Em meados do século XVIII e começo do século XIX, a economia do Brasil Colônia sofria com o declínio do ouro. Com uma sociedade escravocrata baseada em grandes latifúndios, o País procurava alguma oportunidade para gerar riqueza. Ela veio do mercado internacional. O Reino Unido havia cortado relações com seu maior fornecedor de algodão, os Estados Unidos, e com a Revolução Industrial em pleno curso, precisava da matéria-prima. Aqui entrou o ouro branco brasileiro que, ao ser bem aceito no mercado externo, impulsionou a industrialização interna. Apesar da importância histórica, a commodity perdeu espaço nas pautas de produção e de exportação nacional. Agora, há uma chance de retomada. Quarto maior produtor da fibra, o Brasil assume o posto de líder quando o recorte é pela versão sustentável do produto. Com o aumento da demanda global por mercadorias ambientalmente responsáveis, a cultura algodoeira pode estar diante da maior oportunidade de uma nova onda expansionista.

75% das 3 milhões de toneladas de algodão produzidas são certificadas

A jornada dos produtores em busca de mais sustentabilidade começou em 2005. Hoje, do total de cerca de 3 milhões de toneladas de algodão produzidas anualmente, 75% é certificado pelo programa Algodão Brasileiro Responsável (ABR), lançado em 2012 pela Associação Brasileira de Produtores de Algodão (Abrapa). No cenário global, o País é detentor de 36% da produção de pluma sustentável com certificação Better Cotton Initiative (BCI). Ambas avaliam critérios dos âmbitos sociais, ambientais e econômicos. Com boas práticas comprovadas, o mercado internacional compra e, como consequência, catapulta o Brasil ao posto de segundo maior exportador do produto. Em 2020, mais de 1,9 milhão de toneladas foram embarcadas, volume que só tende a crescer com a valorização dos critérios ESG (ambiental, social e de governança). “Os agricultores brasileiros estão dando um show em termos de sustentabilidade. Ficamos felizes em ver que temos o maior volume certificado”, disse Júlio Cézar Busato, presidente da Abrapa.

Com boas práticas ambientais certificadas, O Brasil assume o segundo lugar no ranking de exportação do produto com total de 1,9 milhão de toneladas

“Os agricultores brasileiros estão dando um show em termos de sustentabilidade. Ficamos felizes em ver que temos o maior volume certificado” Júlio Cézar Busato Abrapa (Crédito:CRAM)

TRAJETÓRIA A jornada até aqui começou há mais de 15 anos. O programa ABR foi resultado da evolução e unificação do Instituto Algodão Social (IAS), criado em 2005, e do Programa Socioambiental da Produção de Algodão (Psoal), de 2009. Ambos tinham como objetivo orientar os associados no cumprimento de legislações ambientais, trabalhistas e das normas de segurança do trabalho. “Como as legislações mudavam constantemente, foi preciso aglutiná-las em um único programa para que fossem melhor entendidas e cumpridas”, disse Busato. Diante da demanda crescente pelo algodão sustentável, em 2010 a Abrapa trouxe os princípios da Better Cotton Initiative (BCI) para o País. A organização global sem fins lucrativos é dedicada ao melhoramento do algodão fruto de produção alinhada aos bons princípios socioambientais que garantam retorno aos investimentos do produtor. Como os programas BCI e ABR tinham o mesmo objetivo, em 2013 foram fundidos. “Após o benchmarking, o ABR incorporou os Critérios Mínimos de Produção (CMP) da BCI que são de conformidade obrigatória”, disse João Carlos Resende Soares da Rocha, filiado e coordenador de supply chain da BCI no Brasil.

A lista de verificação para diagnóstico da propriedade (VDP) reúne 225 itens, divididos em oito critérios, que incluem: tipo da mão de obra; condições de trabalho; preservação, proteção e qualidade do ecossistema – água, solo e florestas; adoção de boas práticas, como tecnologias de precisão que reduzam o uso de defensivos; e gestão sustentável com retorno financeiro. Desse total, 179 são itens de certificação auditados por empresas terceirizadas, custeadas pela Abrapa a cada safra. Quando o produtor recebe o certificado ABR, ele também atende aos critérios da BCI, e pode solicitar a licença de comercialização Better Cotton. “Nossa meta é crescer ainda mais em produção sustentável. É pouco provável, porém, chegarmos a 100% pela rotatividade dos produtores”, disse Busato.
DESAFIOS Falta de conhecimento sobre o programa e sobre os benefícios do modelo sustentável são outros fatores que dificultam a certificação de toda a fibra brasileira. Há também o aspecto financeiro. Para o presidente da Associação Baiana dos Produtores de Algodão (Abapa), Luiz Carlos Bergamaschi, as barreiras são transponíveis. “No processo de adequação da fazenda às normas, dentre elas as ambientais, há um custo, mas o produtor está concentrado em fazer a coisa correta”, afirmou. Para o produtor rural e sócio-diretor do Grupo Irmãos Franciosi, localizado no oeste da Bahia, João Antônio Franciosi, o selo ABR/BCI, adquirido em 2016, agregou mais valor à pluma. “O mercado externo vem exigindo algodão certificado. Com essa propagação pretendemos aumentar a exportação em 10% e ter um diferencial de preço, que hoje ainda não é relevante”, disse Franciosi. Das 40 mil toneladas produzidas pelo grupo, cerca de 80% são exportadas.

Além da exigência dos mercados compradores da pluma, agentes da cadeia do setor estão mais familiarizados com as siglas ABR e BCI. Varejistas como C&A, Renner e Riachuelo, além de outras marcas globais, estão se comprometendo em aumentar o consumo de algodão sustentável. De acordo com Leandro Ito, gerente de Sustentabilidade da C&A, mais de 90% da fibra utilizada pela empresa possui selo ABR/BCI, esforço que teve início em 2017. “Fizemos esse investimento pensando em produzir moda com impacto mais positivo, sem mexer no preço para o consumidor”, afirmou. Para Álvaro Dilli, diretor de Recursos Humanos e Sustentabilidade da SLC Agrícola – empresa com produção de algodão, soja e milho –, o mundo irá se voltar aos produtos responsáveis e sustentáveis. “Há 15 anos eu dizia: o futuro é certificado. E hoje isso se tornou uma realidade.” Apesar da fibra brasileira ser a mais sustentável, ainda não houve valorização no preço para comercialização. O cenário pode mudar com a maior procura pelo produto. Mas uma coisa é certa. Com a adoção de boas práticas no campo e maior visibilidade delas, o agronegócio brasileiro se beneficiará.