De um lado está a startup agrícola Dominus Soli, criada em 2014. Do outro, a Perfect Flight, que nasceu em 2016. O que essas empresas têm em comum, além de serem de São João da Boa Vista, município no interior paulista, é um sistema digital de monitoramento de pulverização aérea de agroquímicos. São as únicas no País a oferecer o serviço, embora haja turbulências na área. As empresas travam uma disputa extrajudicial sobre quem é o pai da ideia, ou seja, a quem pertence a patente do sistema que monitora a distribuição aérea de agroquímicos, capaz de detectar a sobreposição de aplicação em uma lavoura. A Dominus Soli presta o serviço há quatro anos, mas foi a Perfect Flight que entrou com o pedido de patente. Enquanto não há consenso, a empresas seguem no mercado. “Hoje, podemos mapear e diagnosticar a aplicação aérea de defensivos, corrigindo o trabalho do piloto”, diz o advogado Marco Antonio Lino, 33 anos, co-fundador da Dominus Soli. “Criamos um sistema que pode respaldar a qualidade da aviação agrícola.”

“Devemos ter um sistema com transmissão de dados online até o fim de 2019” Fernando Rossetti, CEO da Perfect Flight (Crédito:Divulgação)

O programa digital é capaz de melhorar a aplicação e reduzir os gastos do produtor, conforme o cronograma de cada lavoura. Em um cultivo de soja, por exemplo, podem ser necessários até dez voos sobre uma mesma área ao longo da safra. Através da análise das informações de navegação da aeronave – como o trajeto do voo e a velocidade –, e os dados de aplicação – como o tipo de jato pulverizado e o tamanho da gota –, a Dominus Soli e a Perfect Flight traçam as recomendações para que o máximo da área seja devidamente tratada nos voos seguintes. “Provamos ao produtor o desperdício de insumos nas aplicações”, diz Lino. “Na maioria das vezes, isso acontece por aplicações sobrepostas.”

Em testes de campo, o sistema da Dominus Soli identificou um índice médio de 75% de área efetivamente tratada. Isso significa que, em 500 hectares, 125 hectares não receberiam tratamento. Esse era o índice das quatro unidades mineiras, da usina de cana-de-açúcar Coruripe, que pertence ao grupo pernambucano Tércio Wanderley. A empresa, que possui outra usina em Alagoas, faturou R$ 2,4 bilhões na safra 2016/2017. Segundo a agrônoma Vivian de Oliveira Cunha, coordenadora de planejamento e desenvolvimento agrícola da Coruripe, há três safras a companhia monitora 47 mil hectares, do total de 77 mil hectares próprios. A aplicação efetiva passou para a média de 85% da área, chegando a 97% em alguns casos. “A ideia é ampliar para todas as lavouras da companhia”, diz Vivian. A redução de perdas de produtos saiu de R$ 75, por hectare, para cerca de R$ 9 por hectare.

O cálculo varia de uma lavoura para outra. Para se ter uma ideia, considerando apenas o valor médio do defensivo aplicado, as perdas chegam a R$ 300, por hectare, em uma lavoura de algodão, e a R$ 100 por hectare, no cultivo de soja. Segundo o agrônomo Fernando Rossetti, 33 anos, CEO e co-fundador da Perfect Flight, esse valor cai ao elevar o índice de aplicação. “Podemos reduzir esses gastos drasticamente”, diz Rossetti. Com o índice de 95% de efetiva aplicação, as perdas chegam a R$ 60 por hectare no algodão e a R$ 20 por hectare na soja. Além disso, os sistemas das empresas podem detectar organismos vivos, como abelhas, e mapear as reservas ambientais e as áreas residenciais no entorno de lavouras, trazendo maior segurança aos voos agrícolas.

Para as duas agteches, como são chamadas as startups agrícolas, a ferramenta ainda vai entregar mais no futuro. Isso porque ela somente faz recomendações para voos futuros, já que a transmissão dos dados não é em tempo real por conta da precariedade do sinal de internet no campo. “Devemos ter um sistema com transmissão de dados online até o fim de 2019”, diz Rossetti.

A corrida por esse tipo de tecnologia está só começando. É na aviação agrícola que está a grande oportunidade para a indústria da agricultura digital de precisão, porque ela responde pela proteção de grande parte da área cultivada no País. Por ano, são 70 milhões de hectares de lavouras protegidas pela pulverização aérea de agroquímicos, segundo o Sindicato Nacional das Empresas de Aviação Agrícola. A área representa 91,5% do total de terras ocupadas com plantações e com florestas plantadas. Além disso, a aviação agrícola é uma das formas mais eficazes de se aplicar defensivos, por ser mais rápida que as pulverizações terrestres. Uma aeronave pode cobrir até 100 hectares por hora, ante a média de 35 hectares nos equipamentos terrestres.

Não por acaso, a Dominus Soli, que não abre seu faturamento, começou processando dados de uma área de 500 mil hectares. Hoje, ela cobre cerca de dois milhões de hectares nos Estados de São Paulo e Minas Gerais, especialmente de lavouras de cana-de-açúcar, citros e café. A meta é chegar a 3,5 milhões de hectares, com o acesso às lavouras de grãos em Mato Grosso. Já a Perfect Flight saiu de cerca de 600 hectares para 1,5 milhão de hectares nas culturas de cana, algodão, soja e milho. Neste ano, a previsão é dobrar a receita para R$ 1,2 milhão. O caminho foi se juntar ao Pulse, o centro de empreendedorismo digital da Raízen, em Piracicaba (SP), o maior grupo de bioenergia do País. “O mercado de aviação agrícola é enorme”, diz Rossetti. “Ele sustenta os nossos planos.”