Estimular por meio da conscientização e concessão de pequenos incentivos materiais a preservação de nascentes em pequenas propriedades rurais, em vez de ameaçar os eventuais infratores com punições e multas, é a base do projeto Oásis, que a prefeitura de Apucarana, município do norte paranaense, adotou com o apoio da Fundação Boticário, há quase dois anos. Fazem parte do projeto 133 pequenos agricultores da região, proprietários de cerca de quatro mil hectares, que recebem uma ajuda mensal para serem os guardiões da natureza. Atualmente, o grupo contabiliza 800 hectares de matas preservadas onde estão 385 nascentes.

Orientação: “Eu não sabia a distância

correta da mata até o minadouro. Agora

faço tudo direitinho”, diz Paulo Fenato,

dos sítios Santo Ângelo e São Francisco”Eu não sabia a distância correta da mata até o minadouro. Agora faço tudo direitinho”, diz Paulo Fenato, dos sítios Santo Ângelo e São Francisco

Quando chegaram à região de Apuracana, no início da década de 1930, os primeiros produtores, em sua maior parte imigrantes, foram incentivados pelos órgãos do governo federal ligado à colonização a abrir lotes mata adentro para o plantio do café, que atualmente divide espaço com a soja e o milho.

A regra geral era construir moradias perto de nascentes para facilitar o abastecimento de água e desmatar as margens dos rios a fim de evitar a proliferação de mosquitos.

No entanto, o jeito novo de tratar o meio ambiente veio à tona após o novo Código Florestal, vigente desde 1965 e modificado mais de uma dezena de vezes, o que pegou os agricultores de “calça curta”. Agora, uma nova história vem sendo escrita pelos agricultores paranaenses. Em março de 2009, a Câmara Municipal de Apucarana aprovou uma parceria com a Fundação Boticário, com o objetivo de gerir ações que preservassem a qualidade e a quantidade da água das nascentes que dão origem às bacias hidrográficas dos rios Pirapó e Tibagi, este último responsável pelo abastecimento das cidades de Maringá e Londrina, dois centros importantes do interior do Estado, onde vive uma população de 800 mil habitantes. O projeto premia aqueles que preservam suas florestas e incentiva os que necessitam recuperar matas.

Em 2010, período da implantação do projeto, 64 produtores rurais da bacia do rio Pirapó foram beneficiados. Neste ano, foram mais 23 nessa bacia e outros 46 agricultores situados na bacia do Tibagi. Pelas 385 nascentes conservadas, eles recebem pagamentos que totalizam R$ 23 mil por mês. Segundo Malu Nunes, diretora executiva da Fundação Boticário, a duração inicial prevista é de quatro anos, prorrogáveis por um período igual, e cada propriedade é avaliada por meio de critérios técnicos e legais. “O monitoramento semestral gera um índice com notas e pontuação”, diz Malu.

“Quanto maior esse índice, maior será a remuneração.”

O agricultor Paulo Fenato, de 66 anos, que cultiva café em oito hectares nos sítios Santo Ângelo e São Francisco, foi um dos primeiros a receber 12 cheques de R$ 562 cada, pelos serviços ambientais. Ele mantém matas ciliares e conserva dez minas d’água. “Eu já fazia isso por conta própria. Mas não sabia a distância correta da mata a ser preservada até o minadouro, nem ao certo como plantar as árvores”, diz Fenato. “Com orientação, faço direitinho.” Ele lembra que suas propriedades situadas na bacia do Pirapó – quando ainda pertenciam ao seu pai -, foram das primeiras a receber o incentivo do Incra para se tornarem “terras produtivas”, ou seja, desmatar tudo. Agora, Fenato quer recuperar a imagem e a missão de produtor amigo da natureza.

Entre os agricultores que receberam cheques mensais de valores que variam entre R$ 77 e R$ 562,80 está Satio Kayukama, proprietário da Chácara Alvorada. Dos sete hectares, dois fazem parte da reserva legal. A família de Kayukama também foi uma das pioneiras que chegaram à região para produzir café, nos anos 1930. “Naquela época não havia exigência ambiental e o governo incentivava o plantio”, diz Kayukama. “Mas, de 1995 para cá, tudo mudou, e a fiscalização começou a multar os agricultores. Viramos bandidos.” Segundo ele, além da renda, o benefício maior do Projeto Oásis é o retorno de espécies raras da fauna da região e o volume intenso de vazão das águas que brotam das minas, mesmo nos períodos de seca mais intensa, como ocorreu na última safra. “Isso não tem preço”, diz Kayukama.

“Antes não havia exigência ambiental. Mas, de 1995 para cá, tudo mudou e a fiscalização começou a multar. Viramos bandidos”

Satio Kayukama proprietário da Chácara Alvorada

Futuro: “Neste ano, conseguimos um aporte de R$ 240 mil. Mas estamos em busca de novos parceiros”, diz Malu Nunes, da Fundação Boticário

 

Prêmios: “Muitos agricultores já dobraram o pagamento que recebiam no início do projeto”, diz João Beltrame, secretário de meio ambiente

A prática de incentivo por serviços ambientais prestados não é uma iniciativa isolada da Fundação Boticário. Há iniciativas semelhantes em São Paulo e Minas Gerais, que vão da proteção de florestas e nascentes, à adoção de práticas conservacionistas de solo e recuperação de áreas degradadas. “Os projetos semelhantes ao Oásis somam em todo o País cerca de 50 mil hectares preservados, que contam com algum tipo de pagamento a quem cuida do meio ambiente”, diz Malu.

 

 

 

No projeto de Apucarana, a Fundação do Grupo Boticário desenvolveu a metodologia de cálculo de pagamento pelos serviços. Sem fins lucrativos, a instituição é a responsável pela gestão e pela operacionalização do projeto. A principal fonte de recursos para os pagamentos é o Fundo Municipal de Meio Ambiente, que conta com repasses mensais de 1% do que a Companhia de Saneamento do Paraná fatura no município, por meio da prestação dos serviços de tratamento de água e esgoto. Outra fonte é a reversão para o fundo, das multas ambientais aplicadas na região. “Neste ano, conseguimos um aporte de R$ 240 mil”, diz Malu. “Mas estamos em busca de novos parceiros privados e fundos nacionais.”

A disposição dos agricultores em participar do projeto, que passa ao largo da imposição de códigos ou leis, privilegiando a adesão consciente, surpreendeu João Batista Beltrame, secretário de meio ambiente da prefeitura de Apucarana. “Hoje, eles são conhecidos como os ‘cultivadores de água'”, diz. De acordo com Beltrame, a renda extra, embora reduzida, é importante para os pequenos produtores, cujas propriedades têm, em média, 30 hectares. “Muitos, praticamente já dobraram o pagamento que recebiam no início do projeto”, afirma. “Além disso, o Oásis, ajudouos a melhorar a qualidade da água que eles mesmos utilizam, além de despertar sua consciência ambiental, em um modelo que se replica constantemente.” A meta é que o projeto contemple, também, a bacia do rio Ivaí para beneficiar outros 40 agricultores da região, totalizando 200 “guardiões” das águas cadastrados no projeto Oásis.

Projeto Oásis Apucarana:

Pagamento mensal:

de R$ 77 a R$ 576,80

Premiações:

18% a 100% significam o incremento de renda

Conserva:

800 hectares de áreas naturais

Total:

133 agricultores, que preservam

385 nascentes

Recursos:

Fundo Municipal de Meio Ambiente:

1% formado por repasses mensais do que arrecada a Companhia de Saneamento do Paraná.

 

Outra fonte: reversão para o fundo das multas ambientais, aplicadas no município de Apucarana.