Todos os dias, assim que o sol raia no horizonte, Dheivid Marcos de Resende, de Estrela do Sul, município do Triângulo Mineiro, pula da cama e vai para o campo. A pressa não tem nada a ver com a fama da região, conhecida pelo garimpo centenário, no qual já foram encontrados diamantes de quilates altíssimos. As pedras, que ainda podem ser encontradas nas proximidades do rio Bagagem, já deixaram muita gente milionária em tempos passados, como a que leva o nome da cidade, de 261 quilates, e que chegou a ser exposta no Museu do Louvre, em Paris. Resende pula da cama para cuidar de suas 53 vacas e de Fecial, um touro da raça guzerá, que aos quatro anos pesa 500 quilos. O touro, a verdadeira joia de Resende, é o primeiro animal comprado por ele com documento de procedência, emitido pela Associação Brasileira de Criadores de Zebu (ABCZ) e garantido pelo Ministério da Agricultura. Mas, nas contas da fazenda Bela Vista, herdada por resende em 2006, Fecial é o terceiro animal adquirido. “O primeiro touro pulava a cerca e por isso mandei para o abate, o segundo ficou doente”, diz. “Na época, os animais foram avaliados no olho, tipo acho que é bom.”

Em janeiro, começaram a nascer os primeiros filhos de Fecial. A partir de agosto, quando os bezerros forem desmamados de suas mães, o pecuarista espera vendê-los por r$ 750 cada um, valor 25% superior a dos bezerros comuns, tomando os preços atuais. “Com bezerro de melhor qualidade posso pensar em crescer”, diz resende. “O bezerro bom sempre vai valer mais.” Atualmente, ele vende 40 animais por ano. A história de Resende com Fecial está sendo contada de modo diferente da dos demais touros que passaram pela Bela Vista, porque no ano passado os caminhos do produtor se cruzaram com os da ABCZ. Resende foi convidado a assistir a uma palestra sobre melhoramento genético e a importância do introdução de animais superiores no rebanho. Na sequência, ele participou de uma feira em Uberlândia, a 100 quilômetros da fazenda, onde escolheu Fecial. Resende comprou o touro em uma das 145 feiras já realizadas pelo Programa de Qualidade Genética do Rebanho Bovino Brasileiro, o Pró-Genética, criado pela ABCZ em 2006 para vender touros de raças leiteiras e de corte.

Em fevereiro deste ano, o Pró-Genética foi encampado pelo governo federal como um programa oficial, portanto, um instrumento de polí- tica pública. o acordo de cooperação técnica foi assinado entre a ABCZ, a associação brasileira das empresas de Assistência Técnica e Extensão Rural (Asbraer) e o governo federal, através dos Ministérios da Agricultura e do Desenvolvimento Agrário. “Com o acordo, será mais fácil negociar nossas ações daqui para a frente”, diz rivaldo Machado Borges Júnior, diretor do Pró-Genética. Antes da assinatura do acordo, a realização de cada feira era negociada diretamente nos sindicatos rurais. Agora, elas serão definidas juntamente com as federações de agricultura. “Só em Minas temos 388 sindicatos”, diz borges Júnior. “Íamos a cada um deles propor o Pro-Genética.”

Com essa política a conta-gotas, além de Minas Gerais, a ABCZ, juntamente com as empresas de assistência técnica, já expandiu o programa para espírito Santo, Bahia, Sergipe, Pernambuco, Rio Grande do Norte, Pará, Rondônia e Goiás. Neste ano, estão entrando Paraíba, Distrito Federal, Tocantins e Mato Grosso. Agora, para dar agilidade ao processo e decidir pelos locais mais adequados às novas feiras, a ABCZ está mapeando onde estão os maiores rebanhos de fêmeas e cruzando os dados com o número de pequenas propriedades rurais. “Não há lugar neste país que não tenha carência de touros de boa genética”, diz lauro Fraga Almeida, gerente de fomento do programa. “Mas, com o mapeamento, será mais fácil detectar onde está o nosso público.” Um dos interessados na expansão das feiras é o criador de nelore Francisco Olavo Pugliesi de Castro, da fazenda Pauliceia, em Rondonópolis (MT), herdeiro de um dos trabalhos mais respeitados entre os pecuaristas. Dessa fazenda saiu, por exemplo, o touro Panagpur, que na década de 1990 teve sua genética usada por quase todos os neloristas. “A fazenda tinha como histórico a conta de quem compra pouco e leva no mínimo sete touros”, diz Castro. “Mas nos últimos dez anos isso mudou, muita gente vai até a fazenda em busca de um touro.” A Pauliceia vende, por ano, 400 touros.  Deles, 220 são comercializados em leilão e os demais na fazenda. “A pulverização da demanda significa que o pequeno produtor está procurando melhorar sua genética”, diz Castro. De acordo com ele, a realização de uma feira em rondonópolis, região com muitos assentamentos rurais, seria uma iniciativa bem-vinda. Para Castro,o pequeno produtor é um bom pagador. “Temos que acabar com o preconceito de que não é seguro vender para esse pessoal”, diz. “nunca levei calote.”

No Brasil, 91% das propriedades rurais têm até 500 hectares, segundo o IBGE. O pecuarista anderson Rocha Resende, da fazenda Limeira, também de Estrela do Sul, é um desses pequenos proprietários. Rocha Resende cria 74 vacas nelore, em 68 hectares. Com o Pró-Genética, ele já comprou dois touros da raça brahman, um pago à vista e outro financiado pelo Pronaf, programa do governo federal destinado ao fortalecimento da agricultura familiar. “Até alguns anos atrás, era muito caro comprar touro bom, nunca achava por menos de R$ 7 mil”, diz Rocha Resende. “Hoje, posso ficar com um bom touro por R$ 5 mil, faço dinheiro com os bezerros e assim melhoro meu negócio”, diz ele. De acordo com o presidente da ABCZ, Luiz Cláudio Paranhos, a ideia é vender touros por preços equivalentes entre 40 e 60 arrobas de boi gordo. “O produtor paga com facilidade o investimento”, diz Paranhos.

Os bezerros nascidos na fazenda limeira são vendidos também para pequenos pecuaristas, que fazem a engorda, ou em leilões, para grandes criadores. Ricardo de Paiva, técnico da Emater, envolvido na divulgação do Pro-Genética e no apoio técnico aos criadores, viu nos bezerros de melhor qualidade uma oportunidade de negócio e resolveu tornar-se pecuarista. Atualmente, ele arrenda uma área de 87 hectares, próximo de Estrela do Sul, na qual pretende engordar 100 fêmeas. “Esse tipo de animal é filé no frigorífico”, diz Paiva. “Todo mundo quer.” Para o superintendente técnico da ABCZ, o geneticista Luiz Antonio Josahkian, o uso de touros melhoradores nas pequenas propriedades é uma história sem volta. “Quando o pecuarista entende que a boa criação é uma conjunção de manejo, nutrição e genética, está feita a lição de casa”, diz Josahkian.