Com pilcha gaúcha, o traje típico do homem do campo da região Sul do País, espora nas botas e a mão firme na crina para manterse, por apenas alguns segundos, no pinote do potro, o ginete levanta poeira na arena e mostra como os seus antepassados domesticavam cavalos, na competição que ficou conhecida por gineteada. A doma, que virou esporte, é praticamente um espetáculo de saltos, a tirar o fôlego do público nas festas gaúchas. Uma delas é a Festa Campeira do Rio Grande do Sul (Fecars). O evento, considerado uma espécie de “copa do mundo” da tradição gaúcha, mostra imagens como essa até o próximo dia 17, no Parque do Trabalhador, no bairro Operária, em Campo Bom, a cerca de 57 quilômetros de Porto Alegre. A programação da Fecars, em sua 25ª edição, reúne os melhores competidores do campo, e inclui ainda o 11º Bivaque da Poesia Gaúcha, com os principais compositores e declamadores do Estado, o 12º Acampa-mento da Canção Nativa, cujo objetivo é incentivar a produção da música regional e revelar talentos da cultura nativista, e o 35º Rodeio Nacional da cidade. Durante os eventos serão distribuídos mais de R$ 185 mil em prêmios. “A festa toda reproduz como é o dia a dia em uma fazenda gaúcha tradicional”, diz Marcos Alfredo Riegel, vice-prefeito de Campo Bom e presidente da Fecars, nesta edição. “Além da gineteada, temos apresentações de danças típicas, provas de tiro de laço e de rédeas, e laço vaqueano e de peão.”

Segundo Riegel, as disputas contam com a participação de mais de quatro mil peões e fazendeiros, de 30 cidades do Estado, como Lajeado, Arroio do Meio, Colinas e Progresso. O rizicultor e pecuarista gaúcho Dirceu Kmevitz, de Santo Antônio da Patrulha, por exemplo, compete nas provas de laço nas categorias capataz campeiro e pai e filho. “A união familiar que a festa proporciona, além da tradição de meus antepassados, é o que me faz participar anualmente da Fecars”, afirma Kmevitz. “Na fazenda, procuro aliar a tecnologia moderna no campo à essência da cultura gaúcha, praticando tiro de laço e gineteada.”

Enquanto do lado de dentro da arena competidores como Kmevitz que disputam também nas categorias veteranos, vaqueanos, piás, guris e prendas – preparamse para as apresentações de dança e disputas a cavalo, de acordo com as regras do Movimento Tradicionalista Gaúcho (MTG), do lado de fora, o público composto pelos mais de 60 mil moradores de Campo Bom, além de turistas de outras regiões, incorpora a tradição campestre e substitui as roupas do cotidiano por trajes típicos do Estado. As bombachas, os cinturões guaiacas e tiradores de couro, além de esporas com pontas arredondadas, semelhantes às utilizadas nas competições, para não ferir os animais, e, claro, vestidos longos e rodados para as mulheres, que são conhecidas por prendas, invadem o parque. “Praticamente toda a cidade assume a identidade campestre gaúcha”, diz Riegel.

É durante a Fecars, ainda de acordo com o vice-prefeito, que histórias e “causos” curiosos sobre a tradição gauchesca surgem nos acampamentos montados pelos competidores. Entre um costelão bovino assado e outro, visitantes de diferentes Estados acabam conhecendo as peculiaridades da tradição gaúcha, como a de usar um lenço vermelho preso ao pescoço. O adereço, indispensável para a maioria dos visitantes e peões durante as provas, foi símbolo dos maragatos ou rebeldes na revolução federalista, na década de 1920, no Rio Grande do Sul. “Já o tiro de laço surgiu da necessidade de agrupar o gado no campo ou para o trato dos animais”, diz Riegel. Antes de se tornar esporte, o tiro de laço, como trabalho na fazenda, era realizado com a ajuda de uma boleadeira. Trata-se de um instrumento feito de cordas, com três pedras presas nas extremidades, que, depois de lançado às patas do bezerro, derrubava o animal e o imobilizava. “Isso era muito agressivo, Hoje não utilizamos mais as pedras, apenas a corda para laçar”, diz.

É também por meio de danças típicas que os participantes contam a história da tradição gaúcha. Uma delas é o balaio, uma dança que mistura sapateado com passos em grupo, na qual as saias das moças ganham forma de balaio, quando o cantor diz: “Moça que não tem balaio, bota a costura no chão.” O Estado possui mais de 30 danças catalogadas. “Algumas mostram a Revolução Farroupilha e a Guerra do Paraguai”, diz o vice-prefeito. “Os participantes dançam com armas e encenam as batalhas.” O agricultor Kmevitz lembra ainda da competição estafeta, que remete aos mensageiros da Revolução Farroupilha (também conhecida como Guerra dos Farrapos, foi a sublevação contra o governo imperial, de 1835 a 1845). Montados em cavalos, os estafetas tinham de chegar ao destino com a mensagem na íntegra, como na competição. A Fecars é tão importante para a tradição gaúcha, que a festa em 2014, deve ocorrer ao lado do Acampamento Farroupilha, em Porto Alegre, durante a Copa de 2014. A ideia é unir os maiores eventos da tradição gauchesca à paixão nacional, o futebol.