Enquanto as delegações internacionais se sentam à mesa para tentar destravar as negociações sobre a regulação do mercado de crédito de carbono na COP-26, a Cúpula do Clima, em outro dos pavilhões do evento será discutido um modelo alternativo de crédito. Desenvolvido no Brasil, ele permite manter florestas em pé e será apresentado em Glasgow a convite da Organização das Nações Unidas (ONU).

A Unidade de Crédito de Sustentabilidade (UCS), desenvolvida pela Brasil Mata Viva, empresa criada em 2007, pode ser comercializada entre produtores certificados por manter a floresta, empresas e pessoas físicas interessadas em reduzir ou neutralizar o impacto ambiental que geram. É um dos produtos ambientais do mercado que recentemente ganhou novo impulso, com potencial estimado em R$ 30 bilhões nos próximos quatro anos, segundo a equipe econômica do governo federal.

A novidade veio da aprovação do CPR Verde, a Cédula de Produto Rural (CPR) Verde, há um mês, regulamentada em decreto. Trata-se de um título financeiro que permite ao produtor rural receber para preservar as áreas de floresta em sua propriedade, ou pagamento por serviço ambiental. A UCS, que já tem mais de 200 produtores rurais cadastrados e aptos a negociar, se alinha como um título desse mercado.

MERCADO

Para o ex-diretor da Comissão de Valores Mobiliários (CVM) Fernando Albino, o cálculo de R$ 30 bilhões ainda está subestimado. Os compromissos da União Europeia para descarbonizar a economia de seus países-membros é um exemplo do potencial dos produtos de crédito ambiental. “É uma mostra de que o Brasil não precisa ficar pedindo dinheiro internacional para proteger suas florestas”, diz. “Basta investir num mercado ambiental inteligente.”

Apesar das siglas em profusão e da aparente confusão que elas podem causar, esse é um mercado a se prestar atenção nos próximos anos, dizem especialistas. “Manter a floresta em pé é a grande fortuna que o Brasil tem”, diz Albino.

Quando um produtor negocia uma UCS, ela é válida por um ano. Ou seja, o comprador recebe a certificação da existência da floresta e que a parte correspondente a sua compra será mantida nesse período.

A metodologia usada pela empresa para aferir o impacto ambiental dessa manutenção foi desenvolvida junto com a Universidade Estadual Paulista (Unesp) e é acompanhada por auditorias internacionais.

O volume de carbono que essas florestas retiram do ar é só uma parte do serviço ambiental aferido e garantido pela UCS. Entram na conta, por exemplo, a preservação da fauna, de recursos hídricos e do total de madeira preservada.

Entre quem compra estão “empresa de mineração no Amapá, consultório de dentista em São Paulo e pessoas físicas”, diz Maria Tereza Umbelino, criadora do Brasil Mata Viva. O crédito é comprado por empresas que querem abater suas emissões e recebem selo de garantia certificado, o que se enquadra nas práticas ESG (que envolve os pilares ambiental, social e de governança).

O Estado do Amapá incentiva a aquisição de produtos como esse e em troca dá benefícios fiscais. Há também quem queira zerar suas próprias emissões. Hoje, calculadoras de pegadas de carbono permitem que qualquer um mensure os efeitos ambientais de seus hábitos de consumo.

EXEMPLO

Outro ponto que chama atenção no modelo brasileiro a ser apresentado na COP-26 é ter sido a inspiração para a criação do título regulamentado pelo governo, o CPRVerde. “Isso confere lastro e rastreabilidade e segurança”, diz a economista Maria Tereza.

Filha de produtores rurais, ela transformou o desenvolvimento desse modelo em uma missão há 14 anos. As primeiras UCS foram negociadas com empresas europeias, da Inglaterra e Holanda. “A União Europeia pretende destinar 1,9% do seu PIB para incentivar a conservação e a transição do modelo, mesmo com a compra (de créditos) extraterritorial. Imagine o que pode ser destinado para cá”, diz Maria Tereza.

Márcio Romani, produtor rural em Brás Norte, a 700 km de Cuiabá, começou a imaginar isso há mais de uma década, quando passou a integrar o programa. Não fosse esse trabalho, diz, não sabe se parte dos 9 mil hectares de floresta preservada teria resistido ao apelo do mercado de commodities. Hoje, a própria floresta em pé é uma delas. “Antes disso, nem passava na minha cabeça”, diz. “Para mim foi o programa certo, na hora certa.”

Para ele, o programa do qual faz parte leva o Brasil a partir na frente dos outros países no desenvolvimento de modelos de comercialização de créditos e pagamentos de serviços ambientais. “Outros países estão discutindo como fazer. Nós já fizemos”, afirma.

O modelo da Brasil Mata Verde divide os produtores por região e cria núcleos de apoio aos fazendeiros. Só na região do Rio Arinos (MT) são 42, que mantêm mais de 80 mil hectares de floresta, como em São José do Rio Claro, a cerca de 300 km de Cuiabá. Ali, as propriedades rurais conseguem associar produções de grãos e criação de gado com a conservação da floresta.

Desenvolver um mercado de carbono é um dos grandes desafios dos países para frear o aquecimento global. Conforme o IPCC, painel intergovernamental de mudanças climáticas da ONU, a Terra está esquentando mais rápido e deve atingir 1,5ºC acima do nível pré-industrial já na década de 2030, dez anos antes do que era esperado. Com isso, haverá eventos climáticos extremos em maior frequência, como enchentes e ondas de calor. A produção agrícola brasileira também será afetada.

As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.