miritituba e Barcarena. Temos grandes projetos para fertilizantes, granel líquido e outras cargas que melhorariam e diversificariam esse sistema.

O ideal seria um plano de 15 anos de investimentos, com parceria entre governo e setor privado

corredor logístico sul: potencial para escoar
três milhões de toneladas de soja pela Bacia do Prata

RURAL – O escoamento de grãos pela bacia amazônica tem potencial para mais investimentos?
SERAPIÃO – O potencial de hidrovias para a região Norte do Brasil é fantástico. Para atender a Europa e os Estados Unidos, por que ir para Santos? A ideia é colocar o Norte como um hub logístico. Nossos contratos neste ano são de dois milhões de toneladas, mas podemos crescer ainda 4,5 milhões dentro da capacidade instalada.

RURAL – E no Sul, qual o potencial pela Bacia do Prata, através do rio Paraguai?
SERAPIÃO – O problema é o Estado do Mato Grosso do Sul, onde acontecem os embarques, com uma política de impostos que dificulta a exportação de soja in natura. Mas é possível escoar três milhões de toneladas pela Bacia do Prata. Um dos nossos focos atuais é entender qual é a viabilidade de levar a soja do Brasil até a Argentina. Esse país possui uma grande estrutura de moendas do grão.

RURAL – Por que a Hidrovias do Brasil começou a investir em navegação marítima na costa, no ano passado, um sistema que até então estava fora do radar?
SERAPIÃO – Se um cliente tem uma necessidade de transportar de A para B, nós fazemos a ligação. Como já estamos com uma estrutura de navegação no Norte, tivemos a oportunidade de fazer algo similar com a cabotagem. Enxergamos um potencial enorme na costa marítima brasileira. Por exemplo, há um movimento de milho para o Nordeste. Caso precise operar uma ferrovia, nós temos condição até para isso.

RURAL – Quais são os maiores entraves ao transporte de cabotagem no Brasil?
SERAPIÃO – Uma das medidas necessárias é separar a cabotagem da navegação marítima global. Na cabotagem, os processos portuários ainda funcionam como na navegação de longo curso, que é mais burocrática por causa das regras internacionais.

RURAL – Essa expansão é sinal de que os fundos, principalmente o Pátria, podem começar a ofertar o controle da empresa ao mercado?
SERAPIÃO – Não há nenhum processo de venda da companhia neste momento, mas não posso falar pelo acionista. Como CEO, digo que a empresa foi montada em 2010 para ser um projeto de longo prazo, para operar pelo menos por 30 anos.

RURAL – Em quais países estão os melhores sistemas hidroviários no mundo?
SERAPIÃO – Nos Estados Unidos, são 650 milhões de toneladas transportadas todos os anos por hidrovias. Os americanos possuem um sistema bem desenvolvido, que é comandado pelo exército. Lá, os investimentos estrangeiros são proibidos por lei de entrar nesse setor logístico. O sistema europeu é considerado a melhor estrutura no mundo. Os governos da União Europeia colocam muito dinheiro nas ligações hidroviárias. Além disso, os modais são mais integrados, por causa das curtas distâncias entre os países. A China também tem uma boa hidrovia no rio Yangtzé, mas não temos informações sobre a sua eficiência.