A pandemia de coronavírus tem feito autoridades, especialistas e economistas baterem cabeça. Até agora não foi sistematizado um modelo de dados que consiga indicar de forma confiável como o vírus se comporta. Os números parecem ser diferentes em cada país e todas as tendências continuam apontando para cima no ocidente, com algumas exceções. Com ajuda da tecnologia, a ciência corre contra o tempo para decodificar esses mistérios.

O único consenso é o inevitável prejuízo à economia por causa das medidas de isolamento social. No caso do agro, a previsão de catástrofe total na economia brasileira pode não afetar da mesma forma esse setor, considerando que não haverá uma mudança brusca no padrão atual da indústria de alimentos.

A produção das nossas principais commodities agrícolas deve ser pouco afetada, ao menos no curto prazo, visto que boa parte da soja já foi colhida e o milho está avançando bem no plantio, especialmente porque essas lavouras são altamente mecanizadas, tornando o trabalho humano menos relevante.

Se a oferta ficará estável, então como se comportará a demanda?

Precisamos considerar os cenários interno e externo. No mercado interno já pode ser sentido um pico de demanda inicial, que faz o preço subir, o que também, associado à alta da cotação do dólar – ao qual as commodities estão atreladas -, é bom para os produtores.

Em paralelo, sem levar em consideração os efeitos inerciais, a China parece ter deixado a pandemia para trás. Para recolocar sua economia em movimento vai importar muita commodity, o que pode fornecer uma ajuda providencial à balança comercial brasileira.

Internamente, com o tempo a demanda deve diminuir por causa da queda de renda da população e também por uma mudança de padrão de consumo, como, por exemplo, a substituição da carne vermelha pela carne branca, fator que gera pressão para uma queda de preços.

Há que se considerar também que, fora dos grandes centros urbanos, a distribuição é mais precária, o que pode afetar o consumo. Além disso, o pacote de ajuda do governo deve irrigar a economia com crédito e auxílios, diminuindo essa força deflacionária de uma crise desse tamanho.

No longo prazo, deveremos observar uma tendência de mudança de consumo dos governos e até da população em geral em relação à estocagem de alimentos no caso de o quadro demorar a se acomodar, configurando-se um cenário de pós-guerra para se proteger de novos ciclos da doença, hipótese que não está sendo afastada pelos pesquisadores. Se isso ocorrer – apesar da alta demanda de curto prazo – a atividade econômica deve desacelerar e poderemos, aí sim, enfrentar até uma deflação.

Em resumo, devemos ver uma pressão inflacionária no curto prazo e uma deflacionária ou neutra – dependendo de como serão as reações ao pós-pandemia – no médio/longo prazo. Basicamente, as curvas cíclicas entre oferta e demanda, tão familiares ao mercado de commodities, tendem a ser mais agudas durante esse período. O mercado está acostumado a grandes volatilidades de produção e pouca na demanda; nesses tempos isso será diferente e desafiador.

De toda forma, o agro deve amenizar – mais uma vez – o impacto da pandemia sobre o PIB no Brasil. O Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (Mapa) comunicou que o Valor Bruto da Produção Agropecuária (VBP) de 2020 deverá crescer 8,2%, atingindo R$ 683,2 bilhões. Segundo o Mapa, a expectativa para o aumento da produção das lavouras é de 8,9%, totalizando R$ 448,4 bilhões. Esse número é ainda mais expressivo que o da produção agropecuária, estimada em R$ 234,8 bilhões, um incremento de 8,2%.

As plantas falam

Diante de tanta informação, pode ter passado despercebido o trecho do texto: “as safras de milho e soja estão plantadas ou em fase de…”. Como é possível saber disso com tanta precisão? É aí que entra o chamado agritech, ambiente de inovação tecnológica que empurra o agronegócio, associando inteligência artificial, redes neurais e deep learning.

Os dados geoespaciais geram informações em tempo real. São quantidades imensas de dados, que só são possíveis de decifrar e organizar usando modelos de deep learning e inteligência artificial.

Estes sistemas trazem insights que ajudam a entender como a oferta está sendo impactada e qual seria a melhor estratégia. Para citar alguns exemplos: a soja, que tem um ciclo longo, terá a oferta bem menos afetada do que produtos de ciclos curtos, como alface e outras hortaliças. De posse dos dados, o produtor pode tomar a decisão se vale ou não a pena plantar naquela determinada safra.

Essas informações beneficiam diferentes partes da cadeia do agronegócio. Com elas, o setor financeiro pode avaliar uma solicitação de crédito, por exemplo. A tecnologia consegue informar ao banco como a fazenda está organizada em termos de área plantada, qual cultura e a produtividade.

Para as instituições que concedem crédito, estes são indicadores essenciais. Normalmente, esse tipo de informação obriga a instituição a destacar um funcionário para ir pessoalmente até o local ou mobilizar diversos analistas para entenderem os dados de uma microrregião.

Informação, por enquanto, é a única vacina que temos contra a pandemia e para acalmar os mercados. Ah, e claro, se você pode, fique em casa!

* Rafael Coelho é CEO da Agronow, empresa especializada em monitoramento de safras agrícolas por satélite. É também investidor-anjo e fundador do Insper Angels, além de conselheiro do Centro de Empreendedorismo do Insper.