Um bispo da Igreja Universal, um governador do MDB e um prefeito do PSOL sob o mesmo teto e com discurso alinhado: a necessidade de união para o combate à pandemia do novo coronavírus. A cena, difícil de imaginar em tempos de acirramento das tensões políticas, ocorreu em Belém (PA), em 25 de março. No País, todas as igrejas ligadas à Universal foram colocadas à disposição para se tornarem centros de vacinação contra a covid-19. Há registros do mesmo tipo de medida em templos no Amapá, Paraíba e São Paulo.

A iniciativa é um dos exemplos de oportunidades geradas a partir da necessidade de experiências de parceria e gestão colaborativa abertas na crise sanitária. É também o espaço para o fortalecimento de iniciativas de consórcio, como a Frente Nacional de Prefeitos (FNP) e Fórum dos Governadores, que têm tido protagonismo nas ações de enfrentamento à pandemia diante da falta de coordenação do governo federal. Segundo especialistas e políticos ouvidos pelo Estadão, pode ser uma saída para que os entes federativos, em especial os municípios, avancem na direção de pautas do futuro, principalmente as relacionadas ao desenvolvimento sustentável.

Para o prefeito de Belém, Edmilson Rodrigues (PSOL), a parceria com as igrejas ligadas à base de apoio do presidente Jair Bolsonaro é importante para atingir públicos que, normalmente, não seriam afetados por estratégias políticas e de publicidade. “A despeito de ter diferenças, há um simbolismo. Aquela mesma pessoa que não quis se vacinar porque o bispo é amigo de Bolsonaro, hoje, ela está tendo um outro sinal.”

Segundo o pastor Wagner, da Catedral da Universal de Belém, ao unir a igreja com os governos do PSOL e MDB em prol da vacinação, não houve receio de que aliados do presidente Bolsonaro pudessem criticar a iniciativa. A Universal do Reino de Deus está por trás do partido Republicanos, da base bolsonarista e que tem como filiados dois filhos do presidente: o senador Flávio Bolsonaro e o vereador Carlos Bolsonaro. “Vai além da política”, disse o pastor. “Seria omissão, tendo um espaço desse, fechar os olhos”.

A conciliação gerada com a vacinação em templos religiosos contrasta com uma polêmica mais recente: a autorização ou não de atividades religiosas no momento mais agudo da pandemia. A liberação de cultos e missas em igrejas de todo o País poderá ser revista hoje pelo plenário do Supremo Tribunal Federal após o ministro Kassio Nunes Marques, em liminar, permitir atividades religiosas presenciais em todo o País.

A necessidade de colocar diferenças políticas de lado por um objetivo comum é característica das iniciativas em consórcio. Ainda na pandemia, o exemplo mais recente desse tipo de gestão colaborativa é a criação de um consórcio entre prefeitos para a compra de 20 milhões de vacinas contra a covid-19.

O Consórcio Nacional de Vacinas das Cidades Brasileiras (Conectar), lançado em março pela FNP, quer atingir a meta de doses adquiridas ainda no primeiro semestre de 2020. No fim do mês passado, o grupo integrado formalmente por mais de 1.800 municípios – ainda há outros 2.666 que manifestaram intenção de aderir – elegeu sua primeira diretoria.

Na primeira reunião, mais 67 municípios tiveram seus Protocolos de Intenções validados para integrarem o consórcio. Além da aprovação dos pedidos de adesão, a diretoria executiva discutiu e aprovou resoluções relacionadas aos temas de Compliance, Doação, e Orçamento para o exercício de 2021. “Tratamos da estratégia de trabalho, cada vez mais intensificado para a busca de mais vacinas para o Brasil”, disse Loureiro.

O consórcio fará uma pesquisa com os mais de 1,8 mil municípios consorciados para listar quais são os medicamentos mais necessários nas cidades para o mês de abril. Isso porque o consórcio foi instituído para a aquisição em escala de vacinas, principalmente contra covid-19, insumos e medicamentos.

‘Municipalismo’

Na avaliação do presidente da FNP, Jonas Donizette (PSB), o esforço de articulação dos prefeitos indica um fortalecimento do municipalismo em torno de pautas em comum. “O legado que fica é o do municipalismo, de mostrar para as pessoas que as prefeituras têm uma importância muito grande”, afirmou.

Experiências em consórcio possuem uma longa tradição no Brasil, segundo o coordenador executivo do Centro de Gestão e Políticas Públicas do Insper, André Marques. Segundo ele, a “coordenação centralizada” evita o “cada um por si” na pandemia. “Porque na hora em que você toma uma decisão isolada, não necessariamente é uma decisão que vai ser a melhor para o coletivo.” De acordo com o Observatório Municipalista de Consórcios Públicos, há no Brasil 488 consórcios ativos, com a participação de 4.074 municípios. Para a gestão pública, diz Marques, essas estratégias beneficiam tanto a população quanto os cofres públicos.

No âmbito dos Estados, o Fórum de Governadores firmou, em março, o contrato para adquirir 37 milhões de doses da vacina Sputnik V, da Rússia. O imunizante ainda não tem registro no Brasil.

Para a professora de Políticas Públicas da Universidade Federal do Rio Grande do Norte, Maria do Livramento Miranda Clementino, o fórum é exemplo do protagonismo que experiências de cooperação são capazes de obter. “A pandemia escancarou muita coisa no Brasil, mas também algumas necessidades de rearranjo político, principalmente acirrou a necessidade do rearranjo federativo.”

No mês passado, o governo federal colocou em vigor o comitê de coordenação nacional para enfrentamento da pandemia da covid-19. A iniciativa é vista como “atrasada” por políticos e especialistas em gestão, que engrossam as críticas a Bolsonaro pela exclusão de Estados e municípios do grupo. Participaram apenas sete governadores aliados e nenhum prefeito.

Nos Estados e municípios, em meio à pandemia acumulam-se outras pautas que poderão ser melhor resolvidas, na avaliação do prefeito de Aracaju, Edvaldo Nogueira (PDT): um plano nacional de recuperação econômica e melhoria no transporte público. As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.