Dois séculos se passaram, e a expressão ripa na chulipa ainda é apropriada no País e não se trata apenas de um bordão do futebol, popularizado pelo locutor esportivo Osmar Santos. O termo foi utilizado no século 19 como um grito de ordem para acelerar o trabalho braçal de assentamento dos dormentes das ferrovias. À época, no gogó dos chefes de montagem o comando resultou, praticamente, na construção dos 29,8 mil quilômetros de linhas férreas existentes. De lá para cá, nada de grandioso foi  feito na ampliação da malha ferroviária do País, e o modal de transporte, como o rodoviário, o hidroviário e o portuário mostrou-se saturado, encarecendo os custos do escoamento da produção. Marcelo Giannasi, diretor de originação do grupo distribuidor de produtos agropecuários Sinagro, de Primavera do Leste (MT), que o diga. Para ele, a construção de uma nova ferrovia para interligar as existentes e chegar aos portos faria os custos logísticos da empresa caírem 15%. Além disso, toda a cadeia produtiva e logística seria beneficiada. “A fila de caminhões seria reduzida, o volume negociado no porto ampliado e o produtor seria mais bem remunerado”, diz Giannasi. “Atualmente, 30% da soja da Sinagro tem os portos como destino, mas poderia ser 60%. Nossas negociações acabam concentradas no mercado interno.” No ano passado, a Sinagro comercializou 600 mil toneladas de soja e 500 mil toneladas de milho. O grupo, que opera em quase dois milhões de hectares de soja, milho, algodão e feijão, nos Estados de Mato Grosso, Mato Grosso do Sul, Goiás e Bahia, foi um dos destaques no ranking AS 500 MAIORES DA DINHEIRO RURAL. A premiação, lançada em 2013 pela Editora Três, que publica a Dinheiro Rural, terá sua segunda edição no segundo semestre deste ano.

A exemplo da Sinagro, outras tradings e gigantes da produção de grãos, como Bunge, Cargill e Maggi, esperam a ampliação das malhas ferroviárias para contar com um sistema logístico eficiente. “Com isso, o País ganharia mais competitividade no mercado externo”, diz Karin Yamauti, uma das sócias do escritório paulista Souza, Cescon, Barrieu & Flesch Advogados, especializado no direito empresarial e em infraestrutura. Segundo Karin, as concessões de ferrovias que integram o Plano de Investimento em Logística (PIL), do governo federal, quando saírem do papel, devem injetar R$ 91 bilhões na ampliação da malha ferroviária do País, de um total de R$ 133 bilhões previstos para a logística nacional.

Desde agosto de 2012, quando foi instituído o PIL, que previa R$ 56 bilhões para as ferrovia nos primeiros cinco anos e R$ 35 bilhões em 25 anos, as concessões para a construção de novas linhas ferroviárias não saíram. Isso porque, segundo a advogada, há ainda certa insegurança empresarial sobre o modelo que concede à estatal Valec a capacidade operacional das ferrovias. “O governo deveria passar o domínio dessas ferrovias para as empresas”, diz Giannasi, da Sinagro.”Assim, as concessões avançariam.” Pelos planos do governo, toda a demanda das ferrovias será comprada pela Valec,
que posteriormente revenderá as janelas de passagem, os chamados slots de trens, ao mercado.

Um dos receios dos empresários está no processo de revenda dos slots. “O governo vem mudando esse programa de concessão para oferecer mais segurança e transparência aos investidores”, diz Karin. Uma das mudanças foi a alteração do primeiro trecho a ser licitado. Antes era de Açailândia (MA) até Barcarena (PA), e agora mudou para Lucas do Rio Verde (MT) até Campinorte (GO), onde se interligará com a Ferrovia Norte-Sul. Foi estabelecido, também, um pacote de garantias, que coloca títulos da dívida pública mobiliária federal no negócio.

As mudanças no plano de concessões, em curso desde 2013, começaram a surtir efeito em março deste ano, quando algumas empresas sinalizaram interesse em trechos ferroviários. Bunge, Cargill, Maggi e Dreyfus, que representam 70% das exportações de grãos do País, decidiram se associar para criar uma empresa de logística, com o objetivo de participar dos leilões de concessão de ferrovias.
Mas elas reivindicam outras alterações no modelo proposto pelo governo federal. Uma delas é a alteração do trecho Lucas do Rio Verde. O trecho começaria em Água Boa e terminaria em Campinorte, ramal chamado de Fico Leste.

Para compensar a alteração do modelo inicial, os grupos sugerem que sejam criadas mais duas ferrovias. Uma principal, que partiria de Sinop (MT) e seguiria por mil quilômetros até o porto de Miritituba, no rio Tapajós, no Pará. De lá, a carga seguiria por mais mil quilômetros de hidrovia, para finalmente ser exportada pelos portos Vila do Conde e Santarém, no Pará. Essa linha responderia pela saída de metade da produção de milho, soja e farelo de Mato Grosso, que produz mais de 30 milhões de toneladas anuais de grãos.

Segundo o Projeto Centro-Oeste Competitivo, da Confederação Nacional da Indústria, de Brasília, o trecho do prolongamento da Ferrovia Norte-Sul de Açailândia (MA) até Vila do Conde, município costeiro
próximo a Belém, a capital paraense, consolidaria um importante corredor de exportação da região agrícola do Mapito, formada pelos Estados do Maranhão, Tocantins e Piauí. Vila do Conde, embora não
movimente granéis agrícolas, abrigará três grandes terminais graneleiros, nos próximos anos. O projeto considera indispensável a conclusão desse trecho para que a Ferrovia Norte-Sul propicie uma maior economia com custos de transporte para o setor produtivo, estimada em R$ 1,4 bilhão por ano. De acordo com estimativas da Confederação Nacional da Agricultura (CNA), o porto terá capacidade para movimentar até 11  milhões de toneladas, a partir de 2015. O novo trecho da Ferrovia Norte-Sul deve ser o primeiro a ser licitado no PIL. A previsão é que o edital seja lançado em setembro.

Para Rodrigo Vilaça, presidente-executivo da Associação Nacional dos Transportadores Ferroviários (ANTF), de Brasília, as concessões devem se desenrolar a partir de 2015. “Com trâmites mais claros e trechos mais bem definidos”, diz Vilaça. Segundo ele, para a logística nacional contribuir para um melhor desempenho do agronegócio brasileiro seriam necessários pelo menos 52 mil quilômetros de ferrovias. “Apenas 25% do que é produzido no campo chega aos portos por trilhos”, diz Vilaça. “O ideal seria que fossem 35%.”

Segundo ele, nos planos do governo está a construção de cerca de dez mil quilômetros até 2025, e as concessionárias preveem investimentos de R$ 16 bilhões, nos próximos três anos. Além da complexidade do plano de investimento atual, a concessão de ferrovias tem outro agravante. Trata-se de começar uma construção do zero, ao contrário do que ocorre nos portos e rodovias. De acordo com
o último balanço do setor ferroviário, feito em 2012 pela ANTF, as companhias investiram R$ 4,9 bilhões no modal, um crescimento de 6,6%, ante 2011. E a movimentação de cargas nos trilhos foi 1,3% maior no período, passando de 475 milhões de toneladas para 481 milhões de toneladas.

O jeitinho funcionou

A exemplo das concessões ferroviárias, as licitações de áreas portuárias também não saíram do papel. Desde 2012, quando o Programa de Investimentos em Logística (PIL) foi instituído, os portos brasileiros aguardam investimentos da ordem de R$ 17,2 bilhões. Apesar disso, bastaram algumas medidas emergenciais e investimentos pontuais por parte do governo federal para que transtornos no escoamento da safra nacional de grãos fossem evitados neste ano. O conserto  e a aquisição de máquinas foram algumas das medidas, mas a que mais surtiu efeito até agora foi uma melhor organização no sistema de recebimento de cargas nas plataformas portuárias.

De acordo com a Secretaria de Portos (SEP), que coordenou uma ação conjunta com a Companhia Docas do Estado de São Paulo (Codesp) para monitorar os embarques, o agendamento de caminhões evitou  congestionamentos. “Além disso, reduziu o tempo de espera e o custo do frete”, diz Mariana Pescatori, coordenadorageral de gestão da informação portuária da SEP. Ainda de acordo com Mariana, o processo de agendamento bem-sucedido em 2014 será aperfeiçoado com a implantação do sistema Cadeia Logística Portuária Inteligente (Portolog), previsto para 2015. Trata-se de um sistema de  dados que reúne em um único meio de gestão as informações e a documentação das mercadorias embarcadas e desembarcadas nos portos. “O Portolog permitirá o acompanhamento e o gerenciamento em tempo real do fluxo de embarcações no canal de navegação e nas áreas de fundeio do porto”, diz a coordenadora. Segundo o ministro dos Transportes, Cesar Borges, o agendamento dos caminhões reduziu o custo com o frete em 10%. O transporte da soja produzida no município mato-grossense de Sorriso, até o Porto de Santos chegou a bater R$ 330, no ano passado.

Neste ano, o valor foi de R$ 300. Sorriso é um dos municípios que mais produzem grãos no País. O agendamento obrigatório dos caminhões no Porto de Santos foi uma medida que já vinha sendo utilizada com sucesso no Porto
de Paranaguá, no Paraná. Como no Porto de Santos, Paranaguá também não registrou transtornos como os ocorridos em 2013, quando a logística se tornou um problema nacional.