O Brasil pode estar à beira de uma crise fiscal com a falta de ação do governo e do Congresso para responder ao risco representado pelo crescimento acelerado da dívida pública. Essa avaliação começou a ser retratada mais fortemente, nos últimos dias, por economistas e em relatórios de bancos nacionais e estrangeiros – que falam que uma crise envolvendo a capacidade do governo de se financiar entrou no radar.

A tensão no mercado aumentou com o impasse em torno do financiamento do Renda Cidadã, pensado para substituir o Bolsa Família, mas com alcance e valor médio maiores do que o programa social criado na gestão petista. O sinal vermelho acendeu com o racha no governo sobre a flexibilização do teto de gastos (regra que proíbe que as despesas cresçam em ritmo superior à inflação) para acomodar entre R$ 20 bilhões e R$ 35 bilhões em novas despesas.

“A política fiscal está convidando a uma crise da dívida”, diz relatório do Deutsche Bank, a que o Estadão teve acesso. Para o banco alemão, a falta de comprometimento com a contenção dos gastos está empurrando o Brasil para um “abismo” fiscal. “O tempo (para uma crise fiscal) é difícil de determinar. Esses eventos normalmente demoram muito para acontecer, mas podem desdobrar mais rápido do que o esperado.”

Estrategista-chefe para mercados emergentes do Deutsche Bank, Drausio Giacomelli compara o quadro atual da economia a uma “ladeira”. “Nessa situação, não se pisa no acelerador.”

O que tem aumentado a preocupação dos bancos é a indicação do presidente Jair Bolsonaro de que deseja gastar mais em políticas de assistência sem fazer uma revisão nos gastos correntes considerados ineficientes.

O Itaú Unibanco estima uma elevação de despesas sociais do Bolsa Família de R$ 33 bilhões para R$ 66 bilhões, o que poderá levar a gastos acima do teto em R$ 20 bilhões em 2021. “Para manter o equilíbrio fiscal, é fundamental transparência nesses gastos e aprovação de ajustes na legislação para o acionamento automático dos chamados gatilhos do teto”, diz em referência a medidas de contenção de gastos, focadas especialmente no funcionalismo.

Para o Santander, a criação de novos gastos obrigatórios poderia minar o quadro de “consolidação fiscal”. O banco calcula a necessidade de um ajuste fiscal de pelo menos cinco pontos porcentuais do PIB (R$ 350 bilhões) no próximos anos.

Solvência

Segundo o Banco Central, a dívida bruta – olhada de perto pelas agências de classificação de risco como termômetro de capacidade de solvência de um país – fechou agosto em R$ 6,39 trilhões, o equivalente a 88,8% do PIB, renovando recordes mês após mês. No melhor momento da série, em dezembro de 2013, foi de 51,5%. Agora, números da Instituição Fiscal Independente (IFI) apontam que poderá chegar a 98,6% do PIB no ano que vem e a 100,3% em 2022.

“O Brasil é visto como País arriscado porque é um País arriscado”, diz Armando Castelar, coordenador de economia aplicada do Instituto Brasileiro de Economia (IBRE). “Está bem mais perto do que estava há seis meses, porque o patamar da dívida subiu muito.” Entre os sinais que apontam o enredo da crise, estão a desvalorização mais forte do real, o encurtamento dos prazos dos títulos públicos (usados pelo governo para se financiar) e o aumento dos prêmios cobrados pelos investidores para comprar esses títulos.

Ontem, o mercado financeiro ganhou fôlego com sinais do governo de que o teto de gastos não será furado. A Bolsa subiu 2,21%, aos 96.089 pontos, e o dólar recuou 1,82%, fechando a R$ 5,567.

Para fontes da equipe econômica, sem coordenação eficiente de “comunicação” da estratégia do governo, os investidores cobrarão taxas cada vez mais altas no refinanciamento da dívida.

As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.