Os registros de importações de bens de capital anteriores a 2018 no âmbito do Repetro distorceram os resultados da balança comercial dos últimos três anos, de acordo com estudo da Confederação Nacional da Indústria (CNI). Apenas no ano passado, a contabilidade de operações antigas que não ocorreram em 2020 elevou artificialmente em cerca de US$ 13 bilhões os valores totais de compras de produtos do exterior.

Dados oficiais da Secretaria de Comércio Exterior (Secex) do Ministério da Economia mostram que as importações somaram US$ 159 bilhões no ano passado. De acordo com a nota técnica elaborada pela CNI, no entanto, os valores referentes a compras de bens estrangeiros no ano passado não passaram de US$ 146 bilhões.

Isso acontece devido às mudanças no Repetro que entraram em vigor em 2018. Entre 1999 e 2017, para aproveitar a isenção de tributos na importação temporária de bens de capital voltados para a exploração de petróleo e gás no Brasil, a indústria na cadeia de equipamentos para o setor exportava de maneira “fictícia” esses bens que acabavam sendo usados aqui mesmo.

Por exemplo, uma plataforma de petróleo produzida no Brasil era registrada como “exportada” e depois registrada como “importada temporariamente”, deixando de pagar tributos. Com a criação do Repetro-Sped no fim de 2017, esse malabarismo contábil deixou de ser necessário, já que os incentivos fiscais foram estendidos aos bens de capital voltados para a exploração de petróleo comprados no mercado interno e para os importados em caráter definitivo.

Com isso, a partir de 2018, o setor de petróleo e gás passou a migrar o registro das antigas “importações temporárias” de bens produzidos no Brasil para “importações definitivas” – que são as registradas na balança comercial.

De acordo com o estudo da CNI, em 2018 e 2019, essas compras antigas elevaram as importações oficiais totais em US$ 7 bilhões a cada ano. Mas no ano passado a diferença foi quase duas vezes maior.

Considerando os números oficiais totais, a importação de bens de capital passou de US$ 25 bilhões em 2019 para US$ 29 bilhões em 2020. Pelas contas da CNI, porém, desconsiderando as operações antigas do Repetro, as importações nessa conta teriam ficado praticamente estáveis na casa de US$ 23 bilhões nos dois anos.

“Em pleno momento de pandemia, quando as empresas estão em crise e sem capacidade de investir, as importações de bens de capital cresceram 17%. Estamos falando de um ano marcado pela pandemia, sem expansão da capacidade produtiva. Na verdade, quando se faz o ajuste do ‘efeito Repetro’, o que notamos é uma queda de 1,5% nessas importações”, destaca a especialista em Políticas e Indústria da CNI, Samantha Cunha.

As distorções nos registros de compras antigas do Repetro nos últimos anos não atingem apenas grandes compras de plataformas de petróleo. Há mudanças significativas também na contabilidade de importações de bens intermediários nos segmentos de produtos de metal, produtos de borracha e plástico e máquinas e equipamentos.

“As plataformas de petróleo são facilmente identificáveis, mas queremos chamar a atenção também para outros produtos. Entre 2017 e 2020, as importações de produtos de metal cresceram 111% na estatística oficial, mas esse porcentual cai para apenas 18% após o ajuste do Repetro. Em máquinas e equipamentos, a alta de 29% recua para 14% com o ajuste. No setor de produtos de borracha e plástico, o crescimento de 6% se transforma em uma queda de 10% na mesma comparação”, detalha a economista da CNI.

A participação das “compras com origem no Brasil” no total registrado de importações era irrisória, em média de 0,3% por ano até 2017. A partir de 2018, porém, essa participação cresceu para 4% e chegou a 8% em 2020. Samantha lembra que o próprio governo havia projetado que essas distorções estariam concentradas apenas em 2018 e 2019.

“Notamos um efeito inclusive maior em 2020. Em janeiro de 2021, já houve registros também. Estamos falando de todo um saldo de operações até 2017, e é difícil saber quando todas elas migrarão para a categoria de importação definitiva”, acrescenta Samantha.

A economista esclarece que o estudo não tem o objetivo de criticar o Repetro, já que o programa sempre foi um dos mais importantes para a indústria nacional. O objetivo é dar mais transparência aos resultados da balança comercial, que afetam as análises e as projeções do mercado para a economia em geral.

“As pessoas que trabalham com estatísticas precisam ter isso em consideração. Sem o ajuste do Repetro, os analistas podem usar valores de importações inflados – de maneira contábil, conforme a lei – para calcularem estimativas de crescimento da economia que não condizem com a realidade”, alerta. “E se esses dados forem eventualmente usados para desenhar alguma medida ou política pública, podem acabar gerando distorções”, conclui.