À frente da divisão agrícola de uma das maiores empresas do agronegócio há apenas seis meses, a agrônoma Malu Nachreiner tem o desafio de fazer a companhia se tornar líder nos mercados em que atua no Brasil. Para chegar lá, aposta na tecnologia, sustentabilidade e na diversidade do time.

Em agosto de 2020, a divisão agrícola da Bayer no Brasil passou por uma mudança significativa em sua liderança: o então dono do posto, Gerhard Bohne, deixava a companhia após 34 anos. Para assumir seu lugar, a multinacional alemã escolheu Malu Nachreiner. Paulistana, começou sua carreira na empresa há 17 anos como trainee do departamento comercial do segmento de sementes, no Rio Grande do Sul. Após quatro anos, a executiva voltou para São Paulo, onde se dedicou à área de operações comerciais e marketing. Como a primeira mulher a assumir a alta liderança da companhia no País, Malu tem o desafio de promover o crescimento dos negócios, acelerar a transformação digital em curso no agronegócio e intensificar a agenda da sustentabilidade. “É nossa responsabilidade, como setor, mudar o discurso atual de um Brasil não sustentável, mas não é uma tarefa fácil”, afirmou Malu à RURAL.

RURAL – Há seis meses na presidência da divisão agro da Bayer Brasil, quais são as prioridades da sua gestão?
MALU – A agenda tem três itens. O primeiro deles é o crescimento do negócio. Como segundo país da operação global, o Brasil é sempre um motor para a empresa tanto para projetos e inovação, como também para o desenvolvimento do setor de cropscience, nosso foco estratégico.

RURAL – E os outros dois?
MALU – Temos o desafio de ganhar o curto prazo, ao mesmo tempo em que construímos o médio e longo prazos. Essa jornada passa pelos outros dois pilares. Um deles é a transformação digital, movimento que cresceu significativamente no agronegócio brasileiro nos últimos anos. E o outro, é sustentabilidade. Nosso desafio é entender como usaremos todas as ferramentas digitais para garantir uma perpetuidade saudável do Planeta e da empresa. Toda as três frentes se misturam e se complementam para conseguirmos cumprir nossos objetivos e metas.

RURAL – Em crescimento, qual a meta da companhia?
MALU – Ainda não posso dividir os números porque estamos, justamente neste momento, construindo nosso exercício para os próximos três/cinco anos e que irão compor o plano global com uma perspectiva de tempo bem maior. Mas, é importante destacar que quando o tema é crescimento, além de metas financeiras, falamos sobre estar mais presente na propriedade rural. Isso se traduzirá em indicadores-chave de participação no cliente e no mercado. O desafio é ser tão relevante, que a Bayer seja a escolha natural do produtor para ter a maior participação entre os seus parceiros no campo.

RURAL – Qual será o caminho do pilar transformação digital?
MALU – Essa já é uma realidade comercial com alguns produtos. Um deles é o Field View, plataforma digital capaz de coletar e processar automaticamente dados do campo de forma integrada e que gera mapas e relatórios em tempo real, uma solução que já é líder em áreas mapeadas no Brasil e no mundo. Outro produto é o marketplace Orbia, uma joint venture da Bayer com a Bravium. Na transformação digital, não basta chegar, tem que ser o primeiro a cruzar a linha. Quem estiver na frente, entendendo qual é a solução desejada pelo produtor, é quem vai ganhar o jogo.

RURAL – O desafio que você enfrentará é provocar a transformação na Bayer ou no campo?
MALU – As duas. A transformação do meu cliente exigirá a da Bayer. Claro que alguns movimentos são impulsionados pela Bayer ou outros agentes da indústria, mas é uma demanda e necessidade da ponta final. Quando falamos em eficiência na tomada de decisão e em ajudar o agricultor na gestão da propriedade, estamos falando nessa jornada digital. Precisamos produzir mais, com menos. Isso é importante para a sustentabilidade no médio e longo prazos. Nosso crescimento vem da produtividade.

RURAL – Neste plano, as deficiências na conectividade no campo não são um problema?
MALU – São. No cerrado, por exemplo, os desafios são imensos, e algumas soluções estão surgindo via iniciativa privada. A Bayer faz parte de uma delas chamada ConectarAgro que já levou a conectividade para mais de 5 milhões de hectares e a ideia é passar de 10 milhões. Mas, sem dúvida é uma grande barreira.

RURAL – Em sustentabilidade, quais são os planos?
MALU – O desafio da Bayer e do setor é sair do discurso e ir para a prática. Neste ano, iniciamos o projeto Carbono Bayer, ainda em fase piloto, com 500 agricultores no Brasil. Em parceria com a Embrapa e com o produtor, trabalhamos no que é a melhor recomendação técnica para uma determinada área: como ser eficiente, produtivo e ter o maior sucesso possível no que é o manejo do cultivo agrícola. Com base em dados técnicos, aqueles que chegarem na recomendação feita irão gerar o que chamamos de carbono positivo. Como a Bayer e outras empresas do setor têm o desafio de neutralizar suas emissões de Gases de Efeito Estufa (GEE), a ideia é que esse produtor venda o excedente para nós e outras companhias. Juntos, vamos entrar no trade de carbono. Essa é a forma que encontramos para que a sustentabilidade seja também um negócio para nosso cliente.

RURAL – O Brasil ainda não entendeu a importância econômica da sustentabilidade?
MALU – Na verdade, infelizmente como setor, não temos nos comunicado da maneira mais efetiva nessa agenda. Precisamos avançar bastante neste sentido. Nosso papel, com a Embrapa e com esses produtores, é mostrar que existe uma agricultura brasileira de primeira linha que é muito sustentável e que o setor é, na verdade, a solução para uma série de problemas que o País enfrenta.

RURAL – O consumidor também está mais exigente. O uso de agroquímicos nos alimentos, por exemplo, está sendo mais questionado. Como a Bayer, uma empresa química, está atuando diante deste cenário?
MALU – Aqui entra nosso esforço na transformação digital. Não temos problemas em ajudar o agricultor a usar menos produtos, até porque o mercado é muito grande. Queremos contribuir para a utilização mais assertiva e eficiente dos defensivos. Ferramentas como o Field View, por exemplo, nos ajudam a acompanhar o uso de sementes, de defensivos e de fungicidas e fazer os acertos necessários com transparência para todos. O objetivo é atuar em larga escala nessas recomendações para que atendam às necessidades de cada lavoura, utilizando os recursos de maneira mais adequada independentemente se vamos vender menos ou mais.

RURAL – A Bayer está investindo no mercado de biológicos?
MALU – Sim, sem dúvidas. Temos uma linha específica que atende a diversas culturas, sendo o carro-chefe de algumas delas, como a de horticulturas. Acreditamos muito no equilíbrio, ainda mais em lavouras tropicais como as do Brasil. Aqui, temos desafios com doenças e pragas que não existem na agricultura temperada. Para combatê-las, algumas vezes a melhor solução é uma ferramenta biológica; outras, uma química; e algumas vezes, ambas. Muitas vezes não conseguimos ter um portfólio de biológicos tão abrangente como defensivos por uma questão de escala.

RURAL – Investir em pesquisa e desenvolvimento ganha mais relevância?
MALU – Cada vez mais. A Bayer é uma das empresas que mais investe em inovação no agro. Como grupo – que envolve outros mercados, além do agro – são 5,34 bilhões de euros por ano, dos quais 2,3 bilhões de euros são para a divisão de cropscience. Esse recurso é compartilhado em investimentos para defensivos; sementes e biotecnologia; biológicos; e para a estratégia digital, que tem consumido grande parte do volume total.

RURAL – Infelizmente, em 2020, o Brasil enfrentou um grave problema reputacional relacionando o agro com incidentes ambientais. Como a Bayer está atuando nesta frente?
MALU – O primeiro ponto para reverter a situação é o agro falar com outros segmentos. Em todas as oportunidades que temos, participamos de fóruns multissetoriais para levarmos a voz do campo. Um exemplo é a plataforma Liderança com Valores, espaço para a discussão da sustentabilidade empresarial. Nós também temos cadeiras com poder de decisão em conselhos de associações de indústrias. Esses fóruns nos permitem organizar melhor a narrativa da sustentabilidade brasileira e levá-la para diferentes públicos. Também fazemos parte do projeto Coalizão Brasil Clima Floresta e Agricultura para nos posicionarmos e defendermos o campo.

RURAL – O que incomoda na narrativa adotada pelo Brasil?
MALU – Atualmente 1,2 bilhão de pessoas no mundo se alimentam com algum produto vindo do agronegócio brasileiro, mas falamos pouco sobre isso. O impacto dessa atuação na geração de riqueza para o interior do Brasil, de emprego e de renda é muito grande. Além disso, em sustentabilidade temos um campo sério em que poucos agentes ilegais fazem um estrago reputacional gigantesco. É nossa responsabilidade, como setor, mudar o discurso atual de um Brasil não sustentável. Essa é uma percepção errada. Mas, mudá-la não é uma tarefa fácil.

RURAL – O que tira o seu sono como presidente da Bayer hoje?
MALU – O clima da próxima safra. Em algumas regiões, as condições climáticas estão muito diferentes dos últimos 10 anos e os impactos são imprevisíveis.

RURAL – Você é uma das poucas mulheres entre as lideranças do agro. Como a Bayer trabalha a inclusão?
MALU – Esse é um pilar muito relevante para a Bayer e não é porque sou mulher. Ele é importante porque, se a Bayer, uma empresa de inovação, não tiver um time diverso em gênero, cultura, etnias, geografias, apresentará um resultado pobre em termos de criatividade e de disrupção. Precisamos trabalhar com todo o pool de talentos que está disponível no mundo.