PEDRO MUFFATO: empresário que, graças a um acidente na Fórmula Truck, virou agricultor em Mato Grosso

Logo que entra em seu avião, Pedro Muffato saca o celular e começa a fazer ligações. Ele está a caminho de sua fazenda situada no município de Sapezal, região localizada no médio norte de Mato Grosso. A expectativa durante o vôo, realizado em meados de dezembro, é de se fechar bons negócios. O produtor fala muito, gesticula, argumenta e não gosta nem um pouco do que ouve. A soja plantada a um custo de R$ 1.600 por hectare, o dobro do ano anterior, estava cotada a R$ 30 a saca, pouco mais de US$ 10 o bushel. Preço muito diferente dos US$ 16 dólares encontrados até setembro do ano passado. Insatisfeito por natureza, Muffato é o tipo de pessoa que só se contenta com o melhor. Filho de plantadores de batata, ele se tornou dono de uma das maiores redes varejistas do Paraná. Apressado, é corredor de Fórmula Truck e, assim como nos autódromos por onde corre Brasil afora com seus pesados caminhões, no campo do agronegócio ele só pensa em acelerar. Proprietário de 17 mil hectares em Mato Grosso, o produtor é a imagem da imensa maioria dos sojicultores de sua região que terão de apertar margens para atravessar um momento complicado nestes primeiros meses do ano para, depois, colher os frutos dos bons tempos que se anunciam. “Quem atravessar este momento difícil, tem tudo para se dar bem”, analisa.

De momentos difíceis ele entende. Afora a vida empresarial e a constante concorrência de outras grandes redes de supermercado, em 1996 ele sofreu um acidente durante uma corrida: quebrou todas as costelas e explodiu um pulmão. E foi nessa época, afastado das pistas de corrida, que o empresário se interessou pelo agronegócio.

De lá para cá, começou a investir e não parou mais. Comprou terras, fazendas e passou a criar gado. Hoje é dono também de 4,5 mil cabeças confinadas e, apesar das dificuldades enfrentadas neste começo de ano, ele só pensa em uma coisa: acelerar. “Teremos boas perspectivas para o campo nos próximos meses, é só esperar.” Duvida?

SÉRGIO BUENO: produtor no Tocantins vai vender a safra só no segundo semestre

“O mundo vai continuar comendo e não há como refrear o consumo de forma tão intensa”, avalia o consultor José Vicente Ferraz, da AgraFNP. Segundo ele, os estoques de alimentos no mundo continuam baixos e, por causa da crise financeira e da repentina queda nas commodities, menos soja e milho serão colhidos. A safra americana, segundo ele, será uma incógnita até meados do segundo semestre. Mas, para a brasileira, a perspectiva é de uma retração de pelo menos 4% ante 2007/2008. O motivo é simples: menos adubo foi lançado nas lavouras, em razão do medo do endividamento e a produtividade, provavelmente, será menor. O clima em algumas regiões, como no Rio Grande do Sul, Santa Catarina e Minas Gerais não está colaborando, diferentemente do que aconteceu no ano passado. “O que acontece é que o somatório de notícias ruins neste momento se transformará em céu de brigadeiro em 2009”, avalia o produtor Sérgio Bueno, do Tocantins. Dono de 40 mil hectares na Chapada das Mangabeiras, ele produz em pouco mais de quatro mil hectares e traz na ponta do lápis os custos de sua fazenda. Com uma infra- estrutura bem montada, sua estratégia está lançada: “Vou colher e guardar tudo para vender no segundo semestre e tenho certeza que vou ganhar muito dinheiro”, diz. Ex-corretor do mercado financeiro, sua família é dona de uma empresa que administra fundos de investimento, ambiente em que trabalhou até decidir seguir a vida no campo. Para se ter uma idéia do otimismo de Bueno, ele está pensando em seguir o exemplo do corredor Pedro Muffato e acelerar nos investimentos. “Há dois anos vendi umas terras em Mato Grosso do Sul e ainda não tinha feito nada com o dinheiro, mas agora pretendo comprar mais terras”, analisa. “Fazendas são como ações, deve-se comprar na baixa”, diz o produtor, usando seu lado de financista.

OTAVIANO PIVETTA: megaprodutor acredita em tempos melhores num futuro próximo

ANDERSON GALVÃO: consultor não acredita em um cenário caótico para 2009

Apesar de parecer “maluquice” falar em investir num momento de margens extremamente apertadas, muitos analistas dizem que essa é a hora de acelerar. Um deles é Anderson Galvão, diretor da Céleres. “Não consigo enxergar uma situação de caos em 2009”, avalia. Na opinião do especialista, os custos de produção despencaram nos últimos quatro meses e o cenário é muito mais positivo do que no mesmo período do ano passado. “Caminhamos para um cenário de margens positivas, não absurdas, mas positivas. Quem está endividado, talvez até saia do mercado, mas quem está bem, vai ficar melhor”, prevê. No próprio caso de Sérgio Bueno, produtor do Tocantins, a prática confirma a teoria. “Cinco meses atrás, quase comprei adubo nitrogenado a mil reais a tonelada”, relembra. “Acabei comprando por R$ 600 e hoje a mesma tonelada está custando R$ 200”, comenta.

Dados do Banco do Brasil, por incrível que pareça, mostram que a inadimplência também está em queda, ao menos pelas linhas oficiais. Isso, de acordo com a instituição, é resultado das recentes renegociações que equalizaram mais de R$ 70 bilhões em pagamentos atrasados. “Mas ainda há muitas dívidas com as tradings, que concederam muitos créditos”, explica Ferraz, da AgraFNP. Este ano, diferente dos anteriores, essas empresas não jogaram dinheiro na praça e muita gente não comprou insumos, o que segundo ele, reforça a tese de menos produtividade.

Quem está animado com o próximo ano é o megaprodutor Otaviano Pivetta. Novo rei da soja, o dono da Vanguarda do Brasil planta cerca de 300 mil hectares divididos entre as regiões de Lucas do Rio Verde, em Mato Grosso, e Luiz Eduardo Magalhães, na Bahia. “As margens estão muito apertadas agora, o que vai exigir uma gestão muito precisa por parte dos produtores, alguns terão margens negativas neste começo de ano, mas quem conseguir esperar, pode ter grandes resultados”, analisa. Sobre a crise, Pivetta tem uma perspectiva otimista. “Ao final desse processo, o mundo continuará no seu lugar, por mais que algumas pessoas digam que ele vai acabar”, brinca. “Quando essa tempestade passar, com certeza a agricultura continuará sendo um grande negócio”, avalia. Será, segundo ele, muito em breve.

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Assim como num passado recente, as cotações em torno de US$ 16 por bushel, na bolsa de Chicago, eram consideradas artificiais, os preços em torno de US$ 9 e US$ 10, praticados até o fechamento desta edição, também são considerados demasiadamente depreciados. “Num cenário como o atual, com certeza o ponto de equilíbrio dos preços deve estar em algum ponto entre o que tínhamos na época em que os fundos de investimento forçavam as altas das commodities e agora, em que muitos fundamentos não são levados em conta”, explica Pivetta. Mas falando na prática: “Com os custos de produção que temos agora e um dólar na casa de R$ 2,30, a agricultura se torna um ótimo negócio, mesmo sem precisar de preços mais valorizados”, avalia. Mas, para isso, muitos produtores terão de atravessar, neste momento, uma forte arrebentação. Fazer previsões sobre o dólar também é uma ingrata missão, segundo todos os especialistas e produtores consultados por DINHEIRO RURAL. Nenhum deles acredita, porém, numa cotação abaixo de R$ 2,20 para este ano. Este valor, inclusive, pode se tornar um novo ponto de equilíbrio, principalmente se os preços dos insumos continuarem caindo ao longo do primeiros semestre.

PRODUTORES QUE NÃO ESTEJAM CAPITALIZADOS PODEM SAIR DA ATIVIDADE

Quem acredita num cenário positivo, apesar de alguns revezes sofridos com o preço do algodão no último ano, é o produtor Walter Horita. Dono de uma das maiores produções no Brasil, com 30 mil hectares plantados, ele não acredita nem recomenda a diminuição de produtividade como fórmula para escapar dos problemas e ganhar dinheiro no próximo ano. “Aqui sempre mantemos o uso de tecnologia de acordo com a recomendação técnica em busca das melhores produtividades”, diz. Segundo ele, o dólar mais alto sem dúvida ajudará a recuperar parte das perdas. “É um cenário que não pode durar muito tempo. Agricultura é assim mesmo e tenho certeza que este ano será muito mais positivo”, pondera.

Em meio a este cenário de incertezas, especialistas em mercados são unânimes em garantir que se dará melhor aquele produtor que conseguir maior liquidez em suas operações. Nesse quesito, a proteção, em todos os aspectos possíveis, se torna uma arma poderosa na luta diária contra os devaneios do mercado financeiro. Esta é a opinião do presidente do Grupo SLC, Arlindo Moura. Com capital aberto na Bolsa de Valores, a empresa tem tomado um cuidado especial para não perder dinheiro em suas operações. “Fazemos seguro de nossas operações, para diminuir ao máximo o risco de perdas acentuadas”, avalia. O grande “perigo” nesse caso, é deixar de aproveitar os benefícios de uma improvável alta bem no meio da safra. “Mas, mesmo assim, nossos custos estão garantidos, acreditamos que este não é um bom momento para assumir riscos”, pondera. Segundo o executivo, porém, as perspectivas são boas ainda para este ano. “No segundo semestre, as operações serão muito melhores e os preços muito mais atraentes”, prevê.

Considerando que a palavra de ordem no momento é liquidez, está mais protegido aquele produtor com mais capacidade de fazer caixa. Nesse ponto, ter uns “boizinhos” no pasto, pode fazer toda a diferença. Se lembra do confinamento de Pedro Muffato, corredor que planta soja em Mato Grosso? “Ainda existe uma grande busca por animais para abate, portanto, quem tiver boi gordo, consegue vender”, explica a consultora Gabriela Tonini, da Scot Consultoria.

No caso de Muffato, ele conta que deixou de aproveitar o melhor momento. “Perdi quase R$ 10 por arroba”, lamenta. Para quem possui 4.500 cabeças, isso significa nada menos do que R$ 850 mil a menos. “É uma pena, mas tenho certeza que esses preços vão se recuperar”, avalia. Segundo ele, seu rebanho só não é maior pela dificuldade de encontrar bois magros no mercado. Segundo Gabriela, ter animais em ponto de abate é certeza de dinheiro no bolso. “Não temos ainda uma previsão de quando haverá uma oferta mais confortável de bois, mas até 2010 isso não deve acontecer. Sorte de Muffato, que poderá, em breve, acelerar nos lucros dos campos e dos pastos brasileiros. E com melhores resultados.

Colaboraram Lívia Andrade e Eduardo Savanachi

Roberto Rodrigues, ex-ministro da Agricultura, agora à frente do Centro de Agronegócio da FGV, fala sobre as perspectivas para este ano.

LÍVIA ANDRADE

DINHEIRO RURAL – Como vê o cenário do agronegócio neste ano?

ROBERTO RODRIGUES – Temos três cenários. Um em que não há mudança de preço, o que significa uma safra razoável para boa parte dos produtores. Outra hipótese é a dos preços caírem em dólar e o dólar não cair, que é um pouco pior para todo mundo, mas não morre muita gente. A terceira hipótese é cair o preço, e cair o dólar, o que seria uma tragédia.

RURAL – Mas o sr. acredita que o dólar vai cair?

RODRIGUES – Acho muito pouco provável que os preços caiam mais do que já caíram desde que os especuladores foram embora. Não haveria razão para isso, porque a demanda continua aquecida nos países emergentes.

RURAL – Isto significa que pode ser um ano bom para os agricultores?

RODRIGUES – A valorização do dólar acaba permitindo que boa parte dos produtores brasileiros saia da inadimplência. Mas em áreas de fronteira agrícola, como Mato Grosso, Maranhão e Tocantins, ainda haverá problemas, mesmo que os preços não caiam.

RURAL – É possível aproveitar a crise para crescer?

RODRIGUES – Sim, mas é preciso estabelecer regras em caso de cenários negativos.

RURAL – Quais seriam essas regras?

RODRIGUES – A principal é o preço mínimo vigorar. Ele é uma lei que perdeu a validade por um tempo, porque o Brasil optou pela economia de mercado. Só que nesse momento acabou esse mercado. Precisamos usar esta arma. Nós não temos subsídio, então precisamos fazer um recálculo imediato e realista e colocar recursos no orçamento para que o governo possa executar o preço mínimo numa hipótese de acontecer um desastre.

RURAL – O que mudaria com o preço mínimo?

RODRIGUES – Se o preço mínimo vier neste começo de ano, duas questões negativas desaparecerão. A primeira é a aventura da safra, porque o produtor terá um preço de garantia. E mais do que isso, os bancos teriam uma condição de segurança. Hoje ninguém sabe quanto vai valer a safra daqui quatro meses, então ninguém quer emprestar. Mas o preço mínimo baliza para o banco uma condição diferente. Se isto acontecer, nós transformaremos o risco em uma grande oportunidade, porque não haveria descapitalização do setor. Poderíamos plantar uma boa safra em 2009 e, em 2010, quando a crise for superada, não haverá país com safra grande para atender o mundo demandante e nós poderíamos ocupar mercados desabastecidos, transformando a crise em uma enorme oportunidade definitiva.