CONSCIÊNCA E PRESERVAÇÃO: Gina Cardinot, do Ipam, está otimista com a colaboração de agricultores

No município de Querência, noroeste de Mato Grosso, área de transição do cerrado para a floresta amazônica, um grupo de ecologistas e ambientalistas há quatro anos vem ateando fogo na selva fechada. A história que até pode parecer um “causo” mal contado é, na verdade, uma pesquisa científica que visa identificar os efeitos da queimada sobre o bioma florestal. A iniciativa é uma parceria do Instituto de Pesquisa da Amazônia (Ipam) e do grupo Maggi, um dos maiores produtores de soja do País e que no passado manteve relações difícieis com setores ligados ao meio ambiente. Mas essa história parece estar mudando.

Numa área de 300 hectares, separados em lotes de 50, há em curso uma pesquisa para avaliar os efeitos do fogo em diferentes espaços de tempo, com intervalos de um a quatro anos entre as queimadas. Com os resultados que começam a ser colhidos, será possível montar modelos matemáticos que permitirão prever com maior precisão possíveis danos e planos de recuperação para áreas afetadas. Os pesquisadores estão animados e acreditam que os dados já oferecem algumas conclusões. “O fogo faz parte da natureza e a floresta está adaptada a resistir a queimadas eventuais”, diz a pesquisadora Gina Cardinot, do Ipam. “O problema é quando esse fogo acontece com maior freqüência”, ressalva.

Os estudos até agora mostraram que, após a primeira queimada, há uma mortalidade pequena da fauna, que consegue se restabelecer com certa facilidade. Apenas plantas com raízes superficiais sofrem danos relevantes. “Com cinco centímetros de profundidade, o solo se mostra preservado”, avalia Gina. Isso, porém, não quer dizer que as queimadas sejam sempre bem-vindas. Após o primeiro incêndio, o solo fica mais propício à entrada de capins que na época de seca se tornam combustíveis eficientes para o fogo. “Não há o que discutir; fogo em excesso causa prejuízos irreversíveis para o meio ambiente”, sentencia.

A pesquisadora avalia, no entanto, que esse experimento, que conta com o apoio de um grande grupo agrícola, demonstra apenas uma tendência em curso: a da cooperação. “Acredito que o agricultor moderno tenha plena consciência do papel dele diante da conservação da natureza”, relata. Essa afirmação, segundo ela, é possível ser feita não só pelo interesse do Grupo Maggi em incentivar pesquisas de preservação mas também por acordos firmados por algumas lideranças. Esse é o caso da Aprosoja, associação que congrega os grandes produtores de Mato Grosso. Segundo o diretor executivo da entidade, Marcelo Duarte, um pacto ambiental foi assinado entre a Secretaria Estadual de Meio Ambiente e produtores. “Como testemunha chamamos o Ipam e ONGs ambientalistas”, diz. Mas, para Duarte, muita coisa deixa de ser feita por falta de segurança na legislação vigente. “O Código Florestal é ambíguo em alguns casos e há um projeto de lei em curso que pode alterar as regras, o que desestimula a tomada de decisões”, declara. Segundo o diretor para Articulações da Amazônia, André Lima, do Ministério do Meio Ambiente (MMA), o projeto de lei que pode ser votado ainda neste mês de outubro possui uma série de problemas. “É preciso desenvolver instrumentos econômicos que permitam trabalhar a floresta presevada”, diz. O que ele quer dizer com isso na prática? “Quem deixar a floresta em pé precisa receber algo por isso”, define. Mas, enquanto isso não acontece, ao menos há algumas melhorias. “É consenso entre o MMA e as principais lideranças do setor agropecuário que a lei deve ser rígida em relação àqueles que abrirem novas áreas de floresta”, afirma.