Às vésperas de completar um ano do primeiro caso de covid-19, o Brasil atingiu nesta quinta-feira, 18, a marca de 10 milhões de infectados pelo vírus. O número está agora em 10.028.644 casos. A velocidade de propagação da doença seguiu a linha do crescimento anunciada pelos pesquisadores. Foram oito meses para atingir 5 milhões de casos e quase metade desse tempo para que o número dobrasse. Mesmo com a esperança da vacina, especialistas ouvidos pelo Estadão avaliam que o País ainda vai enfrentar desafios para antes da desaceleração de casos. O Brasil é o terceiro país do mundo a atingir a marca, atrás dos Estados Unidos e da Índia.

O primeiro milhão de infectados no Brasil foi alcançado em junho do ano passado, quando cientistas de várias partes do mundo se debruçavam em estudos para chegar a um imunizante que freasse o avanço do vírus. As informações sobre a importância do uso de máscaras, distanciamento social e medidas de higiene, como lavar as mãos ou usar álcool em gel, já tinham sido amplamente divulgadas, mas o País entrou em uma escalada de casos, que se refletiram em um número alto de mortes.

“Seria tudo diferente. Mas a gente vem, desde o começo, seguindo uma série de desobediências a medidas de restrição e isso acaba nos levando para o que estamos vivendo hoje. Quanto mais a gente vê pessoas falando que têm o direito a circular e não usar máscara, temos, em termos de biologia, a formação de novas mutações e, com essas variantes, a gente vai acabar sendo pego por algo que não tinha sido programado. No ano passado, quando começou a fazer quarentena até se chegar a uma vacina, era pela possibilidade de atender casos que viessem a surgir, achatar a curva e manter estabilidade genética no vírus para que ele não tivesse mudanças bruscas demais. As pessoas cansaram da pandemia, mas ela não se cansou da gente”, avalia Benilton de Sá Carvalho, professor do Departamento de Estatística e coordenador da frente de epidemiologia da força-tarefa Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) contra a covid-19.

Carvalho diz que tentar estimar como a propagação da doença vai caminhar no Brasil não é tarefa impossível, mas desafiadora, tendo em vista a quantidade de variáveis que precisariam ser levadas em consideração. “Estamos falando daquela fase de crescimento exponencial. O que acaba acontecendo com esse comportamento numérico é que, se hoje teve um caso, amanhã tem dois, depois, quatro. Nessa velocidade, chega a um ponto que acelera demais”, afirma.

“No nosso caso, é mais complicado (estimar) pela dificuldade de acesso à informação, seja de vigilância, como os dias de sintomas, seja pelas informações de testagem e vacinação, todas as variáveis são importantes para mensurar” diz Sá Carvalho. “A briga pelo auxílio emergencial é outra questão. A ausência vai fazer com que as pessoas circulem mais, trazendo novas variantes.”

No Brasil, já há registro de circulação da variante britânica e, no Amazonas, também surgiu outra variante, a P1, que já foi detectada em outros Estados, como Rio, Ceará e Santa Catarina. São Paulo já detectou casos das duas cepas.

Vacinação

Outro ponto preocupante é a imunização da população, que tem sido feita com lentidão por causa da escassez de doses. Até esta quarta-feira, 17, 5,4 milhões de pessoas tinham sido imunizadas, segundo balanço do Ministério da Saúde.

“Por causa da baixa velocidade da vacinação, a gente não deve ver esses efeitos tão cedo ou tão rápido quanto Israel. Temos cerca de 3% das pessoas vacinadas no Brasil. Não estou positivo de que teremos efeito depois de julho e vai ser complicado porque, até o segundo semestre, vamos passar pelo inverno e número de casos respiratórios, não só covid, aumentam em maio ou junho por padrão.”

Em Israel, mais de 40% dos 9 milhões de habitantes já receberam a vacina contra a covid-19. Quase dois meses após o início da campanha de imunização, os resultados já estão aparecendo e o País já contabiliza queda no número de pacientes em estado grave (38%), das mortes entre a população com mais de 60 anos (40%), de idosos hospitalizados (58%) e internações em geral (44%) em relação a janeiro.

Nos Estados Unidos, que também teve uma explosão de casos, o número de novos casos apresentou queda de 39% nas duas últimas semanas, puxada pela vacinação em massa.

“A vacinação está lenta porque a demanda por vacinas está extremamente alta e não temos doses suficientes. A gente recebeu oferta de 70 milhões de doses da Pfizer, que foi deixada passar. Teve um erro brutal em logística e de colocar o investimento em algo que a ciência fala que não tem eficiência”, diz Carvalho, referindo-se ao “tratamento precoce”, indicado inclusive pelo presidente Jair Bolsonaro, feito com medicamentos que estudos já comprovaram que não são eficazes contra o vírus.

Isolamento com estratégias é eficaz mesmo com novas variantes

Quando a pandemia teve início, o distanciamento social logo foi apontado como uma estratégia para conter a disseminação do vírus. O Brasil não experimentou o lockdown, mas assistiu ao movimentos de abertura e fechamento de estabelecimentos nos países europeus. O “fique em casa” foi adotado por uns e criticado por outros ao longo do ano passado. No entanto, o isolamento social é uma ferramenta importante para evitar a propagação do vírus, inclusive as novas variantes. Só que precisa ser pensado de forma estratégica, de acordo com Airton Deppman, pesquisador e professor do Instituto de Física da Universidade de São Paulo (USP).

Ele conduziu um estudo no ano passado que apontou o modelo de propagação do vírus. Em vez de usar o padrão SIR, mais usado para descrever a evolução de uma pandemia no tempo e que considera pessoas suscetíveis, infectadas e removidas (por morte ou vacinação), foi utilizado um modelo chamado fractal, que avaliou a disseminação por meio de grupos.

“Esse modelo começou com uma análise dos dados da epidemia em março e abril do ano passado, coletando dados em diferentes regiões do mundo, como China, Europa, Estados Unidos e no Estado de São Paulo. Vimos que a melhor forma de analisar não era através do SIR, que é o mais antigo e tradicional. No SIR, se tem um infectado, ele tem a probabilidade de infectar qualquer um, mas sabemos que uma pessoa em São Paulo tem uma probabilidade mínima de contaminar outra que está em Manaus. É difícil usá-lo para explicar a epidemia em uma população grande. Nosso modelo considera que um indivíduo vai infectar um grupo pequeno e esses indivíduos vão contaminar outros grupos que têm contato com outros grupos de pessoas.”

A partir desses resultados, segundo ele, é possível desenhar modelos mais eficazes para conter o vírus. “O processo de contaminação depende do número de contatos e isso é mais importante do que diminuir a eficiência do vírus, mesmo para as novas variantes. Esse modelo oferece oportunidades para avaliar estratégias mais inteligentes de isolamento social, porque, se for imposto um isolamento muito geral e prolongado, as pessoas não conseguem seguir, como a gente viu no carnaval e no fim do ano do ano passado. O que a gente aprendeu é que a população, de modo geral, não consegue isolamento rigoroso e que a contaminação é, em grande parte, regional.”

Com o monitoramento das bolhas, testagem e isolamento em pontos que realmente precisam, além da vacinação, a tendência é de que as infecções caiam.

“Minha impressão é de que a população vai se adequando com base nas informações que o governo transmite. Com um modelo matemático, é possível desenhar formas de restrição de mobilidade que sejam mais eficientes para evitar o espalhamento do vírus e sem prejudicar um número muito grande de pessoas, observando onde precisa de distanciamento mais rigoroso, como a bolha se alastra e em que região precisa fazer mais testes para ver se o isolamento está sendo efetivo”, sugere Deppman.

‘Pensei que meu organismo ia reagir mais rápido’, diz professora que foi internada

A professora de educação infantil Amanda Vello do Paraizo, de 41 anos, espera sair do hospital nesta sexta-feira, 19. Há 15 dias, ela apresentou os primeiros sintomas da covid-19 e, desde o dia 12, está internada. Ela teve febre, cansaço, prostração, enjoo e vômitos. Depois do diagnóstico, ficou em casa, mas precisou de atendimento três dias depois. “Estava sentindo muito cansaço e tossindo muito. Fiz novos exames e minha oxigenação estava baixa. Fiz tomografia e raio X, que mostrou que 50% do pulmão estava afetado. Não fui entubada, mas estava com medo.”

Sua maior preocupação era porque também tem diabete, o que fazia dela uma paciente com mais riscos de ter complicações. Ao longo da pandemia, tomou os cuidados para evitar a infecção, como usar máscara, higienizar as mãos e evitar aglomerações. “Sempre fui muito cuidadosa por causa da diabete. Saía com toda precaução, mas tive uma consulta médica com a endocrinologista e fui com a minha filha na cabeleireira. E mercado, que já ia sempre.”

Amanda conta que a doença não é leve. “Eu me senti muito fraca. Pensei que meu organismo ia reagir mais rápido. Tive muito calafrio da febre, foi muito mal-estar.” Na família, só ela foi infectada. “Meu marido fez o teste e deu negativo duas vezes. Meus pais, minha tia, que tenho bastante contato, não tiveram. Nem a minha filha de 9 anos. Está sendo difícil ficar sem vê-la. A gente conversa por vídeo, mas espero encontrá-la logo.”