Nas lavouras do início dos anos 90, as colheitadeiras trabalhavam a todo o vapor durante o dia. Mas só durante o dia. Ao volante dos tratores que as rebocavam, homens do campo usavam lenços para proteger o rosto da poeira e dos resíduos que voavam após o corte das plantações. Máquinas assim eram o que se via nas primeiras edições da Agrishow naquela época. Um equipamento como o que ilustra esta reportagem era coisa de ficção científica. Passadas 20 edições da Agrishow, o que se percebe é que o futuro já chegou. O lenço, que agora pode ficar na gaveta, cede espaço a máquinas programadas para mapear cada palmo de uma lavoura, controladas quase por controle remoto. As fazendas viraram empresas que trabalham 24 horas por dia. A palavra de ordem é precisão, uma tendência inequívoca para quem visitar a Agrishow 2013.

Nos últimos quatro anos, a tendência de se praticar a chamada agricultura de precisão ganhou força no Brasil. Para tanto, é necessário o uso de softwares e equipamentos avançados acoplados aos maquinários.

O objetivo é gerenciar toda a propriedade a partir de um único sistema e com isso ganhar eficiência e tempo. Se o produtor sabe, por exemplo, como estão os níveis de produtividade em determinado metro quadrado da lavoura, poderá programar o distribuidor de fertilizantes para despejar ali a quantidade exata de produto sem desperdício.

Assim, empresas como a John Deere identificam uma tendência e, para o diretor de assuntos corporativos da companhia, Alfredo Miguel, “inteligência é a bola da vez”. Verdade seja dita, o dia a dia na estrutura brasileira da John Deere anda agitado com as mudanças recentes para dar agilidade ao rumo de seus negócios no País. A ordem é antecipar o que será necessidade do produtor no futuro, para que o trabalho ganhe agilidade.

Os especialistas da John Deere, em todo o mundo, contam com US$ 3 milhões diários para os trabalhos de pesquisa e desenvolvimento e a equipe brasileira está na fase de fechar planos de parcerias com universidades, estreitando relacionamento com produtores e a Embrapa. Em 2012, a sua linha de produção de pulverizadores foi inaugurada na fábrica de Catalão (GO) e vai agregar mais uma alternativa à lista de colhedoras de cana, colheitadeiras de grãos e plantadeiras fabricadas no Brasil. Para otimizar a prestação de serviços e ampliar a capilaridade, a companhia também aumentou a rede de pontos de venda de 160 para 250 unidades desde 2008. Na edição deste ano da Agrishow, está uma nova colheitadeira de algodão, cujo sistema de enfardamento é mais eficiente e veloz.

Na Case IH, pertencente à CNH – holding, que também controla a New Holland –, a descoberta de novos sistemas está nas mãos dos cerca de 300 engenheiros que trabalham para a marca no País, distribuídos por Curitiba (PR), Sorocaba e Piracicaba (SP), cidades que concentram os centros brasileiros de pesquisa e desenvolvimento da companhia. “O Brasil é um dos países que mais crescem na área de agronegócios. Pela necessidade de ganhar em competitividade, a tendência agora é a agricultura de precisão”, diz o vice-presidente da Case IH para a América Latina, Mirco Romagnoli. O executivo acredita que em cinco anos os produtores brasileiros devem alcançar o mesmo nível do agricultor americano, no que diz respeito ao uso desse tipo de tecnologia. Vale lembrar que a unidade de Sorocaba, onde R$ 1 bilhão foi investido para instalar uma fábrica em 2010, é um pilar importante para a empresa, inclusive em escala global. Parte do resultado do trabalho será visto na Agrishow deste ano, quando a Case IH apresenta uma nova geração de colhedoras de cana, inédita na América Latina, garante o executivo. O evento chega a representar de 15% a 20% do volume de negócios anual da marca. “Até hoje se viam máquinas que colhiam uma ou duas linhas. O lançamento permitirá a colheita de mais fileiras de cana dependendo do espaçamento”, afirma.

A Ta tu Marchesan está no ramo de máquinas e implementos agrícolas há 67 anos. Desde então, consolidou-se como uma das líderes no segmento de plantadeiras ao lado de concorrentes como Jumil e Semeato. Tanto é que a principal tecnologia apresentada pela companhia, na época da primeira edição da Agrishow em 1994, foi um equipamento desse tipo que possibilitava plantar no máximo 15 linhas. Vinte anos depois, eis que uma das joias da coroa é uma semeadora de 50 linhas, que possibilita plantar mais de 200 hectares por dia, e será apresentada na edição deste ano do evento. “Desenvolvemos equipamentos maiores e com tecnologia embarcada, porque agilizar o plantio é uma necessidade cada vez mais urgente”, diz o diretor da companhia, João Marchesan.

Outra grande aposta na linha estratégica da companhia são os sistemas desenvolvidos para o monitoramento de plantio, que permitem a distribuição dosada de sementes e adubo. Se distribuídos conforme a necessidade num determinado lote, evita-se o desperdício e o resultado é a redução de custos. “A agricultura de precisão é a chave para o futuro porque, entre outros benefícios, é um sistema que colabora para o espaçamento ideal na disposição da semente feito pela plantadeira por exemplo.”

Fora a aproximação com as universidades, os especialistas do centro de pesquisas estão constantemente viajando. “Vamos muito aos Estados Unidos. A descoberta de tendências, essa parte da teoria, é fundamental. Mas é preciso aliar à prática, por isso a parceria com a Fatec Pompeia, em São Paulo, por exemplo”, afirma Marchesan. Com todos esses movimentos, a companhia mais que dobrou o volume de linhas de produtos oferecidos ao produtor nas últimas duas décadas. Saiu de uma carteira que detinha 200 itens no início da década de 1990 para os 450 atuais. O empresário não informa valores, mas diz que a diversificação colaborou para que o faturamento crescesse dez vezes desde 1994.

A New Holland, que pertence à CNH, do Grupo Fiat, quer focar no desenvolvimento de tratores cada vez mais potentes e equipamentos de maior porte. Em 1994, as colheitadeiras mais avançadas tinham plataformas com cerca de 25 pés e poderiam ser puxadas por tratores de 150 cavalos.

Hoje, no entanto, é preciso um trator três vezes mais potente para dar conta do equipamento, que dobrou de tamanho. Fora as mudanças de dimensão, essas máquinas, que no passado precisavam ser puxadas por tratores, também ganharam motor acoplado e surgiram os modelos autopropelidos.

Com tratores e todo o tipo de maquinários na lista de vendas – hoje devidamente modernizados e com eletrônica acoplada, avanço significativo para que possam ser integrados em um sistema de gerenciamento único de agricultura de precisão –, a ordem na companhia daqui para a frente é agilizar adaptações das tecnologias às regiões do País onde surgem novas culturas. “Não basta tropicalizar o que trazemos de fora. É preciso tropicalizar regionalmente”, afirma o diretor-comercial da empresa, Luiz Feijó. Ou seja, uma máquina não vai trabalhar nas mesmas condições de solo e clima em Mato Grosso e no Maranhão. A tecnologia disponível pode permitir que o sistema funcione de forma ainda mais “calibrada” dependendo da região onde está a propriedade, com o objetivo de otimizar adubação, plantio e colheita.

Seguindo a onda da diversificação vista no mercado nos últimos 20 anos, colheitadeiras, plantadeiras e pulverizadores passaram a fazer parte da carteira da Massey Ferguson. Esses últimos, inclusive, se tornaram foco de vendas da marca há três anos e é a aposta mais recente. A decisão estratégica decorreu do próprio avanço de melhorias genéticas das culturas. “Surgiram variedades de ciclo mais curto, mas também mais suscetíveis às pragas. Por exemplo, o algodão é um cultivo que demanda pelo menos 20 aplicações no ciclo”, afirma o diretor-comercial da empresa, Carlito Eckert, que, ao lado da Valtra, é controlada pela AGCO Corporation. A holding é a terceira maior fabricante de maquinários agrícolas do mundo, atrás apenas da John Deere e da CNH.

O grande apelo da Massey Ferguson é a agricultura de precisão. Por isso, além das novidades envolvendo os maquinários que contêm eletrônica embarcada, os sistemas que integram toda a parafernália e permitem mapear à distância colheita, produtividade e movimentos da frota são fortes apostas da companhia na Agrishow 2013.

Especificamente em plantio, a marca desenvolveu localmente boa parte das tecnologias que integram máquinas e solo. É um nicho que demanda produtos e sistemas de última geração, afinal, qualquer centímetro a mais ou a menos do ideal entre as plantas poderá leválas a competir por nutrientes e sol, prejudicando o rendimento. Ser global trouxe vantagens para a marca nesse campo, já que com engenharia mundial integrada é possível ter acesso a informações de países que tenham características similares, mas seu avanço no plantio por aqui ganhou agilidade após a aquisição da Sfil em 2007.

A finlandesa Valtra foi a primeira montadora de tratores a chegar ao Brasil, em 1960. “Foi na década de 1980 que a companhia desenvolveu tratores pesados e robustos para os canaviais e conseguiu avançar muito no segmento sucroalcooleiro”, afirma o diretor da Valtra, Paulo Beraldi. Em 1994, com o início do Plano Real e sem inflação a taxas galopantes, os produtores se viram diante de condições um pouco mais favoráveis para obter crédito e renovar maquinário. Em 2007, a empresa se lançou na venda de plantadeiras e colheitadeiras e, desde então, tem diversificado soluções. Para o executivo, não será difícil ver, num futuro próximo, um único operador coordenando cinco ou seis máquinas guiadas por satélite a partir de um computador – uma das tecnologias que a AGCO está desenvolvendo.

Fundada em 1962, a Agrale se manteve com foco na agricultura familiar até o início da década de 1990, época da primeira edição da Agrishow. “Nessa época, áreas de plantio hoje consolidadas, como Lucas do Rio Verde e Diamantina, viviam estágio inicial da atividade e havia demanda por máquinas mais pesadas nessas áreas”, diz o diretor de vendas da companhia, Flávio Crosa. De olho nesses clientes, a novidade da Agrale, à época da primeira edição da Agrishow, ficou por conta dos tratores com potências que alcançavam entre 140 e 180 cavalos. Os equipamentos que nasceram da parceria firmada com a alemã Deutz foram, então, desenvolvidos com capacidade para puxar implementos de maior porte, necessários no cultivo de novas áreas e fazendas cada vez mais extensas. Antes desse passo, a potência dos tratores da marca rondava de 30 a 100 cavalos. No ano passado, enquanto o mercado cresceu média de 6%, a Agrale registrou avanço de 15%. Mesmo que a tarefa de competir com empresas de porte global não seja fácil, todos os anos 3% do faturamento é reservado para pesquisa e desenvolvimento de soluções de produtos e serviços em todas as divisões de negócios – não só a agrícola. Crosa não antecipa detalhes sobre o que a empresa poderá trazer. “Para ficarmos mais competitivos, precisamos ter produtos ainda mais próximos do que o mercado está exigindo.”