No início da pandemia, 111 milionários de diversos países assinaram uma carta intitulada Millionaires for Humanity, ou Milionários pela Humanidade. Nela, eles pediam para que seus governos aumentassem – “imediatamente, substancialmente e permanentemente” – os impostos pagos por pessoas como eles, isto é, ricas. Segundo o documento, um aumento da carga tributária que recai sobre os milionários poderia ajudar a financiar escolas e sistemas de saúde no pós-covid. “Então, por favor, nos taxem mais”, dizia a carta assinada por pessoas como Abigail Disney, sobrinha-neta de Walt Disney, e Jerry Greenfield, um dos fundadores da marca de sorvetes Ben & Jerry’s.

O documento repercutiu globalmente e, apesar de polêmico, está alinhado com as recomendações do Fundo Monetário Internacional (FMI) e da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) para que os países consigam reequilibrar suas contas depois da pandemia e reduzir a desigualdade social acentuada durante a quarentena.

Entre as sugestões dos órgãos para a consolidação fiscal – que só deve ser feita depois da recuperação econômica -, está o aumento de imposto de renda, de propriedade e de ganhos de capital para as pessoas mais ricas, além de maiores tributos sobre combustíveis poluentes, redução de subsídios mal direcionados, cooperação internacional para a tributação digital e revisão de impostos sobre empresas para garantir que elas paguem um valor “justo”.

A tendência, segundo o diretor do Centro de Política e Administração Tributária da OCDE, Pascal Saint-Amans, é que, entre as marcas deixadas pela pandemia, esteja um mundo com carga tributária mais elevada, dado que o coronavírus exigiu um aumento significativo dos gastos públicos globalmente. E as recomendações dos órgãos multilaterais para que os países reestruturem o sistema tributário valem, também, para o Brasil, diz ele (ler mais abaixo).

Imposto sobre fortunas

Além de sugerir um aumento da progressividade tributária, a OCDE não exclui completamente a possibilidade de adoção de um imposto sobre fortunas, aprovado recentemente na Argentina pelos deputados (ainda precisa passar pelo Senado) e que voltou a ser tema de debate no Brasil durante a pandemia. Tido como ineficiente – dado que muitas vezes leva os mais ricos a transferirem seu domicílio fiscal para o exterior -, o tributo pode ser usado como última opção para reduzir a desigualdade, possivelmente como medida temporária, de acordo com a OCDE.

Especialista em tributação e diretor do Centro de Cidadania Fiscal, Bernard Appy destaca, porém, que o aumento da carga tributária no Brasil virou “tabu”. “O debate não repercute aqui. É verdade que nossa carga é alta para um país com esse grau de desenvolvimento, mas com certeza dá para elevar o imposto de renda.

Parcela grande da renda alta está sendo pouco tributada”, diz Appy, que dá como exemplo a isenção de lucros e dividendos – a qual o ministro da Economia, Paulo Guedes, gostaria de pôr fim. Para Appy, o fim da isenção corrigiria distorções, mas deveria vir acompanhado de uma redução da alíquota de imposto de renda cobrada das empresas.

Appy afirma que duas bases, o consumo e a folha salarial, são excessivamente tributadas no País, enquanto a renda e a riqueza, o que inclui heranças, são pouco taxadas. Ele reconhece que, no caso brasileiro, não é possível que a arrecadação de imposto de renda (como porcentual do PIB) alcance o nível observado nos países desenvolvidos, dado que grande parcela da população é pobre, mas frisa que há espaço para melhorar. “O debate político sobre esse tema é complexo. Fazer isso (ampliar a arrecadação) via redução de benefício fiscal talvez seja mais fácil”, acrescenta.

Em Brasília, também começa a ventilar a ideia de se incluir na reforma tributária o imposto sobre lucros e dividendos e uma progressividade maior em patrimônio e herança. Ainda não se sabe se os pontos ganharão força no debate, mas os críticos da taxação de herança afirmam que o potencial de arrecadação do tributo é baixo.

Fim de subsídio fiscais

Na discussão sobre a redução de benefícios fiscais – também defendida por FMI e OCDE -, o ex-presidente do Banco Central Arminio Fraga foi um dos primeiros a defender a medida. “Esse é um ponto menos controverso quando você consegue demonstrar que, frequentemente, os subsídios não fazem sentido econômico e distributivo. Mas eles são difíceis de se eliminar, porque costumam ter donos, donos entre aspas.”

Os subsídios, que custavam 2% do PIB em 2003, chegaram a 4,3% no ano passado. O fim da Zona Franca de Manaus e uma alteração no faturamento máximo para uma companhia se enquadrar no Simples Nacional (regime tributário especial para pequenas empresas) costumam ser os principais exemplos de como o governo poderia arrecadar mais e reduzir as distorções do sistema.

Arminio ainda se diz a favor de se repensar a tributação da renda do capital, especialmente com regras para aplicações financeiras. Afirma, no entanto, ser cético em relação a impostos sobre fortunas e sobre patrimônio que não seja imóvel, dadas as dificuldades técnicas de fazer a cobrança. “Imposto sobre patrimônio é tentador. É um discurso fácil para qualquer populista. Eu tomaria cuidado. Tenho defendido uma equivalência entre renda do capital e o próprio capital”, afirma.

O aumento da tributação das pessoas, seja via imposto de renda ou via imposto sobre lucros e dividendos que são distribuídos a acionistas de empresas, é uma tendência mundial, segundo o economista Sérgio Wulff Gobetti, especialista em finanças públicas. Nesse caso, o governo pode reduzir o imposto que recai sobre a empresa, conforme vem sendo feito na maioria dos países, e ainda assim aumentar a arrecadação. “Essa é uma reforma que tem de ser muito bem pensada não só na alíquota, mas em como a tributação é feita. Isso vai determinar se o governo vai perder ou ganhar arrecadação”, diz.

Imposto sustentável

Além de pedir maior progressividade nos impostos, o FMI e a OCDE colocaram como uma de suas principais bandeiras no pós-covid o aumento de impostos sobre combustíveis poluentes. A iniciativa já vinha recebendo o apoio dos organismos, mas deve ganhar destaque agora, ainda que não seja uma medida para elevar a arrecadação, mas para impulsionar a transformação para uma economia verde.

As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.