Um caminho, um manifesto – e uma transformação na vida e nos negócios de um grupo de produtores de queijo artesanal do interior paulista. Em setembro de 2017, dez deles se articularam para criar um roteiro de visitação de suas queijarias. A ideia era valorizar a produção queijeira de São Paulo e, ao mesmo tempo, provar que os melhores queijos não precisavam vir de fora do estado ou do País. Àquela altura, alguns produtos já eram reconhecidos internacionalmente e premiados em importantes provas no Brasil e no exterior.

CRESCIMENTO A queijaria Pé do Morro, em Cabreúva, que abriu as portas para o turismo gastronômico na região: picnics
sob as árvores e planos de expansão para atender melhor os visitantes (Crédito:Divulgação)

Da união dos produtores nasceu o Caminho do Queijo Artesanal Paulista, iniciativa da agência de comunicação especializada em gastronomia Coentro Comunica que logo foi apadrinhada pela Secretaria de Agricultura e Abastecimento do Governo do Estado. Além de um mapa com a localização das queijarias que aderiram ao projeto (confira no quadro), foi criado um selo para assegurar o padrão de qualidade dos produtos. “Hoje, metade do nosso faturamento vem das visitas”, afirmou o produtor Érico Kolyae, de 36 anos, dono da queijaria Pé do Morro, em Cabreúva, na Serra do Japi, a cerca de 80 km da capital. Com quatro funcionários para atender ao público crescente, ele agora quer expandir a área de visitas, atualmente em torno da casa onde mora. “Nosso maior problema é oferecer vagas de estacionamento para todos”, disse, enquanto ajudava carros a manobrar.

“Eu não quero fazer queijos de muitos estilos e sim me dedicar à qualidade de cada um” Érico Kolyae, produtor e dono da queijaria pé do morro, em cabreúva (Crédito:Divulgação)

Menor das queijarias do Caminho Paulista, a Pé do Morro nasceu com outra vocação: produzir vinho e azeite. Videiras (exclusivamente da variedade Syrah) e oliveiras foram plantadas na propriedade em que o ex-executivo de uma multinacional alemã decidiu montar depois de ter vivido com produtores de vinho na região de Mendoza, na Argentina, e de queijo, na Suíca. As vacas leiteiras, que hoje somam 26 animais, só vieram depois. E se é o olho do dono que engorda o gado, neste caso pode-se dizer que são as mãos. “Hoje, às seis da tarde, eu vou inseminar uma vaca”, afirmou. O sêmen, segundo ele, vem da Nova Zelândia e foi escolhido por conferir à genética do rebanho uma produção de leite com mais matéria sólida, o que se traduz em um leite de alta qualidade para a produção de queijos.

PIONEIRISMO O Queijo Tulha, produzido na Fazenda Atalaia, em Amparo, foi o primeiro a receber medalha de ouro no World Cheese Awards, na Espanha, em 2016 (Crédito:Divulgação)

Aos visitantes, a queijaria empresta cestas com toalha xadrez, facas, tábuas, taças de vinho, copos e uma garrafa d’água. Cada um se abastece com os itens que preferir para o picnic sob as árvores. Numa geladeira ficam os queijos e a manteiga produzidos ali, além de embutidos. Há outra com vinhos, espumantes e cervejas. Baguetes crocantes são assadas pelo pai de Érico ali mesmo. A produção de queijos é limitada a cinco tipos, todos excelentes. Lua é o nome do mais suave, inspirado no estilo camembert. Sol, o mais intenso, segue a linha montanhês. Entre um e outro há o Quina (cremoso e de casca dura), o Granito (de mofo acinzentado com pintas azuladas) e o Piazinho, de casca lavada, com aroma que lembra o italiano taleggio. “Eu não quero fazer queijos de muitos estilos diferentes e sim poder aprimorar a qualidade da cada um deles”, afirmou Kolyae. A visita à queijaria permite entender melhor como é feito cada um deles e até passear perto dos animais, algo que aproxima o consumidor do pequeno produtor.
Essa, por sinal, é uma das propostas do manifesto assinado pelos integrantes do Caminho do Queijo Artesanal Paulista. Juntos, eles elaboram mais de 100 variedades a partir de leite cru ou pasteurizado de búfala, vaca, cabra e ovelha. Alguns são extremamente frescos e delicados, como os da Leiteria Santa Paula, que fica no caminho entre os municípios de Casa Grande e São José do Rio Pardo. Outros são maturados em cavernas subterrâneas, como a que o casal de queijeiros Ricardo Rettmann e Maria Clara Serra construiu na queijaria Rima, em Porto Feliz, especialmente para o Guaianá, variedade que permanece maturando por cerca de 60 dias.

CUESTA Queijo da Pardinho Artesanal foi um dos quatro brasileiros com a premiação máxima no Mundial du Frome, este ano, na França (Crédito:Divulgação)

Em Amparo, a 140 km da capital, a Fazenda Atalaia foi formada em 1870, época áurea do café, e se preserva ainda hoje como um raro exemplo de história e arquitetura daqueles tempos. A partir da década de 1940, quando a administração da propriedade passou para as mãos da família Matta, de origem libanesa, a fazenda transcendeu a produção de café. Incorporou um alambique (que hoje dá lugar a uma marcenaria) e a produção de pecuária leiteira, com a criação de vacas de raça holandesa. Em 2016, o Queijo Tulha, fabricado a partir de uma massa cozida com leite de vaca tipo A, com baixo teor de gordura e maturação de 8, 12 ou 18 meses foi o primeiro produto brasileiro premiado com uma medalha de ouro no World Cheese Awards, em San Sebastian, na Espanha. Segundo os produtores, a casca dura ganha um tom avermelhado graças às condições em que o queijo amadurece na tulha. Seu sabor é delicadamente cítrico, com a presença de cristais que lembram maracujá. Outros destaques da Fazenda Atalaia são o queijo Mogiana (maturado por 120 dias e alaranjado por conta do uso de urucum na massa) e o Mantiqueira, em duas versões. A casca pode ser maturada com alecrim ou lavada na cerveja escura do tipo Stout. Falando em prêmios, o Brasil foi o segundo país com mais medalhas no Mondial du Fromage e des Produits Laitires, na França, encerrado em 14 de setembro. Conquistou 57, das 331 concedidas. O Cuesta, da queijaria Pardinho Artesanal, foi um dos quatro brasileiros a conquistar o prêmio máximo, duplo ouro. Os outros três são da Serra da Canastra, em Minas Gerais. Infelizmente não há visitação à queijaria de Pardinho.

Divulgação
MATURAÇÃO E INOVAÇÃO Na BelaFazenda, em Bofete, a veterinária e queijeira Carolina Bittencourt usa leite de vacas Jersey fermentado com kefir (Crédito:Divulgação)

Mas nem por isso a região, que fica no Polo Cuesta, uma formação montanhosa singular, está fechada ao turismo gastronômico. Na vizinha Bofete (cerca de 200 km da capital), a médica veterinária e queijeira Carolina Vilhena Bittencourt se dedica a um trabalho incessante de pesquisa para aprimorar a qualidade dos produtos da BelaFazenda. O leite é de vacas Jersey de criação própria e fermentado com kefir. Entre suas especialidades estão queijos de mofo azul, com massa mole e aroma marcante. O Bem Brasil Rústico, de casca mofada, é ligeiramente ácido. O Soberano, de massa prensada e não cozida, é firme, com aroma de amêndoas, e maturado de seis meses a um ano, em peças de 5 kg.

Com tanta variedade e produtores cada vez mais dedicados a elevar o padrão do queijo artesanal paulista, o estado não apenas entrou no mapa como criou o seu próprio. E desvendar o Caminho do Queijo Artesanal Paulista é um programa que combina turismo gastronômico, história e muito aprendizado. Escolha seu destino, agende uma visita e prepara-se para uma bela viagem no mundo dos queijos.