Aimagem pode parecer simplista, mas é verdadeira. Há vários anos, o agronegócio vem “carregando o Brasil nas costas”. Desde que o País deixou a UTI cambial, no início de 2003, praticamente todo o superávit no comércio exterior teve sua origem nas lavouras e nos pastos espalhados pelo Brasil rural. Nos setores industriais, quando não houve déficit, registrou- se um empate técnico. Até aí, nada de novo. A grande surpresa, no entanto, foi o espetacular desempenho das exportações agrícolas, mesmo num cenário muito adverso. Desde o início do ano, o real foi a moeda que mais se valorizou no mundo – avançou cerca de 15% em relação ao dólar. Em função disso, houve gritaria generalizada por detrás das porteiras, porque as vendas do agronegócio deveriam ficar menos competitivas no Exterior com o dólar abaixo de R$ 2. Só que os números mostram o contrário. De janeiro a junho, o Brasil vendeu US$ 32 bilhões, o que representa um ganho de 20% em relação aos US$ 26,5 bilhões do mesmo período do ano passado. Alguns setores, como o milho, que foi favorecido pelo boom do etanol nos Estados Unidos, tiveram resultados ainda mais expressivos, como a alta de 220% nas vendas externas. “O Brasil foi extremamente favorecido por uma demanda mundial muito alta, que vem sendo puxada pelo aumento do consumo global, em especial nos países asiáticos”, explica o pesquisador Sérgio De Zen, Centro de Estudos Avançados em Economia Aplicada (Cepea), da Esalq – USP Piracicaba.

“Essa crise pode afetar os preços, mas entendemos que ela é conjuntural e passageira”

REINHOLD STEPHANES: ministro da Agricultura

Essa explosão de consumo fez com que os prejuízos do câmbio fossem compensados por um fenômeno que correu na direção oposta. Em 2007, os preços das commodities, que são as principais matérias-primas exportadas pelo Brasil, atingiram seus picos históricos. Isso fez com que o Brasil enchesse cada vez mais navios com café, soja, sucos, açúcar, álcool e carnes, entre muitos outros produtos. No capítulo das proteínas animais, de fato, os números saltam aos olhos. Até julho de 2006, o segmento tinha exportado US$ 4,4 bilhões. Neste ano, no mesmo período, as vendas já totalizaram US$ 6,1 bilhões, um aumento de 38%. O destaque fica para a carne de frango, cujas vendas cresceram 51,5%, alcançando a casa de US$ 2,5 bilhões. “Estamos surpresos com o desenvolvimento do nosso setor e, se não fosse o câmbio, o primeiro semestre teria sido ainda melhor”, comenta Christian Lohbauer, presidente- executivo da Associação Brasileira dos Produtores e Exportadores de Frangos (Abef). Para o pesquisador De Zen, a competitividade brasileira no segmento é imbatível. “Na carne bovina, por exemplo, não há como outros países invadirem a praia do Brasil. Nós temos o melhor custo de produção”, diz. Além disso, os bons ventos internacionais não ficaram restritos aos frigoríficos e chegaram também aos pecuaristas, que hoje contam com uma arroba acima de R$ 60.

No mundo dos grãos, os preços ajudaram muito os produtores. Na soja, as cotações subiram 19,2%, em função das projeções de redução da safra norte-americana, e as vendas saíram de US$ 5,6 bilhões passando para US$ 6,7 bilhões. O café avançou 26,5% e vários outros setores registraram crescimentos significativos (leia quadro abaixo). A questão é que tudo isso foi conseguido num ambiente de euforia que talvez não dure muito tempo. A era de opulência internacional parece ter ficado para trás com a crise dos mercados financeiros que eclodiu em agosto. Essa turbulência fez os primeiros estragos nas bolsas de valores, mas também pode chegar ao agronegócio. Isso porque os preços das commodities, simplesmente, desabaram. “Voltaremos aos níveis de preços de 2004”, prevê Fábio Silveira, sócio da consultoria RC Consultores.

Fazer prognósticos dessa natureza é algo sempre complicado. Mesmo porque, alarmado com o potencial destruidor da crise, o banco central americano reduziu os juros e jogou água na fervura. Isso fez com que, no final de agosto, a crise parecesse sob controle. “É um fenômeno conjuntural, que pode afetar os preços, mas que será passageiro”, previu o ministro da Agricultura, Reinhold Stephanes. Os produtores torcem para que ele tenha razão e esperam até que essa crise ajude a desvalorizar o real. “Se não fosse o câmbio, a rentabilidade no campo poderia ter sido muito melhor”, aponta José Vicente Ferraz, diretor da consultoria Agra FNP. De qualquer forma, os números revelam que, no geral, os preços internacionais pesam mais na balança do que a questão cambial. Por isso, a Confederação Nacional da Agricultura prevê um saldo de US$ 47 bilhões do agronegócio neste ano, o que representaria um avanço de 10% em relação a 2006 – a metade dos 20% de ganho que houve no primeiro semestre. Se o ano terminar assim, já será bom demais. Afinal, a torcida dos exportadores é para que a turbulência atual seja apenas um vento ruim e se dissipe logo.