Apesar de a covid-19 estar ainda muito longe de ser debelada no mundo, as economias dos países, em geral, vêm se recuperando de forma razoavelmente rápida da forte queda provocada pela pandemia. A China, uma espécie de motor do mundo, é o maior exemplo disso. Um dos principais efeitos desse cenário é o aumento da demanda – e, consequentemente, dos preços – das matérias-primas.

De abril do ano passado (o fundo do poço na pandemia) até agora, as cotações em dólar das 19 principais commodities agrícolas, metálicas e de energia haviam subido, em média, 40%, de acordo com o índice Commodity Research Bureau (CRB), indicador que é referência no comportamento das matérias-primas.

É um avanço que interessa diretamente ao Brasil, um dos maiores fornecedores mundiais de produtos importantes nessa equação – como soja, milho, carnes e minério de ferro. Ainda não está claro, entre os analistas, se o mundo caminha para um novo “superciclo” das commodities, nos moldes daquele que se iniciou na primeira década dos anos 2000 – os preços atuais ainda estão 16,1% abaixo do pico registrado pelo CRB, em 2011. O que está evidente é que essa alta de preços abre boas perspectivas para o País.

Efeitos

No ano passado, as exportações de soja subiram 9,6% e as de minério de ferro, 20,3%, em relação a 2019, segundo o Ministério da Economia. A alta do minério de ferro (que ultrapassa os 70% em relação ao início do ano passado) trouxe efeito, por exemplo, para as ações da Vale, que mais que dobraram de valor em relação ao início da pandemia. E fez com que a CSN conseguisse levantar R$ 5,2 bilhões com a abertura de capital de sua unidade de mineração, movimento que vinha sendo ensaiado há muitos anos.

Reportagem recente do Estadão já havia apontado que, enquanto indústria, varejo e serviços sentiram o baque provocado pelos efeitos da covid-19, o campo comemorava uma alta de quase 40% na renda obtida com a venda de grãos, fruto de uma safra recorde no País de mais de 250 milhões toneladas.

Já a recuperação dos preços do petróleo, que haviam desabado no início da pandemia, teve consequências – nesse caso, positivas e negativas – para a Petrobras. A empresa fechou o quarto trimestre com um lucro de R$ 59,9 bilhões, revertendo perdas registradas nos três primeiros trimestres de 2020. Mas também foi justamente a alta das cotações que acabou provocando a saída do presidente da empresa, Roberto Castello Branco, após o presidente da República, Jair Bolsonaro, se dizer incomodado com o aumento dos preços dos combustíveis, uma vez que a política da Petrobras atrela esses produtos à cotação internacional do petróleo.

Desafios

O superciclo das commodities anterior trouxe um período de bonança para o Brasil. Foram anos de fortes crescimentos do PIB – entre 2004 e 2008, o País cresceu, respectivamente, 5,8%, 3,2%, 4%, 6,1% e 5,1%. Essa boa fase, porém, acabou camuflando os problemas estruturais, apontam economistas, e as grandes reformas econômicas foram deixadas de lado. Quando o tempo de fartura se foi, o Brasil acabou mergulhando em uma forte recessão, da qual até hoje não conseguiu se recuperar.

Para os analistas, seja este um superciclo ou não, é importante não perder de vista que os problemas estruturais do País precisam ser atacados com urgência. “Isso (um eventual superciclo) não seria capaz de resolver a questão fiscal, nem acelerar o potencial de crescimento do País de forma significativa. Este segue travado pelo ambiente de negócios muito ruim, que não vai ser resolvido por um novo boom de commodities”, afirma o coordenador de Economia Aplicada do Instituto Brasileiro de Economia, da Fundação Getúlio Vargas (Ibre/FGV), Armando Castelar. “O sentido de urgência poderia amainar um pouco, mas o problema não estaria resolvido e o potencial de crescimento sustentado não aumentaria de forma significativa.”

Roberto Attuch, CEO da OhmResearch, plataforma de análises independentes, também não vê nesse cenário de alta de preços das commodities um argumento para adiar reformas. “Hoje estamos numa situação bem diferente da que estávamos no governo Lula”, diz. Em 2005, a relação entre a dívida e o Produto Interno Bruto (PIB) era bem menor do que é hoje e a situação fiscal não era tão delicada como a atual. Ou seja, desta vez, será muito mais desastroso jogar as reformas para baixo do tapete.

Divergências

A forte escalada nos últimos meses dos preços das matérias-primas (como soja, milho, minério de ferro e cobre) levantou a discussão de que um novo ciclo de alta de cotações das commodities pode estar a caminho. Mas não há consenso entre os economistas sobre um novo boom.

“Há uma grande chance de que esteja acontecendo um novo super ciclo de commodities”, afirma Roberto Attuch, CEO da OhmResearch, plataforma de análises independentes. Essa também é a avaliação do economista André Braz, coordenador de índices de preços do Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getulio Vargas (Ibre/FGV).

O estrategista de Comércio Exterior do Banco Ourinvest e ex-secretário nacional de Comércio Exterior, Welber Barral, também diz que o mundo já vive um novo ciclo. “Desde a recuperação da crise de 2008, esse movimento tem se mantido. As altas do petróleo dão mais sinais.”

Mais cauteloso, o economista-chefe da MB Associados, Sergio Vale, avalia o que ocorre hoje como “um mini ciclo positivo de commodities”. Já para o economista Fabio Silveira, sócio da MacroSector, o que existe é um momento de alta de preços. “É uma recuperação do tombo sofrido em 2020.”

Apesar das diferentes avaliações sobre a duração da alta, isto é, se, de fato, trata-se de um novo ciclo ou não, há razões objetivas que impulsionam para cima os preços das commodities. Depois do baque na atividade provocado pela pandemia, existe uma recuperação global sincronizada das economias, diz Attuch. Além disso, ele lembra que a preocupação crescente com uma matriz energética mais limpa pode ampliar a procura de commodities minerais ligadas a essa mudança.

Gilberto Cardoso, analista da OhmResearch, acrescenta que o Fórum Econômico Mundial estima que 1,5 bilhão de pessoas vai migrar para classe média na Ásia nos próximos nove anos, com destaque para a Índia, que deve crescer entre 6,5% e 7% no período. Isso indica, na sua opinião, um grande potencial de aumento da demanda por commodities agrícolas, especialmente de proteína animal, para alimentar essa população. “O cenário é extremamente positivo para o Brasil que produz essas commodities”, diz o analista.

Também a injeção US$ 1,9 trilhão de recursos sinalizada pelo governo de Joe Biden na economia dos Estados Unidos deve impulsionar a demanda e os preços de commodities metálicas para investimentos em infraestrutura no país, concordam os economistas.

Vale, da MB, ressalta que o crescimento da China, que fechou 2020 com avanço de 2% no Produto Interno Bruto (PIB) em meio à pandemia, e que deve se manter forte neste ano, somado à depreciação esperada do dólar no mercado externo por conta de políticas de estímulo dos governos podem ter impacto positivo nos preços das commodities. “Há uma saída dos fundos de posições na moeda americana para fundos de commodities, porque justamente existe um fundamento sólido no crescimento chinês”, diz o economista.

Já para Silveira, da MacroSector, o crescimento asiático tem “um pingo de razão”. Na sua avaliação, o que sustenta a alta de preços das commodities neste momento – alimentos, petróleo e minério de ferro – é a “imensa liquidez de recursos no mercado internacional”. Na falta de melhores opções de investimento, esse dinheiro acaba sendo aplicado em mercados futuros de commodities..

Petrobras na contramão

A recuperação do preço do petróleo nos últimos meses levou as petroleiras ao redor do mundo a ganharem mais tanto na operação, vendendo petróleo e derivados, quanto com a valorização das suas ações no mercado financeiro. Nessa última ponta, no entanto, a Petrobras ficou para trás.

Abalada pelo receio de interferências do governo na empresa, que culminou com a demissão do presidente da companhia, Roberto Castello Branco, a petroleira brasileira perdeu 25% de valor de mercado desde janeiro – o montante caiu de R$ 381,5 bilhões no primeiro pregão do ano para R$ 286 bilhões última sexta-feira. Em trajetória oposta, alguns dos seus pares – BP, Equinor, Exxon e Shell – passaram a valer 10% mais, segundo a consultoria Stonex. A Petrobras foi a que teve o pior desempenho no mercado financeiro no período.

Para analistas, o que mudou foi a percepção entre os investidores de que o governo está se valendo da posição de controlador da estatal para contrariar a decisão do atual comando da empresa de manter o valor dos seus combustíveis alinhados aos de importação.

A Política de Paridade Internacional (PPI) foi adotada em 2016 e vem sendo mantida até hoje. Ela foi pensada para viabilizar a abertura do mercado de combustíveis à concorrência, com atração de importadores e novos investidores em refinarias, onde o petróleo é transformado em derivados. Desde então, o diesel e a gasolina encarece na bomba à medida que o petróleo sobe na Bolsa de Londres.

“Basicamente, as ações da Petrobras caíram por causa da interferência política, porque o petróleo segue em recuperação”, disse o analista de Petróleo e Gás Natural da Stonex, Thiago Silva. O barril, tipo Brent, registra alta de quase 25% no ano.

CEO da consultoria JGlobal Energy, Cristiano Costa diz que o mercado está muito descrente de que o PPI será mantido. “Prova disso foi a troca do presidente da empresa, após o último reajuste. A minha percepção é de que ela está indo para um rumo não muito interessante para os acionistas”, afirmou. As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.