Após disputar três eleições presidenciais, a ex-senadora e ex-ministra do Meio Ambiente Marina Silva (Rede) mudou o foco de sua atenção para 2022. Em vez de preparar uma quarta candidatura, diz, em entrevista ao Estadão, que está empenhada em colaborar para a construção de uma candidatura de terceira via, que seja uma alternativa aos nomes do presidente Jair Bolsonaro e do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT). Para ela, “é um erro histórico” voltar a insistir na priorização para a disputa antes de se definir “o que queremos para o Brasil”. “Infelizmente, após tantos anos no poder de PT e PSDB, a semente que brotou foi o Bolsonaro.”

Como a sra. pretende se posicionar na disputa de 2022?

Estou empenhada em ajudar a construir e viabilizar um projeto que coloque em primeiro lugar o que nós queremos para o Brasil, em lugar da priorização do nome de pessoas. Porque esse é um erro histórico que vem sendo cometido. Infelizmente, após tantos anos no poder de PT e PSDB, a semente que brotou foi o Bolsonaro. São mais de 14 milhões de desempregados. Mais de 19 milhões passando fome no nosso País. Então, esse é o momento de fazer o debate, de reconectar as pessoas com as possibilidades para o País.

No Brasil, há o costume de se lançar os candidatos e depois se constrói o projeto que embasa a candidatura…

Nesse momento, o que é necessário, no meu entendimento, é debater como fortalecer a aderência no sentido social político brasileiro à defesa das instituições e da democracia. Depois, fazer com que o País possa sair dessa grave crise econômica, onde a pandemia faz com que mais riquezas sejam concentradas nas mãos daqueles que já têm.

Como é possível fazer isso?

Precisamos enfrentar a necessidade de mudar o modelo de desenvolvimento para que o Brasil não continue sendo um pária ambiental. E possa, a partir dos seus grandes ativos, ter isso como a base dos novos investimentos que o mundo quer fazer e precisa fazer.

Até quando esse processo de reflexão deve ser feito antes da definição de um candidato?

Eu acho que esse projeto já deveria estar posto há muito tempo. Infelizmente, os atores que têm a capacidade de fazer isso preferem, digamos assim, a velha estratégia da polarização. Uma alternativa à polarização precisa ocupar esse lugar de reconexão com a sociedade pela sua proposta, e não, simplesmente, em função do esgarçamento político ainda maior do que aquele que tem sido feito ao longo desses anos e, principalmente, a partir de 2014, quando ele começou a ser aprofundado com essa estratégia da política com base na desconstrução, da qual Bolsonaro é hors concours. Uma coisa importante, no momento de crise, é saber que não pode resolver a questão do presidente da República de forma exclusivista, porque é muito mais fácil uma alternativa com base no diálogo de diferentes forças políticas, da esquerda, do centro-esquerda, do centro democrático. O problema no Brasil é que a gente fala do centro, mas não existe um centro ideologicamente posicionado. São conservadores e reacionários que quando lhes é oportuno e conveniente se dizem de centro.

A construção dessa terceira via não terá de passar pelos políticos de centro e pelo Centrão?

Muitos analistas reconhecem que a ideia da terceira via teve mais força em 2010 e 2014. Hoje, esse lugar é ocupado por aqueles que ficam numa política pendular para ver quem é o poder para estar junto ou a expectativa de poder para migrar. Isso é um problema.

Como sair desse problema?

Isso está se repetindo agora numa reforma política de conveniência, que está sendo feita para ver o que é melhor para os partidos hegemônicos. É um debate colocado de forma errada, tratando do que fortalece e enfraquece os partidos. Não é isso. É o que fortalece a democracia. E essas mudanças que estão sendo propostas são feitas de conveniência e com o olho gordo do Centrão, que quer mandar em todo e qualquer governo. Eles atuam para serem os operadores de qualquer um que seja vitorioso. Por isso, defendo um debate que trabalhe a ideia de uma política de longo prazo em vez de querer alongar o seu prazo na política.

Como vê o governo Bolsonaro?

É um governo que não governa para construir. Só governa para destruir. Dá a impressão é de um governo que não quer trabalhar. Só quer ficar contra a Educação e tudo que é decente e civilizatório nesse País.

A sra. deixou claro que não apoiará Bolsonaro e nenhuma hipótese. Poderá apoiar Lula, caso essa seja a alternativa contra a reeleição do presidente?

Eu trabalho para que a gente possa construir uma alternativa à polarização. Mas com a clareza de que a democracia é um balizador fundamental para esse debate. É claro que, nesse momento, nessa situação que o Brasil está vivendo, Bolsonaro é o vetor de todas essas mazelas. Mas quando você também estreita os caminhos em torno de escolher o que já está posto, não é escolha. A escolha pressupõe um terceiro. Quando esse terceiro ainda não existe, a gente tem de trabalhar para construir.

As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.