O Brasil não para de crescer em produtividade e produção agrícola. Nos últimos anos, o agronegócio brasileiro só fez comemorar recordes no volume colhido – como a atual safra, prevista em 186 milhões de toneladas de grãos, segundo o levantamento de agosto da Companhia Nacional de Abastecimento (Conab). Mas a que preço o produtor brasileiro vai dar conta de se manter nesse cenário? Desde fevereiro, quando o governo federal declarou emergência fitossanitária em virtude do surgimento da helicoverpa armigera – uma lagarta voraz que tem atacado plantações de soja e algodão, causando prejuízo de pelo menos R$ 2 bilhões aos produtores –, há dúvidas quanto ao futuro da segurança da produção agrícola nacional. Os pontos cruciais, segundo especialistas, estão nas deficiências do sistema de inovação de tecnologias e do sistema regulatório fitossanitário do País. O alarme está piscando: oficialmente listadas no Ministério da Agricultura, há 500 pragas quarentenárias. Isso quer dizer que existe, de fato, o risco real de que alguma delas, a qualquer momento, possa novamente atacar de forma sistemática e devastar lavouras brasileiras, como vem fazendo a helicover­pa na Bahia e em Mato Grosso.

Para o agrônomo Carlos Arthur Franz, coordenador-geral de proteção de plantas do Departamento de Sanidade Vegetal (DSV) do Ministério da Agricultura, a maior deficiência do atual sistema de defesa nacional é a falta de um fundo de emergência para o socorro imediato em caso de ataque de pragas exóticas. “O estado de emergência decretado para a helicoverpa está nos mostrando, mais uma vez, como são imensas as dificuldades na implementação de ações”, diz Franz. Entre elas está a falta de verba para a contratação de especialistas e a assistência aos produtores. No caso da helicoverpa, até o fim do mês passado, as autoridades sanitárias não haviam definido qual agroquímico os agricultores poderiam usar para combater a lagarta. A demanda é pelo benzoato, um produto já utilizado em hortaliças como alface, mas proibido para lavouras de grãos e fibras.

Atualmente, um decreto prevendo prerrogativas para emergências sanitárias e fitossanitárias começa a entrar na pauta de discussão no governo federal. “Para formalizar o decreto, a ideia é mostrar a relevância do problema em todas as esferas de governo”, diz Franz. Um dos pontos do decreto proposto pelo DSV é justamente a criação de um fundo de reserva para combate de pragas e monitoramento das lavouras. “O tema é embrionário, mas sem volta.” Para Eduardo Daher, diretor-executivo da Associação Nacional de Defesa Vegetal (Andef), não pode faltar agilidade no atual processo regulatório brasileiro. “A demora é um degrau a mais no agravamento da situação no campo”, diz. “Sem regulamentação, os atrasos na liberação e na entrega de produtos é constante, mesmo em casos emergenciais.”

Em sanidade, segundo Franz, o caminho mais seguro é trabalhar com monitoramento preventivo da lavoura, que é uma das ações prevista no fundo. “Gasta-se muito menos”, diz. Estudar uma praga para o desenvolvimento de tecnologias preventivas ao seu surgimento pode levar até dez anos, a um custo estimado de até r$ 1 milhão. Segundo a Embrapa e a Sociedade Brasileira de defesa Agropecuária, entre as pragas com chance de chegar rapidamente ao País estão o pulgão da soja e a necrose letal do milho. O pulgão, já presente na China e nos estados Unidos, tem uma voracidade suficiente para reduzir em até 50% a produção de uma lavoura, especialmente na região Sul do País, pelo clima quente e úmido no verão. No ano passado, a necrose do milho apareceu no Quênia, país tropical como o Brasil. Há também na lista a xanthomonas do arroz, praga que provoca a podridão do grão, ocorrência registrada na Ásia e na América do Sul. O vice-presidente sênior da Unidade de Proteção de Cultivos da Basf para a América Latina e de Sustentabilidade para a América do Sul, Eduardo Leduc, acredita no surgimento cada vez mais veloz de novas pragas nas lavouras, não somente no Brasil, mas também em seus vizinhos. “Isso agrava a questão fitossanitária do País”, diz Leduc. A doença monília do cacaueiro, por exemplo, que até 2010 era encontrada apenas em lavouras a oeste da Cordilheira dos Andes, já dizimou plantações de cacau na Colômbia, no Peru e no equador. Alguns especialistas afirmam que essa doença pode romper a fronteira do Brasil em apenas dois anos. “Não vai mais existir uma única solução ou um produto que resolva”, diz Leduc. “Será preciso colocar em prática um sistema de manejo integrado.”

Nesse sistema, o tratamento de semente, a alternância de agroquímicos com princípios ativos diferentes, espaços de vazio sanitário e rotação de cultura passam a ter uma força muito grande também no controle de pragas que já entraram no País, além do combate das novas. E não há fórmulas prontas no mercado, pois não existem sistemas desenvolvidos em outros países que funcionem nas lavouras brasileiras, devido à dinâmica da agricultura e ao clima tropical do País. Um exemplo é a ferrugem asiática na soja, praga que depois de dez anos de incidência nas lavouras começou a mostrar resistência aos agroquímicos. Ao longo desses anos, as perdas nas áreas cultivadas com soja no País são estimadas em R$ 40 bilhões.

Não por acaso, a Comissão nacional de Cereais, Fibras e oleaginosas, da Confederação da Agricultura, afirma que na safra 2013/2014 o País poderá sofrer graves perdas por incidência das pragas exóticas de difícil controle. Segundo a entidade, não é apenas a helico­ verpa que preocupa os produtores. Pragas já conhecidas, como a mosca-branca e a ferrugem asiática, estão em risco de ficar fora de controle e afetar ainda mais a produtividade de soja, algodão, feijão e milho.