Uma frente de 3.295 promotores e procuradores do Ministério Público Federal e dos Estados lança neste domingo, 17, uma nota de repúdio contra a PEC que aumenta a influência do Congresso no Conselho Nacional do Ministério Público (CNMP). O grupo pede a rejeição integral da proposta que tramita na Câmara dos Deputados. É a maior articulação contra o texto desde que ele foi liberado para votação no plenário da Casa Legislativa. O abaixo-assinado será levado pela Associação Nacional dos Membros do Ministério Público (Conamp) a todas as lideranças do Congresso.

O CNMP, ou “Conselhão”, é responsável por fiscalizar a conduta de membros do Ministério Público. Além de alterar a composição do colegiado e os critérios para a indicação dos conselheiros, a proposta apresentada pelo deputado Paulo Teixeira (PT-SP) também alarga a função do órgão. Conforme o texto, em adição à função correcional, o CNMP poderá revisar atos de promotores e procuradores. A previsão abre caminho para anulação de denúncias, pedidos de prisão e condenações fora da via judicial.

“Os controles administrativo e financeiro do Conselho Nacional do Ministério Público não significam controle da atividade-fim”, rebatem os promotores e procuradores na nota de repúdio.

Outro ponto questionado é a prerrogativa do Congresso indicar o Corregedor do Ministério Público. A mudança é vista como uma forma de constranger o trabalho de promotores e procuradores. “Ofensa ao princípio constitucional da independência institucional”, reagem.

Veja as principais mudanças previstas na PEC:

Aumento de assentos no colegiado reservados a indicações alternadas da Câmara e do Senado, que passam de dois para quatro, ampliando a influência externa no Ministério Público;

Membro indicado pelo Congresso passa a ser também o vice-presidente do CNMP;

CNMP ganha poder de rever atos privativos de membros da instituição;

Congelamento de prazos prescricionais de infrações até a decisão final sobre a conduta do procurador ou promotor;

Corregedor Nacional não precisará mais ser eleito entre os membros do Ministério Público e passará a ser indicado pelo Congresso;

CNMP deverá criar um Código Nacional de Ética e Disciplina para guiar a conduta de membros da instituição no prazo de 120 dias após a provação da reforma;

Conselhos Superiores dos Ministérios Públicos estaduais, que hoje são eleitos pela classe, passam a ser compostos por membros indicados diretamente pelo procurador-geral de Justiça do Estado.

Reações

Internamente, a proposta foi lida como uma resposta da classe política a investigações contra a corrupção. Membros do MP temem que as mudanças em discussão abram caminho para a manipulação de processos administrativos contra o trabalho de promotores e procuradores.

Ao longo das últimas semanas, houve diversas manifestações públicas da classe contra o texto. Uma frente de 38 subprocuradores-gerais da República lançou um manifesto em que classifica a PEC como um “golpe” na autonomia da instituição. A Frente Associativa da Magistratura e do Ministério Público (Frentas) disse que, se aprovada, a proposta servirá como “instrumento de cerceio da liberdade e da independência funcional”. O Conselho Nacional de Ouvidores do Ministério Público Brasileiro (CNOMP) apontou “enfraquecimento” da instituição e alertou para “consequências de proporções inimagináveis” para a democracia.

Em entrevista ao Estadão, o procurador-geral de Justiça de São Paulo, Mário Luiz Sarrubbo, classificou a proposta como “um tiro de morte” no MP. Ele afirmou que também está conversando com todos os deputados federais eleitos pelo Estado para tentar articular a rejeição da PEC.

O procurador-geral de Justiça do Rio, Luciano Mattos, também reagiu ao texto, que chamou de “grande retrocesso” para a instituição.

O ex-coordenador da extinta força-tarefa da Operação Lava Jato, Deltan Dallagnol, disse que a proposta “amarra o combate à corrupção” e vem tentando mobilizar seguidores nas redes sociais contra as mudanças.

Criador da campanha O que você tem a ver com a corrupção?, o promotor de Justiça Affonso Ghizzo Neto afirma que a PEC tenta “dar o controle do CNMP ao Congresso Nacional”. “Enfraquecendo o MP, sobretudo na independência funcional de seus membros, dificultando a missão constitucional de defesa da ordem jurídica, do regime democrático e dos interesses sociais e individuais indisponíveis, notadamente no que se refere ao combate à corrupção”, aponta.

Autoridade máxima do Ministério Público, o procurador-geral da República, Augusto Aras, confirmou que pediu ao presidente da Câmara dos Deputados, Arthur Lira (PP-AL), para adiar a análise do texto enquanto tenta ganhar tempo para rediscutir as mudanças.

Em paralelo, lideranças da classe organizaram manifestações em 18 capitais na semana passada.