Para o brasilianista Anthony Pereira, diretor de pesquisas sobre o Brasil no King’s College de Londres, um dos principais centros acadêmicos do Reino Unido, a reputação do País no exterior mudou para pior nesses 18 meses de governo Jair Bolsonaro. A conduta do presidente principalmente diante da crise sanitária causada pela pandemia do novo coronavírus, afirmou Pereira, tem levado a críticas ao Brasil por parte de todo o espectro político nos Estados Unidos e no Reino Unido.

“As pessoas no exterior sabem que o presidente Bolsonaro disse ‘e daí?’ quando questionado sobre as mortes pelo coronavírus. Eles descobriram que um juiz ordenou que ele usasse uma máscara quando passeava por Brasília. E eles sabem que os investidores internacionais estão ameaçando retirar seus investimentos da produção brasileira de carne e grãos devido aos crescentes níveis de desmatamento na Amazônia. O governo Bolsonaro mudou a reputação internacional do Brasil. E a mudança foi amplamente negativa”, disse o brasilianista ao jornal O Estado de S. Paulo.

Desde a ditadura militar, nunca tivemos tantos militares em um governo civil. Como o senhor analisa esse fato e também a avaliação positiva dos militares?

É uma situação bastante extraordinária. Quase metade do gabinete e quase três mil militares nos ministérios. Mas a situação representa um risco para os próprios militares. Eles são atraídos por conflitos políticos e se tornam defensores do governo, e não parte do aparato estatal. O Exército é popular entre os brasileiros, mas as pessoas estão observando atentamente como ele exerce o poder e como se comporta no meio de conflitos extraordinários entre diferentes atores nos diferentes níveis de governo. Para mim, mais preocupante do que a presença militar no governo é a popularidade do presidente entre as forças policiais estaduais e as milícias no Rio, e a possível inclinação do presidente e de seus conselheiros de usar essa popularidade como arma em futuros conflitos políticos.

Algumas pessoas temem a possibilidade de um golpe militar.

Não vejo muita chance de um golpe à moda antiga de 1964, no qual os militares são mobilizados contra outros setores. Mas o autoritarismo lento e insidioso é mais possível. Imagine, por exemplo, se o presidente Bolsonaro conseguisse convencer o Congresso a conceder-lhe autoridade para declarar um estado de sítio. O que ele poderia ter feito? Sabemos por muitas coisas que ele disse que seus instintos básicos, quando se trata de governar, são autoritários.

Por outro lado, existem 48 pedidos de impeachment no Congresso e movimentos pedindo a saída de Jair Bolsonaro.

Há uma emergência de saúde por causa da pandemia e o número de mortes está aumentando. A economia entrou em colapso e as projeções são de que encolherá 7% ou mais este ano. Diante da situação, não vejo muito apetite, pelo menos por parte de Rodrigo Maia, presidente da Câmara, de iniciar um procedimento de impeachment e o processo de meses de tentativa de destituição do presidente. Mesmo que o processo começasse, Bolsonaro fez muitas concessões ao Centrão e já pode ter feito o suficiente – ou fará o suficiente nos próximos meses – para garantir 1/3 dos votos em cada Casa (Câmara e Senado) de que precisaria para derrotar um impeachment.

A avaliação negativa do governo chegou a 50% em uma pesquisa feita em maio. Há um ano, esse índice era inferior a 25%. A que atribui essa mudança?

É uma questão de várias correntes de apoio diferentes para o governo Bolsonaro irem perdendo a fé. Os lavajatistas estão decepcionados com a demissão do ex-ministro Sérgio Moro e suas alegações de que o presidente tentou interferir nas investigações da Polícia Federal para proteger seus filhos. Se Fabrício Queiroz aceitar um acordo de delação premiada, suas evidências poderiam reforçar a percepção entre os lavajatistas de que o governo Bolsonaro não é especial quando se trata de corrupção. Outro grande grupo de pessoas está decepcionado com a reação do presidente ao coronavírus. Eles querem que ele ouça mais os especialistas em saúde pública e pare de incentivar as pessoas a se comportar de maneira a espalhar o vírus. Eles acreditam mais no ex-ministro da Saúde Luiz Henrique Mandetta que no presidente. Acreditam mais na maioria dos governadores que no presidente. Até os olavistas, liderados por seu guru Olavo de Carvalho, parecem ser críticos do governo. Talvez eles estejam pensando que o bolsonarismo é mais importante que Bolsonaro, e que o primeiro possa durar mais que o segundo.

O senhor acredita que a reputação internacional brasileira mudou ao longo desses 18 meses de governo?

O governo Bolsonaro mudou a reputação internacional do Brasil. E a mudança foi amplamente negativa. O próprio presidente Bolsonaro é visto como um pária, um líder que não tem compaixão, bom senso e capacidade administrativa. Essa visão pode ser encontrada em todo o espectro político nos EUA e no Reino Unido – em jornais conservadores e não apenas em periódicos de esquerda. As pessoas no exterior sabem que o presidente Bolsonaro disse “e daí?” quando questionado sobre as mortes pelo coronavírus. Eles descobriram que um juiz ordenou que ele usasse uma máscara quando passeava por Brasília. E eles sabem que os investidores internacionais estão ameaçando retirar seus investimentos da produção brasileira de carne e grãos, e talvez até de títulos do governo, devido aos crescentes níveis de desmatamento na Amazônia.

Como vê a relação com os Estados Unidos e o presidente Donald Trump?

Até mesmo o presidente Trump, a quem o presidente Bolsonaro seguiu e copiou, parece não pensar muito no governo Bolsonaro. Além disso, o governo Trump está tentando romper com uma tradição diplomática e nomeou um americano para chefiar o Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID). Parece que o governo Bolsonaro apoiará o candidato dos EUA, que faz parte de um padrão no qual ele faz concessões unilaterais ao governo Trump e obtém nada em troca. Em resumo, o governo Bolsonaro não tem muitos amigos que eu possa ver na Europa, nos Estados Unidos ou em outros lugares. Tornou-se um líder, mas um líder em sentido negativo.

Quais é a avaliação de Jair Bolsonaro na arena internacional no combate à pandemia?

Bolsonaro se destaca como um líder que se recusou a ouvir, a aprender e a mudar de curso quando quase todos os outros líderes mudaram de curso por causa dos conselhos que estavam recebendo das autoridades de saúde pública. O Brasil tem uma infraestrutura de pesquisa médica e saúde pública relativamente boa. Mas ele a enfraqueceu semeando caos e conflito. Para usar a analogia de um técnico de futebol, ele tinha um bom time, mas manteve os melhores jogadores no banco e usou táticas ruins. Por isso está perdendo o jogo.

As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.