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O revés do mercado de alimentos no início do ano passado deixou muitos países com receio de uma futura crise de abastecimento interno. Essa preocupação tem levado nações como Catar e Coreia do Sul a tomar a decisão de arrendar terras em países em desenvolvimento, medida que tem causado polêmica. Um dos argumentos contrários à iniciativa veio do diretor-geral da Organização das Nações Unidas para a Agricultura e Alimentação (FAO), Jacques Diouf. Ele tem chamado o movimento de “neo colonialismo”, por temer que tal resolução transforme os países pobres em fornecedores de alimentos para as nações ricas, em detrimento de sua própria população faminta. O primeiro arrendamento foi feito, em novembro do ano passado, pelo conglomerado sul-coreano Daewoo na ilha africana de Madagascar. O contrato é de 99 anos e a área é de 900 mil hectares, o equivalente a metade do território belga. A meta sul-coreana é produzir cinco milhões de toneladas de milho por ano e ter 120 mil hectares de palma dentro de 15 anos. Se o plano se concretizar, a Coreia do Sul se tornará bem menos dependente das importações, já que a quantidade de milho prevista representa mais da metade do que o país importa do cereal anualmente. Para isso, o país deve desembolsar U$ 6 bilhões nos primeiros 20 anos, pagamento que irá custear portos, rodovias, sistemas de irrigação, implantação da lavoura, bem como a construção de escolas e hospitais para os locais.

LAVOURAS DE MILHO: a Coreia do Sul quer produzir em Madagascar cinco milhões de toneladas do cereal dentro de cinco anos

O Catar, pequeno Estado independente localizado na Península Arábica, também quer trilhar o mesmo caminho. Por estar em uma região petrolífera, o gás natural e o petróleo dominam 85% das exportações do Catar, que tem uma das maiores rendas per capita do mundo. No entanto, o Estado importa quase toda comida que consome, já que apenas 1% de seu território são áreas com aptidão para a agricultura. Este contexto levou a decisão de arrendar 40 mil hectares de terras agricultáveis no Quênia, que seriam usadas para produção de hortaliças e frutas. Segundo o presidente queniano, Mwai Kibaki, a região que o Catar tem interesse é o delta do rio Tana, que contabiliza 500 mil hectares de terras não cultivadas e se situa ao sul da ilha de Lamu. Para Diouf, a grande controvérsia é a possibilidade de estes arrendamentos criarem ilhas de pobreza, locais muitos prósperos em contraste com outros paupérrimos. Há motivos para a preocupação, afinal no Quênia as terras férteis não estão igualmente distribuídas. Além disso, o país teve problemas com a alta do preço dos alimentos no ano passado, o que obrigou o governo a subsidiar o preço do milho. “Um negócio desse, de uma nação comprar terras em um outro país, não seria interessante para o Brasil, mas pode ser para o Quênia. Se o país for capaz de fazer uma troca que beneficie a população”, comenta André Nassar, diretor-geral do Instituto de Estudos do Comércio e Negociações Internacionais (Icone). É esse o pensamento das autoridades quenianas. “Nada vem de graça. Se quisermos pessoas investindo em nosso país, teremos que fazer concessões”, comentou Isaiah Kabira, porta-voz da presidência do Quênia. A contrapartida neste caso seria o investimento de 2,4 bilhões de libras em um porto na ilha turística de Lamu e também em um segundo porto, complemento do porto de Mombasa. O primeiro tem o início da obra previsto para 2010.

A China é outra nação que está de olho em terras agricultáveis em outros países. Embora tenha um vasto território, seus recurso dricos estão ficando escassos. Tanto é que seu ministro da Agricultura está incentivando as empresas a comprar fazendas em outras nações. Já houve uma tentativa no Laos; os chineses queriam três milhões de hectares, mas o país asiático não assinou o contrato. No entanto, no ano passado, a China firmou um tratado de cooperação com o Sudão para construir uma espécie de fazenda piloto em terras africanas. Além disso, os chineses têm manifestado interesse em fazendas de soja no Brasil, já que a oleaginosa é o carrochefe das importações. Os Emirados Árabes também têm divulgado planos de investir em plantações de arroz na Indonésia, mas ainda não há nada de concreto.

No contexto brasileiro, Nassar não é contra o investimento estrangeiro. “Aqui há vários grupos privados formando empresas agrícolas. Eles vieram por entender que o Brasil é uma ótima oportunidade de negócio. Isso está acontecendo no Brasil e em países do Leste Europeu, locais que têm uma infraestrutura mínima”, diz. O professor do Núcleo de Economia Agrícola da Unicamp, Antônio Márcio Buainain, é da mesma opinião. “Desde que haja regras, não há problemas, pelo contrário. Devíamos usar plenamente este potencial de atrair investimentos”, finaliza.