Em outubro passado, o agricultor Délcio Luiz Cappellesso, dono da fazenda Lamarão, de 500 hectares, no município goiano de Cristalina, no entorno do Distrito Federal, colhia os últimos talhões de ervilha para ser processada ainda fresca pela indústria de alimentos. A maior parte das ervilhas cultivadas no País desde a década de 1940, em geral, é composta por variedades que são colhidas secas e depois reidratadas na indústria de alimentos ou vendidas in natura. Na Lamarão, esta é a terceira safra da leguminosa. Cappe-llesso plantou os primeiros pés de ervilha em 2012, em uma área de 30 hectares, para testar a cultura. “Começamos bem devagar para ver se ia dar certo”, diz o produtor. “Com duas safras aperfeiçoamos o manejo e estamos melhorando a produtividade.” Satisfeito com os resultados, o produtor plantou 50 hectares neste ano. Mas ele não está sozinho ao fazer esse tipo de aposta. Cappellesso faz parte de um grupo de 20 pequenos e médios agricultores de Cristalina que estão cultivando 1,1 mil hectares. Toda essa produção tem um destino certo, a fábrica da marca francesa Bonduelle, construída há quatro anos no município. O projeto de integração da cadeia desenvolvido pela fabricante, que vai do produtor ao varejo, ainda conta com a participação da americana Syngenta, empresa responsável pelo desenvolvimento das sementes de ervilha fresca. 

De acordo com Cappellesso, foi o domínio maior da técnica de manejo desse legume, somado à existência de mercado promissor, que o levou a ampliar a área de cultivo. Em sua propriedade, o agricultor tem conseguido uma média de 8,5 toneladas de ervilhas por hectare. Da Bonduelle, ele recebe R$ 700 por tonelada, o que lhe garante um acréscimo de cerca de R$ 300 mil em seu faturamento anual, cujo montante é guardado a sete chaves. Cappellesso, que se formou em administração de empresas, também cultiva soja, feijão e o chamado milho-doce, colhido ainda verde para o consumo humano ou para a indústria de alimentos. Segundo ele, a ervilha costuma ir muito bem em anos nos quais o milho não é tão remunerador, como deve acontecer nesta safra, com a cotação da tonelada estacionada em R$ 295. “Estamos felizes com as ervilhas”, diz Cappellesso. “Principalmente por ser uma cultura de giro rápido, ela agrega valor ao meu negócio. 

O ciclo de produção de ervilhas frescas é curto, quando comparado aos de outras culturas. São cerca de 80 dias, ante os 120 dias para o milho, por exemplo. Outra vantagem é que, além de remunerar mais o produtor, com um retorno mais rápido do investimento, seu plantio se dá na entressafra das culturas de verão, entre os meses de abril e julho. “Na entressafra, a ervilha é uma alternativa interessante porque ainda nos sobra tempo para o cultivo de milho-doce”, diz Cappellesso. “Na janela de cultivo cabem as duas culturas, com tranquilidade.” Para o diretor industrial da Bonduelle, João Alves Neto, mostrar aos produtores as vantagens do cultivo da ervilha é uma missão que está na ordem do dia da empresa. A Bonduelle tem como desafio, já para a safra 2015, a meta de chegar a um grupo de produtores que lhe garanta 1,5 mil toneladas. “A demanda vai aumentar e por isso precisamos de bons produtores no campo”, diz Alves Neto.

Mercado

A francesa Bonduelle tem 161 anos de mercado, atua em 80 países e possui 50 fábricas no mundo. A receita anual com o processamento de 20 culturas chega a US$ 1,9 bilhão. Entre elas, além da ervilha, figuram grão-de-bico, beterraba, lentilha, feijões, cenoura, palmito, cogumelos e espinafre. A empresa atua em três mercados distintos: conservas enlatadas, produto congelado e produto fresco. A operação brasileira é a única da Bonduelle na América Latina. A empresa inaugurou sua fábrica de Cristalina em 2010. O município foi escolhido por ser um dos principais polos de produção de hortaliças, tomate, milho-doce e ervilhas do Brasil. Com cerca de 450 mil toneladas por safra, a renda gerada por essas culturas chega a R$ 110 milhões, segundo dados da prefeitura do município. “Mesmo assim, Cristalina ainda tem um grande potencial de crescimento da produtividade e de captar  novos produtores para o cultivo de hortaliças e legumes”, diz Alves Neto. “É por isso que ainda vamos crescer.” 

Para construir a fábrica, a Bonduelle investiu R$ 50 milhões, mas, segundo Alves Neto, o projeto prevê o desembolso de outros R$ 50 milhões para desenvolver novas tecnologias nos próximos três anos. A meta é dobrar a participação da empresa no mercado nacional, para 10%. Atualmente, a unidade de Cristalina tem capacidade instalada para enlatar cerca de 70 mil toneladas de alimentos. As ervilhas já são responsáveis por 30% desse montante, com 21 mil toneladas colhidas, metade das quais é exportada para Europa, África e países do Mercosul. 

No Brasil, a Bonduelle é a única  empresa do setor de alimentos que integra uma cadeia produtiva para colocar no mercado ervilhas frescas. O produtor entra com a terra e com um sistema de irrigação, ficando a empresa responsável pelo restante, do fornecimento de sementes ao empréstimo da máquina para a colheita da ervilha. Duas horas depois que sai do campo, a ervilha, que é envasada ainda fresca, está pronta para ocupar a prateleira do varejo. Um problema para os produtores rurais e para os fabricantes, como a Bonduelle, é que o consumo da ervilha ainda é baixo, quando comparado com o do milho-doce, que chega a um quilo anual por habitante, contra 300 gramas. Mas nem sempre foi assim. Há cerca de duas décadas, os dois produtos se equiparavam. “O mercado para o milho cresceu muito, enquanto o da ervilha ficou para trás”, diz Alves Neto. Segundo ele, a perda de preferência da ervilha entre os consumidores tem a ver com a qualidade. “Por isso, acreditamos que um produto melhor, como são as ervilhas frescas, deve atrair a atenção do consumidor cada vez mais”, diz Alves Neto “Não vai demorar muito para esse jogo virar a nosso favor.”