Já pensou se fosse possível reunir em um mesmo local todas as operações agropecuárias  realizadas no País, do trânsito de animais ao registro de vacinações, passando pelo cadastro  de fazendas e pecuaristas, frigoríficos e até protocolos comerciais? Pois essa ferramenta existe
desde 2012 e paulatinamente vem sendo implantada. Batizada de P l a t a f o r m a d e G e s t ã o Agropecuária (PGA), é uma espécie de banco de dados informatizado para unificar as informações e  números da pecuária brasileira. Fruto de uma parceria públicoprivada entre o Ministério da Ag r i c u l t u r a (Ma p a ) e a Confederação Nacional da Agricultura e Pecuária (CNA), a PGA pode ser um instrumento capaz de sanar uma deficiência  antiga do País: o controle de dados do sistema produtivo, inclusive o sanitário. “O grande benefício da PGA é a informação unificada em todo o País, o que trará mais credibilidade para a carne brasileira”, afirma Eduardo Corrêa Riedel, presidente da Federação da Agricultura e Pecuária de Mato Grosso do Sul (Famasul) e vicepresidente da CNA. No Mapa da Carne de Qualidade, que integra o projeto De s a f i o 2050 da DINHEIRO RURAL, o tema está na ordem do dia.

Gerenciada pelo Mapa, a PGA é composta por quatro módulos, dos quais apenas o primeiro, com informações  que são públicas, já foi implantado (leia quadro). Atualmente, 21 dos 26 Estados, mais o Distrito Federal, já têm a chave de acesso para enviar seus dados à PGA. “Mais da metade dos Estados já está alimentando a plataforma diariamente”, afirma José Luiz Vargas, coordenador da PGA. Segundo ele, os módulos de gestão de trânsito animal e o de rastreabilidade já estão homologados pelo Mapa. Em breve será entregue o módulo relativo dos serviço de inspeção. De acordo com Décio Coutinho, coordenador executivo da Comissão de Sanidade da CNA e coordenador técnico da PGA, à medida que a plataforma ganhar robustez, a centralização das informações trará mais agilidade ao processo de elaboração de políticas públicas de apoio ao setor, além de garantir maior transparência junto aos compradores internacionais da carne brasileira. “Já temos condições de dar respostas mais rápidas em um eventual problema sanitário”, diz Coutinho. Ele cita como exemplo um caso ocorrido, recentemente, com animais de seis fazendas do município de Castanheiras, em Mato Grosso. Nessas propriedades foi detectada a doença chamada estomatite vesicular, que pode ser facilmente confundida com a febre aftosa. “Com a ocorrência registrada na PGA, os órgãos de controle sanitário entraram em ação, evitando maiores danos ao rebanho”, diz Coutinho.

Futuro Se no controle sanitário os ganhos parecem claros, um olhar mais atento revela que com a PGA pode-se ir muito além, facilitando o ingresso dos pecuaristas no rol de fornecedores de carne para  mercados exigentes, ou mesmo criando novas relações comerciais entre o produtor, a indústria e o varejo. Essa perspectiva, prevista em um dos módulos da PGA, está atrelada aos chamados protocolos de adesão voluntária, como, por exemplo, o Sistema Brasileiro de Identificação e Certificação de Bovinos e Bubalinos (Sisbov), necessário para a carne exportada à União Europeia. Desde que foi normatizado pelo Mapa em 2006, o Sisbov enfrenta resistência dos pecuaristas, mesmo com um bônus de R$ 2 por arroba. Com ela, o pecuarista que quiser o seu boi em um supermercado europeu acessa diretamente de seu computador a  plataforma e se habilita no cadastro de fazendas exportadoras.

Com os demais produtores que não pertencem ao bloco europeu, o Brasil tem uma chance real de abrir um novo tipo de relacionamento global. Em 2013, o País exportou  1,5 milhão de toneladas de carne bovina  para mais de 140 destinos e faturou US$ 6,5 bilhões. Poderia vender
mais, caso produzisse sob encomenda, a exemplo do que ocorre com grandes exportadores, entre eles a Austrália e a Argentina. De acordo com o agrônomo Rogério Beretta, diretor de relações institucionais da Famasul, brasileira representam um leque de oportunidades ainda pouco explorado. “Com a PGA, os frigoríficos podem, entre outras coisas, inscrever protocolos comerciais com países que tenham diferentes graus de exigência”, diz Beretta. “Daí, o pecuarista analisa aquele que se enquadra melhor ao seu sistema de criação e passa a fornecer animais a esse mercado.”

No mercado doméstico, que responde por cerca de sete milhões de toneladas de carne, do total de nove milhões processadas, as possibilidades também se multiplicam. “Internamente há muito que ser desbravado em termos de produto direcionado ao consumidor”, diz Beretta. A PGA permite, por exemplo, que uma associação de criadores elabore um protocolo de carne certificada, enquanto uma  rede varejista estabelece os prérequisitos  para um protocolo de carne orgânica. Segundo Sampaio, esse seria um caminho para o pecuarista agregar valor ao seu produto. “Hoje, cada um cria os animais do jeito que quer e todo mundo está perdendo dinheiro”, diz ele. O diretor da Abiec afirma que há mais de 300 tipos de produtos de carne bovina no Brasil, em razão das diferenças existentes na carcaça quanto à raça, idade e acabamento de gordura. “Com a PGA, acredito que pela primeira vez estão dadas as condições para que o mercado se comunique com o produtor.”

Um exemplo de como essa proposta pode funcionar perfeitamente no Brasil é o que ocorre com a Agricultural Marketing Service (AMS), braço do Departamento de Agricultura dos Estados Unidos (Usda), no qual estão alocados os programas de certificação da carne do País. O pecuarista americano escolhe o programa que mais lhe atrair, de acordo com especificações de cada protocolo. “O objetivo é auxiliar o produtor na comercialização de seu rebanho”, diz Steven Williams, diretor de compra de bovinos da JBS nos Estados Unidos. A marca Swift, do Grupo JBS, por exemplo, tem vários protocolos registrados no Usda, como a Swift Chef’s Exclusive e a Swift Premium Black Angus Beef.

Outro modelo à disposição dos americanos, baseado na AMS, leva em conta o tipo de carcaça bovina, de acordo com a sua qualidade. As classificações são, da melhor para a  pior, prime, choice, select e no-roll. O pecuarista que produz a prime, por exemplo, recebe como prêmio de US $ 50 a US $ 100 por animal, enquanto o que entrega a de menor qualidade, no-roll, tem descontos nas mesmas proporções. No Brasil, a classificação das carcaças no frigorífico ainda é um tema polêmico, mas que deve ganhar terreno daqui para a frente. “Nos Estados Unidos, quem produz melhor recebe mais, quem produz pior tem deságio no preço”, diz Williams. No País ainda é necessário amadurecer muito essa ideia, mas a PGA, de certa forma, também lança esse desafio.