A proposta de um novo Código Eleitoral em tramitação na Câmara dos Deputados incluiu na última hora um dispositivo que pode barrar eventual candidatura do ex-juiz Sérgio Moro à Presidência da República e de centenas de militares com ambições eleitorais em 2022. O texto prevê a exigência de uma quarentena de cinco anos para que militares, policiais, juízes e promotores possam concorrer às eleições.

A regra foi incluída no texto da deputada Margarete Coelho (PP-PI), relatora do novo projeto da reforma eleitoral, ontem, e vinha sendo debatida nos bastidores do Congresso. O plenário da Casa pretendia votar a possibilidade de o texto ser tratado em regime de urgência ainda na noite de ontem. Na prática, isso permite que o projeto possa ser submetido à votação direta pelo plenário a qualquer momento, sem ter de passar por comissões. Basta que o presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), paute o tema. A expectativa dos deputados é de que isso ocorra na próxima semana.

Caso o projeto seja aprovado sem alterações nos plenários da Câmara e do Senado e sancionado pelo presidente Jair Bolsonaro até outubro deste ano, o caminho para as eleições de 2022 estará fechado para militares, policiais, juízes e promotores. As últimas eleições foram marcadas por um avanço nas candidaturas de representantes das Forças Armadas, magistratura, Ministério Público e polícias.

A aprovação do texto de 371 páginas e mais de 900 artigos é uma promessa de campanha de Lira. O projeto reúne todas as regras atuais que definem o funcionamento dos partidos e do sistema eleitoral, para unificar tudo em uma redação única. Para isso, a proposta revoga todos os artigos e demais leis relacionadas às eleições.

Margarete disse ter acolhido pedidos de várias siglas e ter usado como referência textos que já tramitavam na Câmara. “Há um interesse na Casa e esse relatório é um projeto do Parlamento. Ouvi todos os partidos e acolhi as sugestões que tinham certa unanimidade”, disse a relatora ao Estadão/ Broadcast.

A nova versão do Código Eleitoral determina que são inelegíveis servidores integrantes das guardas municipais, das polícias Federal, Rodoviária Federal e Ferroviária Federal, polícias civis, magistrados e membros do Ministério Público que não tenham se afastado definitivamente de seus cargos e funções até cinco anos anteriores ao pleito. Margarete excluiu da regra aqueles servidores que já possuem mandato.

Para Walber Agra, professor livre-docente da USP e membro da Academia Brasileira de Direito Eleitoral e Político (Abradep), o prazo de vedação para as candidaturas é razoável. “É uma forma de garantir uma neutralidade não apenas fictícia, mas pragmática ao Poder Judiciário. Com o prazo de cinco anos para poder disputar as eleições, magistrados e membros do Ministério Público irão refletir de forma mais abalizada se devem entrar na luta política ou não. Isto porque a sociedade perde quando há uma politização do Judiciário e ele começa a se imiscuir em questões políticas.”

O Podemos, partido que busca ser abrigo para uma eventual candidatura de Moro, reagiu à inclusão da quarentena. Em nota, afirmou que “repudia a manobra na legislação a toque de caixa para aprovar um dispositivo que iguala juízes, magistrados e policiais aos fichas-sujas”.

“Alterar o Código Eleitoral, estabelecendo uma quarentena de cinco anos, é tentativa clara de atingir Sérgio Moro, cuja candidatura não passa, por enquanto, de um desejo dos brasileiros e de partidos, como o Podemos. Mesmo que aprovada, a lei não poderia retroagir. Portanto, são inúteis os esforços para impedir uma possível candidatura de Sérgio Moro”, diz o comunicado assinado pela presidente do partido, Renata Abreu.

Pesquisas

Outro ponto polêmico do texto diz respeito à realização de pesquisas eleitorais. A proposta proíbe a divulgação desses levantamentos no dia e na véspera das disputas, sob o argumento de que isso poderia ter efeitos sobre o voto do eleitor no momento mais próximo de sua decisão. Para críticos ao texto, trata-se de um tipo de censura que afeta o acesso à informação que sempre esteve presente nos pleitos no País, desde a redemocratização.

A proposição também muda as regras atuais sobre como os partidos, que recebem dinheiro público, devem prestar contas à Justiça Eleitoral. Atualmente, existe um sistema criado especialmente para isso no site do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), o Sistema de Prestação de Contas Anual (SPCA).

O novo projeto, no entanto, altera essa divulgação e passa a prever que a apresentação dos documentos seja feita por meio do sistema da Receita Federal. Também reduz o prazo da Justiça Eleitoral para a análise da prestação de contas dos partidos, de cinco para dois anos, “sob pena de extinção do processo”. Na prática, se a Justiça não conseguir concluir a análise em até dois anos, a verificação pode não mais ser feita. Caso o partido venha a ter suas contas reprovadas pelo TSE, sua punição passa a ter um teto de R$ 30 mil. Hoje, a multa pode ser de até 20% do valor apontado como irregular.

As propostas polêmicas suscitaram mais críticas, porque podem limitar a atuação do TSE, além de diminuir a transparência e a fiscalização de partidos no uso dos recursos públicos, entre outros pontos. A deputada Margarete Coelho, no entanto, disse que as novas regras devem agilizar a análise de contas dos partidos. Ela também negou restrições ao TSE. “O projeto oferece mais segurança jurídica ao tribunal e aos próprios eleitores, delimitando o campo de atuação da justiça eleitoral.”

Fundo Partidário

Outra mudança diz respeito ao uso dos recursos do Fundo Partidário, uma espécie de “mesada” de dinheiro público para a manutenção das legendas. O projeto libera o uso da verba do fundo para a compra de bens móveis e imóveis, além de “gastos de interesse partidário, conforme deliberação da executiva do partido”.

O texto determina ainda que sejam contados em dobro os votos dados a candidaturas de mulheres e negros para a Câmara, para efeitos de distribuição do dinheiro do Fundo Partidário e do fundo eleitoral.

As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.