A sala de medicação deu lugar a cadeiras, onde pacientes da covid-19 aguardam dias “internados”. Na unidade de pronto-atendimento (UPA), há poucos ventiladores mecânicos se um doente precisa de intubação, e a chance de vaga na terapia intensiva é ainda menor. Pelo País, UPAs se transformaram em UTIs precárias porque os hospitais estão lotados. E até o postinho do bairro, espaço para consultas de rotina, virou hospital para atender urgências relacionadas à doença.

Retrato do colapso da saúde, a improvisação ajuda a explicar por que o vírus mata tanto no País. “As pessoas saem por óbito e não porque conseguiram transferência”, diz Ana Paula Arias, de 25 anos, médica recém-formada que há poucos meses assumiu plantão em uma UPA em Guarulhos, Grande São Paulo. Sem leitos em hospitais, o município foi um dos que passaram a usar até Unidades Básicas de Saúde (UBSs) para absorver parte da demanda.

Lá, dois postos de saúde viraram “puxadinhos” do prontoatendimento – foi montada tenda ligando a UPA à UBS. Com 94% de lotação na terapia intensiva, a cidade diz que a medida vai durar “o tempo que for necessário”, e fala em “prover outros recursos” à rede.

A demora para liberar vaga na terapia intensiva faz com que pronto-atendimentos tenham intubações e até internações, quando deveriam só estabilizar e enviar o paciente para a UTI. Em decreto de março, o Ministério da Saúde autorizou que as UPAs ofereçam leitos de suporte ventilatório pulmonar. Antes, só hospitais de campanha e hospitais gerais poderiam ter esses leitos. A medida, diz a pasta, é para aliviar a rede.

Infectados ficam mais de uma semana internados no pronto-atendimento, onde faltam profissionais e equipamentos avançados para casos, por exemplo, de insuficiência renal – comum entre intubados. “É um dos fatores que contribuem para altas taxas de mortalidade pela covid”, diz o infectologista Fernando Bozza, da Fiocruz.

“O paciente é ventilado em local sem condição de tratar doente grave. Fica 24 ou 48 horas nessas condições e depois é transferido para UTI, mas já morrendo. Em condições precárias, as chances dele só diminuem.” Estudo de Bozza e outros cientistas publicado na revista The Lancet Respiratory Medicine mostrou que oito em cada dez intubados em 2020 morreram no País – a média mundial é 50%.

No dia 13, a capital paulista teve a 1ª morte de paciente na fila de UTI. A família disse que ele, de 22 anos, ficou internado em uma cadeira do pronto-atendimento

na zona leste, mas a Prefeitura nega. Em nota, o Município diz ter estruturado todas as UPAs para que as suas emergências se transformassem em UTIs, diante da “alta demanda” da covid.

Organizações Sociais (OSs) que administram as UPAs, diz a Prefeitura, foram autorizadas a adquirir mais equipamentos e aumentar equipes com especificidade em UTI, para permitir “atendimento adequado, com oxigênio, medicação e suporte ventilatório, o mesmo oferecido em uma UTI hospitalar”.

Nas últimas semanas, municípios do interior, como Catanduva, transformaram UPAs em unidades covid. Em cidades menores, o cenário é crítico. “Mando para o hospital, não tem vaga e voltam piores. É enxugar gelo”, diz Jean Chiozini, médico do posto em Cabrália Paulista.

‘Guerra’

O Conselho de Secretários Municipais de Saúde de São Paulo (Cosems-SP) orienta gestores a usarem UPAs para pacientes covid. “É uma guerra”, diz a vice-presidente do órgão, Adriana Martins, titular de Guararema. Até o uso de UBSs, último recurso, entrou na pauta. “A velocidade da ocupação de leitos fez com que olhássemos tudo. No Estado, já tem UBS funcionando 24 horas para atendimento e com leitos.”

Em São Caetano, Grande São Paulo, uma das UBSs passou a funcionar 24 horas para fazer o primeiro atendimento a pacientes leves – consultas de rotina foram suspensas. Segundo a prefeitura, não há leitos para internação, mas um paciente pode ser até intubado no posto.

Em Curitiba, unidades básicas passaram a funcionar em março como pronto-atendimento de casos leves e moderados para que UPAs se transformem em centros de internação da covid. Em Belo Horizonte, foram criadas unidades não covid para desafogar UPAs, que agora atendem prioritariamente casos respiratórios, pediatria e ortopedia – e estão lotadas.

Há ainda entraves logísticos. Em boa parte das unidades, não há tanques de oxigênio e o fornecimento é por cilindros, com estoques baixos e dificuldade de repor. As duas UPAs de Palmas deixaram de funcionar só para estabilizar pacientes e internam doentes graves. Ambas têm usinas com capacidade mensal de 5 mil m³ de oxigênio, mas a UPA Sul sofreu pane dia 6 e removeu pacientes às pressas.

Com a covid, o mecânico Elenilson Sousa, de 40 anos, está na unidade desde o dia 27. “Aqui não tem tomografia pra saber quanto o pulmão dele está atingido”, conta a mulher, Fabiana. “O máximo que podem, fazem. Tem muita gente sofrendo. Ele precisa de acompanhamento intensivo, na UTI”, afirma. Por enquanto, não há vaga.

A prefeitura de Palmas diz oferecer assistência adequada e negociar maior oferta de oxigênio para UPAs. O governo de Tocantins diz conduzir compra de mais insumo e destaca critérios médicos na regulação de leitos.

Além disso, faltam nas unidades profissionais qualificados para acompanhar doentes graves e até funcionários de apoio para separar pacientes com e sem covid. “É preciso mais mão de obra, não só de médicos, enfermeiros, fisioterapeutas, mas também para higiene, cozinha e recepção”, diz Adriana.

A Secretaria da Saúde de São Paulo, que regula leitos de UTI, diz que trabalha junto dos municípios, cita a expansão de mais de 1,1 mil vagas em março e diz que há pendências de repasses pelo Ministério da Saúde.

Sem citar verbas, o Ministério disse apenas que hospitais especializados e de pequeno porte, unidades mistas, prontos-socorros e UPAs podem ter leitos de suporte ventilatório pulmonar.

As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.