Iro Schünke, presidente do Sinditabaco, fala sobre os desafios do setor, a queda de consumo e a guerra contra a indústria

OBrasil é o maior exportador global de tabaco e o segundo maior produtor, atrás apenas da China. No entanto, a posição de destaque está longe de garantir tranquilidade ao setor. Além de lidar com a opinião pública, que condena o consumo de cigarros, atualmente de 6,5 trilhões de unidades anuais no mundo, produtores e indústria têm como desafio serem ouvidos pelos signatários da Convenção-Quadro para o Controle do Tabaco (CQCT), tratado que entrou em vigor no ano de 2005 para reduzir o consumo do produto. A pouco mais de um mês de mais uma reunião dos países membros, da qual devem participar 192 nações, o setor produtivo nacional ainda não sabe qual será a posição do governo brasileiro no encontro. “A cadeia produtiva do tabaco, atingida pelas medidas determinadas na Convenção-Quadro, não participa de suas decisões”, diz Iro Schünke, presidente do Sindicato Interestadual da Indústria do Tabaco (Sinditabaco). “Isso não é justo.” Há dez anos, Schünke está à frente da entidade que representa 15 empresas gaúchas que industrializam a produção do Rio Grande do Sul, Santa Catarina e Paraná. No ano passado, o País exportou 517 mil toneladas de tabaco, por US$ 2,2 bilhões.

DINHEIRO RURAL – O que a cadeia do tabaco está fazendo para se posicionar em relação às críticas da sociedade ao consumo de cigarro e à produção da matéria-prima?
IRO SCHÜNKE –
O que temos feito é mostrar a importância social e econômica da cadeia produtiva do tabaco. São 154 mil produtores, 615 mil pessoas envolvidas e R$ 5 bilhões em receita para o agricultor, que tem no tabaco a sua principal fonte de renda. Nosso desafio é buscar um equilíbrio entre as questões de saúde e as do produtor que depende dessa atividade. Hoje, a balança pende muito para o lado da saúde. Por exemplo, o Brasil tem adotado muito antes de outros países as medidas propostas pelos membros da Convenção-Quadro para o Controle do Tabaco (CQCT), tratado assinado por 192 países. Mesmo que, produtores importantes, como o Zimbábue e os Estados Unidos, por exemplo, sequer tenham ratificado a convenção em vigor desde 2005.

RURAL – Qual é a expectativa do setor para a 7ª Conferência das Partes (COP7) da Convenção-Quadro, que acontece em novembro, na Índia?
SCHÜNKE –
Ainda não sabemos qual será a posição do governo brasileiro no evento e isso nos preocupa. A cadeia produtiva do tabaco, atingida pelas medidas determinadas na Convenção-Quadro, não está nem perto de suas decisões. A convenção é antidemocrática. No Brasil, a Comissão Nacional para Implementação da Convenção-Quadro para o Controle do Tabaco (Conicq) não permite o nosso acesso às reuniões, nem à conferência das partes. Formada por 15 ministérios e coordenada pelo Ministério da Saúde, ela discute as demandas da Comissão-Quadro e toma posições a partir delas. Em outros países até existe contato, mas não no Brasil.

RURAL – Do ponto de vista de sustentação da cadeia, o que tem mantido ela de pé?
SCHÜNKE –
O ministro Maggi disse algo interessante quando nos reunimos. Ele lembrou que a sociedade urbana, que adora os impostos pagos pela indústria do tabaco, é a mesma que condena o cigarro. É uma contradição. A cadeia contribui com US$ 12,8 bilhões anuais em tributos. E poderia ser muito mais se o setor não perdesse R$ 6 bilhões anuais por causa do contrabando de cigarros, principalmente de produtos de péssima qualidade vindos do Paraguai.


Lucros: a área média das propriedades que trabalham com fumo é de 15 hectares. O tabaco ocupa 17% e, na última safra, respondeu por 51,4% da renda do produtor

RURAL – O senhor diz que a indústria de tabaco gera receita de US$ 12 bilhões. Mas o SUS gasta R$ 23 bilhões por ano em decorrência de doenças causadas pelo cigarro…
SCHÜNKE –
É preciso ter equilíbrio ao contrapor saúde e força econômica. Se o Brasil deixar de produzir tabaco, os seus concorrentes o farão, como EUA ou os africanos Zimbábue, Malaui, Moçambique e Tanzânia. A lógica do consumo versus demanda não deixará de existir. Quem fuma não deixará de fumar porque o tabaco não é produzido no Brasil. O que se conseguirá nesse caso não será um benefício à saúde dos brasileiros, mas um prejuízo social imensurável, com a transferência da produção, da renda e dos empregos que o tabaco gera para milhares de pessoas e um caos econômico para os quase 600 municípios que têm no tabaco a mola propulsora de seu desenvolvimento.

RURAL –  Mas, segundo o Ministério da Saúde, o cigarro mata 200 mil pessoas por ano. Como defender a indústria?
SCHÜNKE –
O cigarro é um produto legal, regulamentado e voltado para maiores de 18 anos no Brasil. A informação sobre os riscos associados ao consumo de tabaco é amplamente divulgada, inclusive nas embalagens do produto.

RURAL – Como o Sinditabaco avalia a Resolução 4.483 do Banco Central, que restringe o financiamento a produtores rurais que não comprovarem a redução da dependência financeira do plantio de tabaco?
SCHÜNKE –
A resolução trata de financiamentos do Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar (Pronaf) para todas as culturas que o produtor mantém e não para a produção de tabaco. Ela permite investimento em melhorias na propriedade. Então, restringir esse recurso é um tiro no pé. Ao penalizar o produtor por produzir tabaco, o governo deixa de estimular a diversificação da produção. Neste ano, por pressão da cadeia produtiva, o governo chegou a informar que pretendia revogar a medida. Mas ela apenas foi postergada para a safra 2017/2018 e o setor se mobilizará contra outra vez.

RURAL – É possível fazer a reconversão nas áreas de tabaco, como vem sendo sugerida pelo governo?
SCHÜNKE –
É um delírio, algo totalmente infundado e sem nexo. Um hectare de tabaco proporciona uma renda equivalente a cerca de oito hectares de milho. Quem vai pagar essa conta? O produtor já diversifica a sua produção. A área média das propriedades que trabalham com fumo é de 15 hectares. O tabaco ocupa apenas 17% dessa área e, na última safra, respondeu por 51,4% da renda do produtor. A pergunta é: como substituir algo que representa metade da receita de uma propriedade?

RURAL – Mas há uma queda no consumo de cigarro. Essa diversificação não é prudente para o produtor ?
SCHÜNKE –
Houve uma pequena queda no consumo mundial nos anos de 2014 e 2015, de aproxmadamente 3% no período. Foi o resultado  de campanhas antitabagistas, como a restrição ao fumo em locais públicos fechados, que entrou em vigor em 2014, e também à entrada de outros produtos no mercado, como o cigarro eletrônico, por exemplo. É provável que o consumo caia ainda mais, por algum tempo, mas não se sabe até que ponto. Hoje, o consumo mundial é de cerca de 6,5 trilhões de cigarros por ano e isso representa uma produção de até 5,5 milhões de toneladas de tabaco.


Queda: as vendas de cigarro nos anos de 2014 e 2015 caíram entre 1% e 3%

RURAL – A redução na área de produção brasileira se deve a esta queda de consumo?
SCHÜNKE –
O Brasil reduziu a área em 9,4%, para 315 mil hectares, por problemas de competitividade. No ano passado exportamos 75% da produção, mas a média dos anos anteriores era de cerca 85%. A taxa cambial é fundamental para sermos competitivos no preço, principalmente com os países africanos, que são os nossos maiores concorrentes.

RURAL – Que respostas o setor têm dado à sociedade, em relação ao uso correto de práticas agronômicas?
SCHÜNKE –
Um estudo feito pela Esalq/USP, a partir de dados do IBGE e do Sindicato Nacional da Indústria de Produtos para Defesa Vegetal (Sindiveg), mostra que o tabaco é a cultura que utiliza a menor quantidade de agroquímicos por área, entre todos os cultivos comerciais no País. É de 1,1 quilo de ingrediente ativo por hectare, enquanto o tomate, por exemplo, chega a utilizar 36 quilos por hectare.

RURAL – Mas há críticas em relação à saúde do produtor, que pode ser comprometida pelo manejo da planta.
SCHÜNKE – 
Neste caso estamos falando da doença da folha verde do tabaco, provocada pelo manejo inadequado. Se uma folha estiver molhada e o produtor  estiver com a pele suada, na qual os poros ficam abertos, pode haver uma migração da nicotina da folha para a pele no momento da colheita. Por isso, buscamos orientação de especialistas para o desenvolvimento de uma vestimenta que permite uma colheita segura, com eficácia de 98%. Todos os produtores recebem a roupa a preço de custo das empresas de processamento de tabaco, que é de cerca de R$ 35 por unidade. Hoje, o produtor só não se protege se não quiser.

RURAL – Qual a previsão para a atual safra 2016/2017?
SCHÜNKE –
A área cultivada deve se manter estável em 300 mil hectares. A produtividade ainda dependerá do clima. Em 2015/2016, o Brasil produziu 540 mil toneladas, ante 692 mil toneladas no ciclo anterior, em razão do El Niño que reduziu a produtividade das lavouras. Mas já chegamos cultivar 700 mil toneladas, equivalentes a 15% da produção mundial.