Uma fazenda de soja, outra de legumes e verduras orgânicos e uma terceira de produção leiteira. Três propriedades rurais, instaladas no Brasil, parte de um mesmo sistema agropecuário, mas com realidades orçamentárias totalmente diferentes uma das outras. Em comum, duas certezas. A primeira é que o agronegócio brasileiro está em sua melhor fase e caminha a passos largos para ser o maior provedor de alimentos de qualidade para o planeta. A segunda: o Brasil poderia ser mais competitivo se os custos fossem otimizados. A questão é unânime, mas não é trivial já que alguns dos problemas são estruturais e outros dependem de aspectos macroeconômicos, como a variação cambial. Do lado de dentro da porteira, entre os custos mensuráveis o topo da lista é ocupado pelos insumos (fertilizantes, sementes e defensivos) na plantação de soja; mão de obra na fazenda de orgânicos; e, nutrição animal na pecuária leiteira. Da porteira para dentro, a logística e a burocracia brasileira tiram o sono do produtor sem que ele tenha nenhum controle sobre. Há ainda, um terceiro grupo com itens que raramente são contabilizados. São eles o custo com o erro e aqueles com ações para que a propriedade atue dentro dos cada vez mais rigorosos padrões de conformidades socioambientais. “Muitos produtores ainda têm uma visão muito parcial dos seus gastos. Ele acompanha as grandes quantias, mas não tem visibilidade do todo porque acha que é perda de tempo acompanhar contas de menos de R$ 3 mil, por exemplo. Esse vazamento de dinheiro acaba com a rentabilidade do negócio”, afirmou Jonas Gibbon, CEO da Scadiagro.

A carapuça levantada por Gibbon não serve para Fábio Spechoto, proprietário do Sítio Pouso Alegre, em Minas Gerais. Há oito anos dedicado à produção leiteira, ele administra a gestão de custos na ponta da caneta. “Se o produtor não sabe onde está gastando seus recursos, como é que pode administrar seu negócio?”, disse o pecuarista que computa manualmente todo e qualquer gasto em planilhas no excel. Com plantel de 145 animais, Spechoto produz cerca de 1,6 mil litros de leite ao dia, ao custo de R$ 1,48 por litro. A linha mais pesada no orçamento é a da nutrição animal que representa 35% da despesa total. Mão de obra consome outra fatia considerável com cerca de 18,5%, fora os encargos sociais que levam outros 4,6%. Energia elétrica e manutenção correspondem a 5% e 7%, respectivamente. Ao falar linha por linha, Spechoto deixa transparecer uma certa angústia ao citar o 1,3% pago ao FunRural sobre cada nota emitida. “O valor é considerável. Sem controle dos custos, o produtor de leite nacional acaba pagando para trabalhar”, afirmou.

“O dinheiro do produtor vai pelo ralo quando o assunto é logística brasileira, que chega a ser US$ 60 por tonelada mais cara do que quando comparada ao valor do frete nos Estados Unidos” Sérgio Mendes, da Associação Nacional dos Exportadores de Cereais (Crédito:Divulgação)

Problema semelhante com taxas é sentido no Sítio A Boa Terra, de produção de orgânicos. Ainda que o grande peso seja com o pagamento de mão de obra que consome 50% das despesas gerais, os custos financeiros são os que mais incomodam. “Hoje pagamos a mesma taxa de financiamento do que grandes empresas, quando não pagamos ainda mais caro”, disse Júlio César Benedito, gerente geral da propriedade, que citou como exemplo uma ocasião em que os juros para comprar máquinas agrícolas estava em 6,5% para proprietários do mesmo perfil do sítio, enquanto grandes empresas estavam pagando entre 3,5% e 4%. Vale acrescentar que toda operação de crédito ainda carrega em si vários outros componentes. “Ao fazer um financiamento, o produtor arcará com uma série de despesas menores com documentos, taxas de cartório, banco e que raramente são computados”, disse Gibbon. É o tal do custo Brasil que imputa ao empreendedor do campo, gastos excessivos com burocracia e com o transporte. “O dinheiro do produtor vai pelo ralo quando o assunto é logística brasileira, que chega a ser US$ 60 por tonelada mais cara do que quando comparada ao valor do frete nos Estados Unidos”, disse Sérgio Mendes, diretor-geral da Associação Nacional dos Exportadores de Cereais (Anec). Quanto ao crédito, o excesso de papelada muitas vezes provoca o descasamento entre o momento da necessidade do dinheiro pelo produtor e da sua liberação pelas instituições financeiras. Com o atraso entre oferta e demanda, o agricultor pode perder a janela de compras de insumo na hora certa, arcando com juros indesejados atrelados ao parcelamento da compra.

TRANSPORTE Rafael Grando, sócio da Fazenda Gabriela, produtora de soja e milho no Mato Grosso conhece bem os custos de se plantar grãos no Brasil. Com 9,6 mil hectares de soja e 8,5 mil de milho – quase todo volume voltado para exportação –, o proprietário sofre ao contratar o transporte tanto para trazer insumos como para escoar as mercadorias. “Com a logística precária, o produtor mato-grossense de milho chegou a pagar mais caro pelo frete do que ganhava com a venda da mercadoria”, afirmou Daniel Latorraca, superintendente do Instituto Mato-grossense de Economia Agropecuária (Imea). De acordo com a entidade, R$ 17, de cada saca do grão que custa em média R$ 40, são gastos com transporte. Mas, são os insumos, precificados em dólar, que mais ofendem o orçamento. “No último ano, os custos de defensivos, sementes e fertilizantes que consomem 40% do orçamento subiram por volta de 40% devido à desvalorização do real”, afirmou Grando, da Fazenda Gabriela. Para o presidente da Anec, é imprescindível que a gestão cambial seja controlada com rigor. “Com a instabilidade do real e com o preço dos insumos em dólar, criar uma boa estrutura para gerenciar o câmbio é investimento e não gasto”, disse Mendes. Segundo o Imea, o custo de produção da soja mato-grossense na safra 2019/2020 ficou em R$ 3,9 mil por hectare,
R$ 66 por saca, o maior da história. Em 2019, foi de R$ 61 a saca.

“Hoje a taxa de financiamento que pagamos é a mesma cobrada das grandes empresas, quando não é ainda maior”. Júlio César Benedito, do Sítio A Boa Terra (Crédito:Divulgação)

RECURSOS Na medida em que o agronegócio se fortalece e apresenta bons resultados, como neste ano em que o Valor Bruto de Produção Agropecuária deve bater o recorde histórico com R$ 806,6 bilhões, o cenário macro tende a melhorar reduzindo a pressão sobre o produtor. “Além dos esforços do governo em melhorar as vias de escoamento da produção com investimento em rodovias e ferrovias, aumentou também o interesse de agentes financeiros que devem irrigar o setor com crédito a taxas mais atrativas e produtos melhores”, afirmou Latorraca. A emissão de títulos verdes e o lançamento do Sustainable Agriculture Finance Facility (Financiamento Facilitado para Agricultura Sustentável), fundo internacional recém-chegado ao País com US$ 68 milhões para financiar fazendas sustentáveis, são algumas dessas novas alternativas que podem trazer mais fôlego para o campo. Além da maior oferta de crédito, essas fontes de recurso atendem uma demanda que até há pouco nem existia para alguns produtores: o custo de ser sustentável. Mensurá-lo é quase impossível, pois para estar em conformidade é preciso adaptar todo processo produtivo e mensurar resultados para, então, buscar certificações. As melhorias aumentam a produtividade e não podem ser isoladas como um gasto para o fim específico. O grande problema será para quem não se enquadrar, esse sim terá que arcar com o custo de perder ou até ser excluído do mercado.

Decisões erradas como a de não investir em boas práticas ambientais compõem o custo mais penoso dentro de uma propriedade na opinião de Ivana Manke Schaun, diretora de operações Farmbox, empresa de gestão especializada em agronegócio. “Toda decisão errada compromete o planejamento financeiro da empresa. É difícil calcular o custo do erro, mas evitá-lo significa economia de muito dinheiro”, disse. Para garantir a rentabilidade crescente e evitar desperdício desnecessário de recursos, não há outro caminho para o produtor a não ser se dividir entre o campo e uma dedicação cada vez mais apurada à gestão dos negócios.