Você reconhece a plantação colorida da foto? Provavelmente, não. O cereal em questão é a quinua, natural da região dos Andes. Ainda pouco conhecido pelos brasileiros, o grão fez fama mundo afora por volta dos anos 80, quando a Nasa o escolheu para integrar a dieta dos astronautas. A explicação está em suas propriedades nutricionais: a quinua não contém glúten e é rica em aminoácidos, vitaminas, cálcio, potássio, etc. No Brasil, a empresa responsável por sua introdução foi a Uyuni Alimentos. Seu fundador, Clodomiro Carneiro, teve contato com a planta no tempo em que viveu na Bolívia. “Numa das viagens que fiz, passei pelo Salar de Uyuni, o deserto do sal, e achei aquela paisagem muita bonita. Parei, perguntei para os índios e fiquei sabendo que aquilo era quinua, um cereal que eles, inclusive, já exportavam”, conta o empresário.

QUINUA AQUI NA TERRA: pouco conhecido no mercado, o grão é encontrado até em cookies de chocolate, mas a colheita ainda é realizada de forma artesanal (foto)

A partir daquele primeiro contato, Carneiro começou a pesquisar e, a cada dia, ficava mais surpreso com o que descobria sobre a quinua. Em 2001, de volta ao Brasil depois de 12 anos vivendo em território boliviano, ele e a amiga Lavínia Junqueira decidiram começar a comercialização do cereal aqui. Mas não imaginavam a dificuldade que enfrentariam. “Como era um alimento que não tinha histórico de consumo, levei de 2001 a 2004 para conseguir a licença de importação”, relembra o empresário. O empreendimento no início era algo insignificante, porque poucas pessoas conheciam a quinua no Brasil, com exceção dos estrangeiros que moravam aqui. Tanto é que a primeira compra de Carneiro foi de apenas 300 quilos. Mas o empresário não desistiu. Com a ajuda de nutricionistas e engenheiros de alimentos, elaborou um folder sobre as propriedades da quinua e começou a divulgá-la em todo canto que passava. A estratégia deu certo. “Passamos de 300 quilos em 2004 para 500 toneladas em 2008 e a nossa previsão é chegar a 900 toneladas este ano”, explica Rafael Rezende de Souza, diretor da Uyuni Alimentos.

Hoje a Uyuni Alimentos tem como carro-chefe a Quinua Real e seus derivados: cookies, barrinhas de cereais, flocos, farinha, espaguete e granola. No entanto, para chegar a este portfólio de produtos, a empresa teve um longo trabalho para consolidar a relação comercial com os 25 mil pequenos produtores da região do Salar do Uyuni, organizados em cooperativas. Na verdade, os agricultores são índios das etnias quéchuas e aymaras, não habituados a trabalhar com prazos. “Chegamos a perder alguns clientes por quebra de fornecimento, mas agora estamos trabalhando com estoque regulador”, conta Souza. Atualmente, o alvo da empresa, que cresceu 70% no ano passado, é consolidar o mercado interno e abrir o mercado externo.

ALIMENTO MILENAR – Chamada de grão-mãe ou grão de ouro, a quinua era cultivada e venerada pelos incas como um símbolo religioso. O primeiro plantio era iniciado pelo Sapa, a autoridade máxima dos incas, usando uma ferramenta de ouro. Na colheita, era a mesma coisa: o Sapa colocava a primeira porção dos grãos em uma bacia de ouro e oferecia aos deuses. Tanto é que, quando os espanhóis invadiram o altiplano andino, a primeira providência foi proibir o plantio da quinua. Mas a imposição não resistiu ao passar dos anos e hoje o alimento é cultivado em toda a extensão dos Andes. No entanto, o destaque fica para a quinua real, variedade mais proteica, com grãos maiores e ciclo menor, cultivada nos arredores do Salar do Uyuni. Esta planta tem raízes profundas, o que a faz suportar baixíssimas temperaturas e vento forte. A produção é orgânica, certificada pela Ecocert, e a forma de plantio, artesanal. Nem todas as comunidades têm energia elétrica, mas algumas possuem e é lá que é feito o beneficiamento do grão.