Com dimensões continentais que somam 835,56 milhões de hectares de terras e clima favoráveis ao cultivo, o Brasil destina 284 milhões para a agropecuária, sendo 64 milhões para a agricultura e 220 milhões para pastagens, segundo dados da Embrapa. Nessas terras se produz mais cana-de-açúcar, café e laranja do que qualquer outro lugar do mundo. Mas, mesmo com condições tão favoráveis, o Brasil ainda está longe do topo da cadeia. Em 2020, de acordo com a Confederação Nacional de Agricultura (CNA), os embarques movimentaram US$ 96,9 bilhões. O volume coloca o agro nacional no posto de quarto maior exportador mundial de produtos do campo, perdendo para União Europeia, Estados Unidos e China. Dentre os fatores que explicam a desvantagem, está a tecnologia. A despeito dos esforços do produtor em buscar inovações, a legislação arcaica, a falta de conexão em áreas rurais, os impostos de importação proibitivos e a falta de um plano institucional e multidisciplinares rumo à liderança global são verdadeiras barreiras à modernização no campo. O resultado é que uma fotografia de determinadas fruticulturas em alguns países da UE no momento da colheita, chega a parecer ficção científica frente ao Brasil.

Capacidade produtiva anual da indústria HORTIFRUTI brasileira 53 milhões de toneladas

Em 2012, a agtech norueguesa, Saga Robotics, começou a desenvolver o “Thorvald”, um robô modular autônomo que pode ser configurado para desempenhar tarefas em campos abertos, túneis, pomares e estufas. Dentre suas utilidades, estão a capacidade de realizar tratamento de luz para gerenciamento de doenças, assim como de sanar outras necessidades que envolvem o processo agrícola, como a colheita de frutas e vegetais. Segundo Antonio Leite, professor e pesquisador da Faculdade de Ciência e Tecnologia da Norwegian University of Life Sciences (NMBU – Noruega), que acompanhou parte do processo de desenvolvimento, o robô foi criado diante da necessidade de garantir alta produtividade em situações pouco adversas para o campo. “Aqui, o produtor tem pouco tempo disponível para plantar, então não pode errar. Não há outra oportunidade de realizar o plantio e colheita durante o ano, a não ser em um determinado período”, afirmou.

Além da necessidade de agilidade em relação ao tempo dos processos, a falta de mão de obra preocupa. “As pessoas que participam das colheitas não são locais, vêm de outros países e são temporárias”, disse Leite. A contratação dos imigrantes visava solucionar a falta de interesse dos noruegueses em exercer as funções relacionadas ao campo, braçal e desgastante para os trabalhadores. Mas, o crescente movimento xenofóbico atrapalhou a dinâmica. Toda a conjuntura deu impulso para a inserção da robótica no espaço agrícola. O resultado foi um esforço do setor para a mecanização de atividades. A jornada é complexa, mas compensa. “A construção de uma tecnologia como essa exige muito tempo e empenho de várias áreas, não é simples. Fora o investimento financeiro”, disse o professor. Nem tudo são flores. Quando os robôs começaram a ser comercializados, entre 2016 e 2017, o alto valor de uma unidade e de sua manutenção inviabilizou as vendas. O jeito foi mudar o modelo de negócio. “Em moeda brasileira, um robô coletor de morangos não custa menos de R$ 500 mil. Por isso é melhor vender os serviços que podem ser executados do que eles propriamente ditos”, afirmou o professor. Foi o caminho que a agtech tomou.

Na Inglaterra, a startup Fieldwork Robotics, um spinoff da Universidade de Plymouth, investiu 700 mil libras esterlinas em pesquisas para criar um robô colhedor de framboesas. Já em fase de testes em algumas fazendas locais, tem capacidade para colher 25 mil frutas por dia, 10 mil a mais que um ser humano, em turno de oito horas. Nos EUA, o mercado está mais avançado. Por lá, as colheitas de maçã, pêssegos e romãs já são mecanizadas. Desenvolvida pela startup FFRobotics a máquina de colher maçã faria inveja aos citricultores brasileiros. Enquanto um homem é capaz de colher em média 1 mil frutos por hora, os 12 braços autônomos do equipamento da empresa chegam a 10 mil. Tudo graças a um software que processa imagens, identifica quais unidades estão prontas para colheita e comanda os braços para o manuseio.

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NO BRASIL Diferente da realidade de alguns países onde a mão de obra é escassa e cara; os territórios agrícolas, menores; o custo para confecção de robôs compensa; e o investimento em tecnologias é uma prioridade, o Brasil é um oásis agrícola sem uma política integrada de modernização. As empresas de negócios do campo abriram mais de 61 mil vagas de emprego em 2020, de acordo com dados do Cadastro Geral de Empregados e Desempregados (Caged). “Como o salário de um trabalhador do campo não é alto, faz mais sentido contratar um monte de gente do que investir em tecnologia”, disse Arthur Igreja, professor da Fundação Getúlio Vargas (FGV) e especialista em Tecnologia, Inovação e Tendências. Outro empecilho que dificulta a inserção dos colhedores no Brasil é a escala, já que as áreas são extensas, o que exigiria mais do que 30 máquinas em uma fazenda média. Junto desse fator, está o custo. “Muitos dos insumos para a confecção de robôs são importados, e quando trazemos para o Brasil o custo é absurdo, devido aos impostos e ao câmbio. Ou os construímos aqui, ou é inviável”, disse Reinaldo Bianchi, professor do Departamento de Engenharia Elétrica do Centro Universitário – FEI.

Apesar da capacidade dos cientistas para CRIAR um robô adequado à demanda do campo, falta de apoio inviabiliza o projeto

No Brasil, apenas um motor utilizado para um robô pode custar mais de US$ 500. Seria necessário investir também em infraestrutura nas áreas agrícolas com a criação de condições para que os eles conseguissem seguir o percurso pré-programado e realizar as tarefas, além de conectividade em toda área rural. Tudo isso aliado à falta de recursos e apoios financeiros destinados ao desenvolvimento de novas tecnologias, limita o potencial que já existe. “Nós não temos ajuda do governo brasileiro para financiar esses projetos, não temos um ambiente propício para inovação. Mas nós temos a capacidade de construir um robô tão bom quanto os de fora”, afirmou Bianchi.

“Construir uma tecnologia como essa exige tempo, empenho de várias áreas, talentos e dinheiro” Antonio Leite NMBU NORUEGA (Crédito:Divulgação)

FUTURO Atualmente, o Brasil produz cerca de 53 milhões de toneladas de frutas e hortaliças por ano, em mais de 5,1 milhões de hectares, com receita de R$ 36 bilhões em 2018, segundo o relatório “O cenário do hortifruti Brasil 2018”, divulgado pelo Programa Hortifrúti Saber e Saúde, pesquisa realizada pela Confederação da Agricultura e Pecuária (CNA), junto à Associação Brasileira de Produtores e Exportadores de Frutas (Abrafrutas) e ao Instituto Brasileiro de Horticultura (Ibrahort). Diante da realidade, os robôs colhedores colaborativos poderiam ser um relevante complemento, capazes de atuar junto aos seres humanos e das tecnologias já implantadas para aumentar a produtividade. Um caminho, para o professor da NMBU, seria começar a inserir a tecnologia em pequenas propriedades. “Aqui na Noruega, nós não temos fazendas gigantescas, somente áreas pequenas. Desta forma você consegue ver o retorno sobre o investimento feito na tecnologia”, disse Leite.

Nem todos, concordam. Marcos David Ferreira, pesquisador da Embrapa Instrumentação, pondera que apesar dos benefícios que envolvem as máquinas, os hortifrutis exigem maior cuidado – característica que elas talvez não tenham. “O ser humano pode ser mais delicado, pois ele tem mais sensibilidade ao realizar a colheita”, disse. Apesar dos diferentes pontos de vista, Leite acredita que a partir do momento que governo, empresas e universidades tiverem maior interesse em investir na tecnologia, o Brasil poderá avançar na robótica e desenvolver uma adaptada a realidade do País. “Se houver o apoio financeiro, principalmente governamental, será possível termos robôs como estes. Mas ainda não vi nenhum reforço ou investimentos em inovações como essa no Brasil”, afirmou.