Ao autorizar a quebra dos sigilos bancário e fiscal do vereador carioca Carlos Bolsonaro (Republicanos) e outras 26 pessoas, a Justiça do Rio atingiu Ana Cristina Siqueira Valle, segunda ex-mulher do presidente Jair Bolsonaro, e ex-assessores ligados a Fabrício Queiroz. Alguns deles já haviam passado por medidas cautelares na investigação contra o senador Flávio Bolsonaro (Patriota-RJ), irmão de Carlos.

Ana Cristina Siqueira Valle é mãe do quarto filho do presidente, Jair Renan, e trabalhou no gabinete de Carlos. Diversos familiares seus foram nomeados tanto para o mesmo escritório quanto para outros da família. Sua irmã, Andrea Valle, está na lista dos ex-assessores que terão contas analisadas. Em julho, ela ficou conhecida após uma reportagem do portal UOL revelar áudios em que a ex-cunhada de Bolsonaro assumia que existiam desvios de salários também no antigo gabinete do hoje presidente na Câmara dos Deputados.

Família de ex-mulher de Bolsonaro apareceu em vários momentos na apuração contra Flávio

A família de Ana Cristina, cuja relação com Bolsonaro envolveu transações imobiliárias que chamaram a atenção do Ministério Público, apareceu em vários momentos da investigação contra Flávio. Ficou fora da primeira denúncia do caso, mas ainda há desdobramentos das apurações em poder do Ministério Público do Rio.

Já as pessoas ligadas a Queiroz, que chegou a ser preso por tentar fugir das investigações, são Claudionor Gerbatim de Lima e Márcio da Silva Gerbatim. Eles são, respectivamente, sobrinho da atual mulher de Fabrício Queiroz e ex-marido dela. Ambos tiveram o sigilo quebrado nas apurações envolvendo Flávio, em abril de 2019. Em junho daquele ano, o Estadão revelou que os dois nunca tiveram emitidos crachás funcionais na Câmara Municipal enquanto estiveram nomeados por Carlos. Isso reforça a tese de que seriam “fantasmas”.

Empregado como motorista pelo vereador entre abril de 2008 e abril de 2010, Márcio foi nomeado logo depois como assessor-adjunto no gabinete de Flávio na Assembleia Legislativa, onde ficou até maio de 2011. No mesmo dia, Claudionor ganhou a vaga no gabinete de Carlos na Câmara Municipal. A família Bolsonaro sempre manteve o hábito de trocar assessores entre seus gabinetes parlamentares.

Revelações como essas por parte da imprensa motivaram a abertura da investigação contra Carlos, ainda em meados de 2019. Àquela altura, Flávio já passara por quebras de sigilo. A revista Época apontou indícios de supostas irregularidades envolvendo os parentes de Ana Cristina Valle, principal gatilho para o início das apurações do MP.

Em setembro do ano passado, o Estadão revelou um aspecto até então pouco explorado sobre Carlos: seus negócios imobiliários. Em 2003, aos 20 anos, o então novato na Câmara carioca pagou R$ 150 mil em dinheiro por um imóvel na Tijuca, zona norte do Rio. A transação é citada no pedido de quebra de sigilo.

Também naquele mês, o jornal mostrou que outro imóvel adquirido por ele – em Copacabana, na zona sul – foi comprado por preço 70% abaixo do estipulado pela prefeitura para cálculo de imposto. Tanto o pagamento em espécie quanto a compra por valores inferiores ao “oficial” são práticas que costumam levantar indícios de uma possível lavagem de dinheiro.

Apurações contra Carlos e Flávio têm rumos semelhantes

O procedimento contra Carlos segue caminhos parecidos com o de Flávio, apesar de terem origens diferentes. As apurações que envolvem o senador começaram com um relatório de inteligência financeira (RIF) do Conselho de Controle de Atividades Financeiras (Coaf). As investigações que miram o vereador se basearam em reportagens e em dados observados na própria investigação do irmão – já que havia ali funcionários em comum.

Flávio foi denunciado em ação criminal por peculato, lavagem de dinheiro, apropriação indébita e organização criminosa por causa das “rachadinhas” – desvio de salário de assessores – na Assembleia Legislativa fluminense. A mesma suspeita que recai sobre o vereador. Queiroz seria o operador de Flávio no esquema. Ambos negam.

Após reunir elementos que ajudassem a embasar a tese de que poderia haver peculato – desvio de dinheiro público por servidor – por meio da nomeação de “fantasmas” no gabinete de Carlos, o MP formalizou o pedido de quebra de sigilo. No caso de Flávio, isso ocorreu em abril de 2019, mas essa autorização judicial está colocada em xeque. O Superior Tribunal de Justiça (STJ) a considerou mal fundamentada juridicamente e anulou seus efeitos. A denúncia virou objeto de disputa na Justiça.

Agora, os investigadores do caso Carlos poderão analisar com mais detalhes se há indícios de que o dinheiro pago pela Câmara ia de forma ilícita para o vereador. Quando esmiuçaram os dados de ex-assessores de Flávio, os promotores conseguiram montar tabelas que indicavam o porcentual dos salários que era destinado ao operador Queiroz ou sacado em caixas eletrônicos, por exemplo. A família de Ana Cristina Valle, agora novamente em evidência, tinha como principal prática o saque do dinheiro. Várias vezes, mais de 90% dos rendimentos não permaneciam no sistema bancário que não é comum na era das transações eletrônicas.

Nesta quarta, Carlos Bolsonaro reagiu à quebra de seus sigilos fiscal e bancário pela Justiça. “Na falta de fatos novos, requentam os velhos que obviamente não chegaram a lugar nenhum e trocam a embalagem para empurrar adiante a narrativa”, escreveu. “Aos perdedores, frustrados por não ser o que sempre foram, restou apenas manipular e mentir. É o que mais acusam e o que mais fazem!”