Como o Ministério do Desenvolvimento Agrário pretende

transformar pequenos agricultores em verdadeiros empresários

Enquanto a riqueza produzida por grandes extensões de terra faz jorrar divisas nas exportações nacionais, são os pequenos sítios de lavradores que abastecem a mesa do brasileiro. No campo dos sonhos não há diferença entre grandes e pequenos porque todos desejam fazer fortuna com o chão cultivado. Se por um lado o agronegócio “profissional” é responsável por 30% do Produto Interno Bruto do Brasil, por outro, 70% dos alimentos que chegam às nossas casas vêm de 4,1 milhões de propriedades familiares, espalhadas por todo o País. E, assim como toda grande caminhada começa com o primeiro passo, é das pequenas propriedades que nasceram os grandes impérios agrícolas brasileiros. “O agricultor só é pequeno porque ainda não cresceu”, diz o pesquisador da AgraFNP José Vicente Ferraz. “Nesse tipo de atividade, é preciso agregar valor aos produtos para se destacar”, explica. Pensando nisso, o governo federal decidiu reunir alguns dos mais bem-sucedidos modelos de pequenas propriedades e colocou, todos, para fazer negócios na Brasil Rural Contemporâneo, feira organizada no final de 2008. “A idéia é fazer uma rede de feiras em que os pequenos possam trocar tecnologia e fazer negócios”, explica o coordenador do evento, Luiz Felipe Nelsis, do Ministério do Desenvolvimento Agrário (MDA).

De acordo com Nelsis, a estratégia tem surtido efeito. Na última edição, as vendas diretas atingiram o valor de R$ 1,6 milhão. Segundo os organizadores, em negócios futuros, o valor ultrapassará R$ 5 milhões. Um dos bons exemplos vem da Bahia, como é o caso da Cooperativa Agropecuária Familiar de Canudos, Uauá e Curaçá, a Coopercuc, que possui 105 cooperados e envolve 370 famílias. “O trabalho de conviver com a seca e aproveitar o que existe na região começou com o Instituto Regional da Pequena Agropecuária Apropriada (Irpaa)”, diz Ademario Domingos, representante comercial da entidade. Orientados pelo programa, os trabalhadores começaram a aproveitar os frutos nativos da localidade: umbu e maracujá da caatinga. Com eles, começaram a elaborar compotas. Assim nasceu a Coopercuc, em 2004. Um dos primeiros passos da entidade foi armazenar a matéria-prima, que é abundante apenas em um delimitado período do ano, para aproveitá-la depois.

DA CAATINGA PARA O MUNDO: “Produtos da região viram compotas e vão para a Europa”, diz Domingos

“Hoje entre 35% e 45% da renda dos cooperados vem deste trabalho, que atinge cerca de três salários mínimos mensais para cada um”, explica Domingos. Um dos grandes saltos da cooperativa deve-se à ONG italiana Slow Food, que capacitou 14 comunidades e ajudou na construção de uma minifábrica. Em 2007, a cooperativa faturou R$ 870 mil. Os bons resultados levaram os cooperados a aumentar o número de produtos, inserindo frutas como manga, goiaba e banana. Atualmente, a Coopercuc comercializa 50% do que produz para a Companhia Nacional de Abastecimento (Conab), exporta 30% para a Europa e o restante fica no mercado interno. Na parte de comércio exterior, quem ajudou a Coopercuc foi a ONG austríaca EZA. Foi ela que abriu as portas para a entrada dos produtos da caatinga em países como Áustria, Alemanha, Itália e França.

A Cooperativa dos Agricultores Orgânicos do Portal da Amazônia, a Cooperagrepa, é outro caso de sucesso. Ela envolve 300 famílias do extremo norte de Mato Grosso e fechou 2008 com um faturamento de cerca de R$ 1 milhão. A entidade surgiu da união de nove municípios para levar educação de qualidade à localidade, por conta de uma constatação de que a evasão escolar era muito grande. O objetivo era evitar o êxodo rural e melhorar a renda das famílias. A estratégia originou o projeto Vida Rural Sustentável, abraçado pelo Sebrae em 2003.

CASAL HENZ: “Nosso foco são as frutas orgânicas in natura e o carrochefe é a tangerina”, diz Alceu

Hoje, os agricultores têm 54 produtos em seu portfólio e já exportam açúcar mascavo, castanha-do-pará, guaraná, café e melado de cana para a Europa. “A cooperativa surgiu com o intuito de agregar valor ao produto do agricultor. Em vez de vender o guaraná em grão, o agricultor vende moído na latinha, que tem uma oscilação de preço bem menor. À medida que vão se estabilizando economicamente, vão plantando mais”, explica Gelsi Siviero, diretora comercial da Cooperagrepa. Neste sentido, o programa de compras de alimentos da Conab contribui bastante. A garantia da comercialização levou os produtores a plantar uma variedade maior de produtos, o que melhorou inclusive a qualidade da alimentação dentro do lar. Só para se ter uma idéia, hoje, mais de 50% dos produtos da cooperativa vão para a Conab. “Mas queremos reverter este quadro, porque não sabemos até quando este projeto vai durar”, diz Gelsi.

Outro bom exemplo vem do Rio Grande do Sul. É a Cooperativa dos Citricultores Ecológicos do Vale do Caí (Ecocitrus), que congrega 93 cooperados e, em 2007, teve um faturamento de R$ 2 milhões. O diferencial da entidade é ser auto-suficiente em adubo. “Temos uma indústria de compostagem e todo o insumo que o cooperado recebe é subsidiado”, diz Alceu Henz, gerente comercial da Ecocitrus. Juntandose a isso, o fato de a entidade só trabalhar com orgânicos representa uma redução de custo de produção de 30%. As exportações já significaram 20% do mercado da cooperativa, mas hoje representam 10%.

“Nosso principal foco hoje é o mercado interno e o nosso carro-chefe são as frutas in natura”, diz Henz.

TALENTOS DO BRASIL

Programa agrega valor ao trabalho artesanal realizado por mulheres agricultoras

APELO SUSTENTÁVEL: bolsas de fibras vegetais foram destaque na Coleção 2008

Focado na esposa do agricultor, o programa Talentos do Brasil é composto por 15 grupos de mulheres distribuídos por 12 Estados. O objetivo é aumentar a renda familiar, por meio de artesanatos (produtos de decoração de interiores, roupas, acessórios e utensílios domésticos) elaborados pelas participantes. Cada comunidade trabalha com a matéria-prima de sua região. Por ex: as mulheres da Amazônia usam o buriti, sementes e cipó e as da Bahia, o sisal. “O propósito é agregar valor à matéria-prima, buscando a sustentabilidade das mulheres através da intervenção de designers”, diz Patrícia Mendes, coordenadora do programa. Estabelecido em 2005 pelo MDA, o projeto conta com o apoio de profissionais renomados. Na coleção 2008, a ajuda veio de estilistas como Ronaldo Fraga e Jum Nakao. Com isso, a renda anual dos grupos tem aumentado. Há exemplos em que o faturamento saiu de R$ 3 mil para R$ 30 mil. A idéia é estruturar a Cooperunica, cooperativa que congrega todas as comunidades, para que ela possa andar com as próximas pernas a partir de 2010. No momento, as mulheres estão sendo preparadas para saber gerir o negócio e também se acostumando com a exposição de seus trabalhos em desfiles como o Prêt-àporter, que acontece em setembro.