Parecia que a crise no setor sucroalcooleiro estava com os dias contados, mas a realidade é outra. A safra passada de cana-de-açúcar, 2013/2014, que chegou a 596 milhões de toneladas, 12% maior que a anterior e 7% superior ao recorde histórico do setor, parecia uma séria indicação de o que os negócios começariam a entrar nos eixos. No entanto, a ocorrência de novos problemas climáticos e a falta de políticas de governo de estímulo ao etanol cobriram o cenário canavieiro de nuvens escuras novamente. Mal começou a safra 2014/2015 e os problemas já se acumulam, com clima e produtividade ruins, baixa margem de lucro dos produtos, três mil demissões de trabalhadores e usinas paralisando suas atividades. “O setor está completamente estagnado e a produção está em queda”, diz Antonio de Pádua Rodrigues, diretor-técnico da União da Indústria de Cana-de-Açúcar (Unica). “Teremos um ano difícil.” 

As dificuldades do setor começam com as fortes estiagens que afetaram as principais regiões produtoras de cana do País. Segundo estimativa da Unica, a nova safra será 2% menor e deverá fechar em 580 milhões de toneladas. Mas se as chuvas chegarem durante o período de colheita, o que obrigaria os canavieiros a deixar parte da safra no campo por um tempo maior, as quebras poderão ficar ainda maiores. Para Plínio Nastari, sócio da consultoria paulista Datagro, a quebra de safra pode chegar a 3,5%. “Neste ano teremos uma produção menor, tanto de açúcar quanto de etanol”, diz Nastari.

A estimativa de produção de açúcar da Unica confirma a previsão do consultor. Para a entidade, a safra encolherá dos 34,2 milhões de toneladas do ano passado para 32,5 milhões. No entanto, quando o assunto é a produção de etanol, a unanimidade desaparece. Segundo a Unica, o País deve repetir praticamente o mesmo volume produzido de etanol, algo em torno de 25,6 bilhões de litros. No caminho inverso, a Archer Consulting, mais pessimista, estima queda de 7%, chegando a 23,7 bilhões de litros. “Nem mesmo a alta nos preços do açúcar compensará as perdas do setor, que seguirá com dificuldades financeiras”, diz Arnaldo Corrêa, diretor da consultoria paulista. “Por isso, muitas usinas podem fechar neste ano.” 

A própria Unica compartilha essa expectativa, ao prever o fechamento de 12 usinas, que se somarão às 50 que já encerraram suas atividades desde 2008. Nas regiões Norte e Nordeste do País, esponsáveis por 10% da produção nacional de cana, mais de dois mil funcionários já foram demitidos com o fechamento da Usina Unaçúcar, localizada no município de Água Preta, no interior de Pernambuco. A Unaçúcar, que tinha capacidade para moer 350 mil toneladas de cana por safra, é a quinta usina pernambucana que fecha as portas, alegando não ter condições de competir no mercado nacional, nos últimos cinco anos. Segundo Alexandre Andrade Lima, presidente da União Nordestina dos Produtores de Cana (Unida), nas regiões canavieiras, a situação só não é mais dramática porque os usineiros locais não conseguem cultivar outras lavouras em suas terras, o que os obriga a se manterem na atividade. Por conta das dificuldades, o preço do hectare já se desvalorizou 40%, nos últimos 12 meses, no Estado. “As pequenas usinas já começam a quebrar e as grandes repensam sua continuidade na cana”,diz Lima. 

Na região Centro-Sul a situação não é diferente. Tanto que a gigante sucroalcooleira Biosev, pertencente ao grupo francês Louis Dreyfus, paralisou as operações de uma de suas usinas, a Jardest, de Jardinópolis (SP),  para aumentar a utilização da capacidade instalada de outras cinco unidades na região, que passaram a processar os 18 milhões de toneladas de cana por ano. Segundo o presidente da companhia, Rui Chammas, a unidade não foi desativada, mas apenas hibernada, e poderá ser ativada a qualquer momento, assim que a crise passar. “O setor passa por um ciclo de baixa muito longo”, diz Chammas. “Temos de nos adaptar para sobreviver.”

Chammas lamenta o que classifica como descaso do governo com um setor que gera tantos empregos, pois deverá criar sérios transtornos em municípios que viviam endividados e sem perspectivas, e que devem sua prosperidade à cana. “O setor precisa de transparência, saber qual é a política de longo prazo para combustíveis do Brasil”, diz Chammas. “O governo tem de premiar o combustíveis do Brasil”, diz Chammas. “O governo tem de premiar o combustível limpo, e não favorecer a gasolina.” 

Para Pádua, uma medida simples que poderia ser tomada pelo governo a longo prazo é a ressurreição da Contribuição de Intervenção no Domínio Econômico (Cide) sobre a gasolina. Em sua opinião, esse posicionamento do Executivo é imprescindível, pois o etanol, que não pode concorrer com a gasolina, precisa de regras que o diferenciem dos demais combustíveis. “O governo está matando o nosso setor e está levando junto a Petrobras”, diz Pádua. Segundo ele, caso o governo não intervenha e adote uma política consistente, evitando um sucateamento do setor, a produção de álcool só se manterá viável em São Paulo, Mato Grosso, Paraná e Rio de Janeiro. “Se a coisa continuar assim, o etanol se tornará apenas um combustível regional”, diz Pádua.