O mercado brasileiro de leite e derivados está ganhando um sotaque francês. Isso porque a Lactalis, maior produtora de leite e derivados do mundo, resolveu entrar de vez no País. A companhia, dona da marca 
de queijos President, famosa por seu camembert, promoveu uma reviravolta no setor lácteo nacional ao adquirir, num intervalo de 15 dias, duas grandes operações no Brasil: a divisão de lácteos da BRF, por R$ 1,8 bilhão, e quatro unidades de produção da LBRLácteos Brasil, que está em recuperação judicial, por R$ 200 milhões. Dessa forma, os franceses assumiram a segunda posição entre os maiores produtores de leite do País, atrás apenas da DPA. A primeira posição, no entanto, pode acontecer ainda neste ano, já que a atual líder concentrava a captação de leite da suíça Nestlé e da neozelandesa Fonterra, parceria que foi desfeita em maio deste ano. 

Esse avanço do grupo francês deve, de quebra, representar a volta de uma antiga conhecida do mercado, que chegou a liderar o segmento, mas vinha enfrentando dificuldades: a Parmalat. A Lactalis assumiu o controle, no exterior, em 2011, da companhia italiana que fez sucesso no Brasil ao envolver-se em um ousado plano de marketing nos anos 1990, cujo carro-chefe incluiu um parceria de cogestão com o time de futebol Palmeiras. Em 2003, a Parmalat italiana quebrou, após a descoberta de um rombo contábil de € 14 bilhões. No Brasil, após algumas trocas de dono, a marca acabou nas mãos, justamente, da LBR. 
Com a aquisição, a empresa francesa volta a deter o controle da marca por aqui.

Os planos da Lactalis são de usar o nome Parmalat como o seu principal ativo no Brasil. Segundo Samuel Oliveira, diretor do banco Indusval, que representou os franceses na negociação com a BRF, a direção da companhia acredita que há muito espaço para crescer no mercado local, em virtude do baixo consumo per capita de produtos lácteos, atualmente em torno de 180 litros por ano. Na Europa e nos Estados Unidos, a média ultrapassa 230 litros. No período entre 2005 e 2011, o consumo brasileiro cresceu de forma acelerada, chegando a um aumento de 23%. Nos últimos três anos, no entanto, o consumo tem permanecido estável. Paralelamente, graças à melhora do poder aquisitivo da população, a receita com os lácteos tem apresentado um bom desempenho. No ano passado, o setor movimentou R$ 62 bilhões, ante R$ 56 bilhões em 2012. “O Brasil é um dos maiores produtores de leite do mundo e as grandes empresas do setor precisam estar presentes”, afirmou Oliveira, ao jornal The Wall Street Journal. 

Do lado da BRF, a venda das unidades lácteas integra a estratégia de concentração nos mercado de carnes e alimentos prontos. Essa postura vem sendo adotada desde que o empresário Abilio Diniz assumiu a presidência do seu conselho de administração, no ano passado. Além dos ativos lácteos, a empresa também se desfez de sua operação de carne bovina, vendida ao grupo Minerva em novembro de 2013. Nem todos os analistas de mercado, porém, avaliaram positivamente o movimento da BRF no setor de lácteos. “As marcas da BRF tinham participações relevantes nesse mercado”, afirma a analista Karina Freitas, da corretora Concórdia, em relatório. Entre elas, Karina cita a Batavo e a Elegê, que agora se unem à Parmalat para formar a nova gigante do leite.  

Fundada em 1933, na cidade de Laval, no norte da França, pelo empresário André Besnier, a Lactalis hoje é comandada pela terceira geração da família. Seu neto, Emmanuel Besnier, é o atual CEO. Sob seu comando, a companhia deu início a uma agressiva estratégia de crescimento via aquisições, que resultou na compra de 28 empresas no mundo inteiro e num faturamento de E 16 bilhões, no ano passado. Dono de uma fortuna estimada em US $ 7,5 bilhões e adepto de um estilo discreto, conhecido na França como o “rei do queijo”, tem a fama de investir na qualidade dos produtos, priorizando a compra direta dos produtores de leite. A Lactalis, que até 1999 tinha o nome de Société Laitière Besnier, começou a se tornar um gigante do setor de leite ao transformar queijos artesanais, como o camembert e o brié, em sucessos comerciais produzidos em escala industrial. A Lactalis desembarcou no Brasil, no ano passado, após a compra da fabricante de queijos gourmet Bakis, de Minas Gerais. Com as duas novas aquisições, que fazem parte da ousada estratégia de expansão, seu faturamento no País deve chegar a R$ 3,5 bilhões já neste ano.