A diversidade de Guaíra, distante 640 quilômetros da capital paranaense, Curitiba, espelha bem o projeto da Emater/PR. A cidade é fronteiriça ao Paraguai, somente há 20 minutos de Salto del Guayra, sendo separada pela margem do segundo maior rio da América do Sul, o Paraná. Parte do território integra ainda o Parque Nacional de Ilha Grande, formado por mais de 200 ilhas e considerado o maior arquipélago pluvial do continente. A denominação original de Guaíra significa “lugar de difícil acesso”, segundo os índios guaranis. Têm pouco mais de 30 mil habitantes.

Embora de pequeno porte, e para completar sua heterogeneidade, a cidade possui moradores de origem histórica, em ambos os países: indígenas e quilombolas. A Emater/PR aliou o combate à miséria e a geração de renda no campo para desenvolver a experiência de formação da rede solidária. De um lado, os mil Guaranis, Tekone’mboguatá e Teko Pyaru, etnias cujo fluxo migratório as reduziu à metade em pouco tempo, e, de outro, 42 quilombolas de comunidades em processo recente de franco esvaziamento. Em comum entre os povos tradicionais, a fome…

Rita de Cássia Ribeiro, agente do Instituto, conta que a situação era gritante, chegando a morrer uma criança indígena “com suspeita de inanição”. No caso dos quilombolas, constatou-se que “estavam na iminência de abandonarem a área rural”. A entidade, após continuada oferta dos serviços de Ater, formulou um único projeto para atender as duas demandas: diversificar o cultivo de mandioca destes para alimentar aqueles. “Os quilombolas atenderam prontamente o desafio de fornecer alimentos ao PAA. Hoje são os principais fornecedores responsáveis pelo abastecimento das aldeias”, explica.

As atividades levaram em conta as questões de juventude e de gênero ao implementar a metodologia para profissionalização dos agricultores familiares, por meio de curso, tarde de campo, reunião prática e treinamento específico. Os trabalhos resultaram no cultivo de horta comunitária diversificada, na dimensão de 1 hectare, deixando para trás o histórico da monocultura da mandioca, que esgotou o solo, causou baixa produtividade e frustrou a safra das famílias quilombolas. A Emater/PR articulou parceiros para viabilizar irrigação e insumo (calcário, ferramentas agrícolas, adubos e sementes).

Paralelamente a evolução da produção quilombola, o Instituto passou a cogitar a inclusão dos indígenas entre os beneficiários dos alimentos do PAA, modalidade doação simultânea, para aplacar a insegurança alimentar e, consequentemente, programar no devido tempo o cultivo nas aldeias. Rita de Cássia lembra que, em 2009, foi oficializada a “parceria inusitada”. “O primeiro convênio foi assinado com a Associação Manoel Ciriaco dos Santos, com compromisso de entrega de 45 toneladas/ano, formando uma verdadeira rede solidária entre povos tradicionais”, ressalta.

Desde então, sete aldeias são atendidas, totalizando 993 indígenas, e 15 quilombolas passaram a ter renda individual de R$ 6,5 mil/ano, somente com o PAA. O excedente é comercializado a empresas do ramo gastronômico local. Em novo acordo, a Emater/PR conseguiu que o Programa Nacional de Habitação Rural chegasse até as comunidades e foram construídas novas moradias para sete famílias. De ambos os lados da rede, houve a organização formal das pessoas. Os indígenas foram capacitados e a produção de olerícolas para autoconsumo já pode ser vista.

Adir Rodrigues dos Santos é líder da comunidade quilombola. Ele reconhece a importância do PAA por “transformar a nossa vida para melhor, garantindo emprego e renda”, dos serviços de Ater do Instituto e prevê vida longa na parceria com as aldeias. “Queremos continuar, pois se trata de gente que já sofreu como nós sofremos no passado. Os índios enfrentam muitas dificuldades e não têm apoio, pois são vistos com muito preconceito”, salienta.