Há cerca de 6 mil anos, o homem produziu a primeira cerveja. Foi uma criação dos sumérios, civilização que habitou a região do Oriente Médio onde hoje fica o Iraque. E eis que agora, tanto tempo depois, os dois principais ingredientes da bebida correm o risco de sumir do planeta. É que, devido ao aquecimento global, a cevada e o lúpulo, cultivados em regiões de clima mais frio, podem entrar em extinção. No Brasil, por exemplo, a cevada é produzida apenas na região Sul. “Essas plantas estão expostas a um alto risco de desenvolvimento no campo”, afirma a bióloga Adriana Brondani, diretora do Conselho de Informações sobre Biotecnologia (CIB). “Até agora, a pesquisa não produziu plantas suficientemente resistentes ao estresse hídrico. Por isso, essas lavouras estão ameaçadas.” E já tem gente trabalhando para evitar o que seria uma tragédia aos amantes da bebida. É o caso do agrônomo Noemir Antoniazzi, pesquisador da Cooperativa Agrária Agroindustrial, de Guarapuava (PR). “Estamos estudando cultivares de cevada e iniciando uma pesquisa com o lúpulo”, diz Antoniazzi. Seja no cenário mais ou menos alarmante, o fato é que a preocupação tem fundamentos.

No ano passado, a emissão de gás carbônico (CO2) foi a maior da história. Foram despejadas na atmosfera mais de 37 bilhões de toneladas, 2,7% a mais do que em 2017, segundo o grupo científico The Global Carbon Project. No quadro mais otimista, mesmo com a redução de CO2 nos próximos anos, até 2100 a temperatura da Terra ficaria 2,3 graus centígrados mais quente. Na previsão mais lúgubre, o planeta pode ficar 5,4 graus mais aquecido. Com base nessas projeções, o pesquisador britânico Dabo Guan, da Universidade de East Anglia, na Inglaterra, prevê a redução na produção da cevada e do lúpulo, diminuindo em 15,3% o consumo mundial da bebida. Isso representaria quase 30 bilhões de litros a menos, o equivalente ao consumo total de cerveja nos Estados Unidos. “O clima mais quente leva a anomalias no regime de chuvas e põe em risco essas culturas”, observa Adriana Brondani.

“Com o aquecimento global, essas plantas ficam muito expostas a um alto risco de desenvolvimento no campo” Adriana Brondani, Conselho de Informações sobre Biotecnologia (Crédito:Divulgação)

EM QUEDA No entanto, ela não acredita num final trágico. A salvação da lavoura poderia vir da engenharia genética e da biotecnologia. De qualquer forma, a pressão climática não pode ser deixada de lado, especialmente para o mercado da cerveja, que movimenta globalmente US$ 592 bilhões, segundo a consultoria alemã Statista. No Brasil, a bebida gera cerca de US$ 30 bilhões por ano. No ano passado, a produção de cevada no mundo foi estimada em 138,8 milhões de toneladas, segundo o Departamento de Agricultura dos Estados Unidos (Usda, na sigla em inglês). O resultado foi o mais baixo das últimas cinco safras. Por aqui, os produtores brasileiros devem colher 330,7 mil toneladas, 6,5% a menos do que a safra passada.
A Cooperativa Agrária, com 650 produtores e faturamento de quase R$ 3 bilhões, é a maior produtora de cevada do País. A safra de 2018 foi de 139,4 mil toneladas, o que representa quase 40% da safra nacional. Para Antoniazzi, apesar das dificuldades climáticas, ainda é possível produzir com qualidade. “Nossa produção já é tão boa quanto a de outros países, como Estados Unidos e Argentina”, diz. Segundo ele, a cevada brasileira pode chegar a ter qualidade até mesmo superior a desses países. Enquanto o aquecimento global não complica tudo ainda mais, é bom pedir logo aquela saideira.