Habitado por mais de 7,7 bilhões de pessoas, o mundo vive uma pandemia da fome. O Programa Mundial de Alimentos (PMA) da ONU estima que uma a cada 10 mil pessoas morra devido à desnutrição por dia no mundo. Ainda não há estudos que mostrem o que acontecerá se a população global aumentar para 9,7 bilhões em 2050, caso as projeções se realizem. De certo, segundo a ONU, a produção de alimentos precisa crescer entre 20% e 40% no período. Com um pormenor relevante: o desafio é aumentar a capacidade produtiva sem avançar para áreas de vegetação nativa. O Brasil, em que pesem as más línguas, tem feito sua parte. No intervalo entre 2006 e 2017, o rendimento em quilos por hectare plantado em algodão herbáceo passou de 2,9 mil para 4,1 mil; a soja foi de 2,5 mil para 3,3 mil; o milho, de 3,5 mil para 5,5 mil; e o arroz, de 4 mil para 6,4 mil, segundo o Censo Agropecuário 2017 do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Resultados obtidos por uma engenharia celular invisível aos olhos. “Não existe nenhuma planta ou cultura que a gente consuma hoje que não tenha um melhoramento genético por trás”, disse Guilherme Cruz, gerente de ciências regulatórias para biotecnologia da Bayer Crop Science.

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Com o avanço genético é possível adaptar plantas a condições adversas E torná-las ainda mais precoces e produtivas

Essa revolução começou com um monge no século XIX. George Mendel cruzou variedades de ervilhas e destrinchou as relações entre os genes recessivos e dominantes, sendo considerado o inventor da genética como ciência. “Essas descobertas possibilitaram a nós, melhoristas, a oportunidade de adaptar as plantas a condições adversas, torná-las mais precoces e fazer com que elas continuem produzindo mais e mais”, afirmou Carlos Raupp, líder de pesquisa em sementes na Corteva Agriscience para Brasil e Paraguai. Com a continuidade de pesquisas sobre o tema, surgiram novas técnicas ainda mais precisas, entre elas a seleção genômica. Ela ajuda na compreensão de como os genes estão organizados no DNA, sua função, regulação e interação com outros genes. Os estudos na área tornaram possível a identificação dos marcadores genéticos nos organismos capazes de diferenciar, predizer e caracterizar um indivíduo por meio do genótipo e da sua capacidade de reproduzir na descendência, como explica Guilherme Cruz, da Bayer. “Os marcadores nos ajudam a identificar as características em que temos maior interesse, como a capacidade produtiva, resistência da planta a doenças e a estresses hídricos. Dessa forma conseguimos predizer um resultado mais próximo do que esperamos.”

NA PRÁTICA Como consequência dessa série de estudos, novas variedades de sementes chegam ao mercado, como os dois híbridos de milho lançados pela Pioneer, marca de sementes da Corteva Agriscience. Com a tecnologia Optimum AQUAMAX, os produtos são resultado do melhoramento feito a partir da seleção de híbridos – obtidos por meio do cruzamento forçado entre duas plantas de linhagens puras diferentes – com alto potencial produtivo e eficiência na utilização da água. A pesquisa foi conduzida ao longo dos últimos dez anos no Brasil e mais de 40 anos no mundo. Além de utilizarem o melhoramento convencional para o desenvolvimento, genes da bactéria BT (Bacillus Thuringiensis) foram conferidos à planta, com a intenção de torná-la mais tolerante a insetos. A técnica é configurada como transgenia, em um processo complexo conforme afirmou Raupp. “Tolerância a insetos por melhoramento convencional é difícil, mas não impossível. Por isso há uma série de pesquisas para podermos compreender mais o genoma e conseguir transferir características de uma planta para outra, sem a necessidade da transgenia”. No Brasil, transgênicos são comuns nas culturas do milho, soja e algodão, segundo Cruz. “Atualmente, os genes BT são os mais aplicados nas plantas, o que as tornam mais resistentes a ataques de insetos, como a lagarta-do-cartucho”, disse. Para certificar que o produto é seguro e pode ser comercializado, ele deve passar pela aprovação da Comissão Técnica Nacional de Biossegurança (CTNBio).

“Não existe nenhuma planta ou cultura que a gente consuma hoje que não tenha um melhoramento genético por trás” Guilherme Cruz, Bayer Crop Science (Crédito:Rogerio Albuquerque)

PECUÁRIA Técnicas de melhoramento também são amplamente usadas na criação de animais, de acordo com Maria Gabriela Peixoto, pesquisadora da Embrapa Gado de Leite. Exemplo vem do plantel leiteiro cuja produtividade passou de 1,6 mil para 2,6 mil litros de leite por vaca por ano, segundo o Censo Agropecuário 2017. “Boa parte dos aumentos alcançados nas médias das características de interesse econômico aos sistemas de produção, tais como ganho de peso, habilidade materna e produção de constituintes do leite, podem ser atribuídos ao melhoramento genético”, disse a pesquisadora.

Para Roberta Gestal, diretora executiva da Melhora +, consultoria genética, a avaliação genética de touros e vacas melhora as médias de desempenho produtivo dos rebanhos de modo científico. “A inclusão dos dados de genótipos e fenótipos permite aumentar a acurácia de predição do valor genético dos animais, além de encurtar o intervalo de gerações”, disse. Para a obtenção de dados genômicos, o DNA é extraído do pelo da cauda, do sangue ou do sêmen. Feita essa parte, as estratégias de seleção ou cruzamento necessitam da previsão da capacidade de transmissão de características de um animal, conhecida por Diferença Esperada na Progênie (DEP). Ou ainda como Capacidade Prevista de Transmissão (PTA). Outro parâmetro importante é a acurácia que se pode ter no valor genético predito para um animal, que varia entre 0% e 100%. O percentual informa sobre as chances de o animal expressar suas características na descendência.

“O melhoramento trabalha para o futuro. Por isso temos que olhar o que vai ser demandado a longo prazo, para nos planejarmos e promovermos as mudanças necessárias” Maria Gabriela Peixoto, Embrapa (Crédito:Divulgação)

FUTURO ADAPTADO Desde a década de 1970, segundo Maria Gabriela, o setor agropecuário passa por evoluções conquistadas com o avanço da genética. “O melhoramento trabalha para o futuro. Por isso temos que olhar o que vai ser demandado a longo prazo, para nos planejarmos e promovermos as mudanças necessárias”, disse. Nessa jornada, ainda há muito a ser descoberto. Para isso há uma busca incessante por métodos e análises que deem respostas mais assertivas e precisas. “A ideia é continuarmos produzindo ainda mais dependendo cada vez menos da expansão da fronteira agrícola”, afirmou Cruz, da Bayer.