Boa de prosa, como ela mesma gosta de falar, Teresa Cristina Vendramini tem um sotaque que engana. Minas? Não. Goiás? Também não. Teresa é de São Paulo mesmo. Do interior. Nasceu em Adamantina, cidade mais próxima de Flórida Paulista — morada de 14,9 mil habitantes onde o salário médio mensal é de R$ 2 ,4 mil e que fica 590 km distante da capital. Esse foi o destino escolhido pelos avós Orlando e Chiquinha para se instalarem em um pedaço de terra. Descendente de italianos e espanhóis, ela é pouco dada a formalidades. Prefere ser chamada de Teka. Seus antecedentes também contribuíram para a construção de uma personalidade marcante que mistura simplicidade e assertividade. Some a suas características determinação e resiliência, que ficam claras ao conseguir o feito de ser a primeira mulher a assumir a presidência da centenária Sociedade Rural Brasileira (SRB) em 2020 e se tornar uma pecuarista reconhecida pelo mercado pela sua competência.

Rubens Cardia

No comando da Fazenda Jacutinga há 12 anos, a história de Teka é semelhante a de vários representantes de uma nova geração de produtores rurais. Ela assumiu os negócios da família de supetão após o falecimento do pai, Vanderly Nunes. Não houve processo de sucessão. Não houve preparação para o desafio que enfrentaria. E assim ela entrou para uma estatística preocupante para a sustentabilidade do agro. De acordo com pesquisa realizada pelo Instituto Brasileiro de Governança Corporativa (IBGC) e pela consultoria KPMG, cerca de 70% dos empreendimentos familiares rurais no Brasil não se preocupam em criar um programa de treinamento para as novas gerações. Detalhe importante: 80% das propriedades do campo são controladas por gestão familiar. Ou seja, de cada dez fazendas, oito têm gestão familiar e apenas 2,4 têm plano de sucessão estruturado.

O foco do negócio é a venda de bois de até 2 anos e 600 kg

Apesar de, naquele momento, não ter ligação profissional com o agro — ela é formada em sociologia política e morava na cidade de São Paulo desde os 20 anos — na partilha dos bens recebeu a Fazenda Jacutinga. Os sentimentos foram mistos. “Era muito simbólico e emocionante eu estar com a primeira fazenda da família”, disse Teka à RURAL. Esse era o melhor lado da situação que enfrentava. De outro, um frio na barriga. “Vi que era um grande trabalho. Uma luta sobre a qual eu não sabia nada.” Para dar ainda mais emoção, a propriedade de 80 anos estava toda arrendada para plantação de cana-de-açúcar e a saúde financeira não era das melhores. Aos poucos, foi colocando bois nos pedacinhos de terra que estavam vagos enquanto renegociava contratos. Ela não é afeita a falar de números, mas disse que no começo tinha cerca de 100 cabeças de gado.

No álbum de família, uma história que começa na década de 50 com os avós

A escolha pela pecuária foi quase ingênua. “Meu pai sempre teve alguns gados na fazenda e pensei que seria a escolha mais fácil.” Logo ela descobriu que não era bem assim. Sem muito traquejo para gerir os negócios, recorreu a cursos e consultorias em entidades como a Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa), a Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiroz (Esalq/USP) e a Scot Consultoria, empresa dedicada à competitividade do agronegócio brasileiro. “Lembro que ao fazer o primeiro curso na Scot me deu vontade de sair correndo porque não entendia nada”, disse Teka. Com caderno na mão, foi em frente. Aprendeu sobre genética, saúde animal, conforto térmico, uso da terra e da água. “Eu não tinha dinheiro, mas entendi que se tivesse pasto de qualidade, animais de boa procedência e cuidasse da gestão, o negócio daria certo.”

Além das consultorias externas, a pecuarista teve – e ainda tem – ajuda do agrônomo José Arlindo Freato, seu braço direito. Nessa jornada, começou a conviver com o que há de mais moderno na ciência da pecuária brasileira com um passado do qual se orgulha. Enquanto fazia inseminação de angus, podia contemplar uma garagem de madeira que foi construída pelo próprio avô como a primeira moradia dele e da avó. Enquanto negociava contratos de exportação de animais vivos, lembrava do tempo em que ia a pé para a fazenda do vizinho onde foi alfabetizada com os filhos dos funcionários em uma escolinha rural em que cada fileira era de uma série diferente. “Foi uma luta que me forjou a ser mais forte”, afirmou. Hoje se dedica à comercialização de bois com menos de dois anos e peso entre 500kg e 600kg, mas teve que simplificar o negócio. Culpa de uma agenda que ficou mais complicada após ser a primeira mulher eleita para presidir a Sociedade Rural Brasileira.

ATUAÇÃO SETORIAL A conexão de Teka com a SBR é também recheada de boas histórias e é um grande exemplo. Certo dia, quando estava em uma reunião na Embrapa, soube que haveria uma palestra na sede da entidade. Sem conhecer muita gente, foi. E se encantou com o que viu. Começou a frequentar a sede e, em paralelo, se aproximou do grupo Mulheres do Agro. Tudo isso acontecia lá pelos idos de 2017, quando Marcelo Vieira, produtor de café, cana-de-açúcar e pecuarista em Minas Gerais, foi eleito presidente da SRB. Vendo a atuação de Teka, Vieira a convidou para montar o então inexistente departamento de Pecuária. Foi quando ela descobriu uma nova paixão: viajar pelo Brasil, conhecendo histórias e conectando agendas e pessoas.

100 Foi o rebanho inicial da nova fase

A partir dali, a vida da socióloga (lembra que essa é sua a formação?) deu outra reviravolta. “Eu não conhecia nenhum político, nunca tinha atuado em uma entidade setorial e de repente eu era a representante do agro.” Novamente ela colocou o caderninho de anotações debaixo do braço e foi a campo. O primeiro destino foi a cidade paraense de Marabá. Um amigo a ciceroneou em uma viagem de dez dias pelos rincões do estado. Visitou pequenos e grandes fazendeiros, foi ao Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra), conheceu outras realidades e novos problemas. “Quando voltei, sabia o que falar: era a questão fundiária.”

O problema é, de fato, grande. O número de famílias brasileiras assentadas sofreu queda de mais de 85% nos últimos anos. Segundo o estudo A Reforma Agrária nos Ciclos Políticos do Brasil (1995–2019), realizado por pesquisadores da Universidade Estadual do Oeste do Paraná (Unioeste) e da Universidade Federal Tecnológica Federal do Paraná (UFPR), o número de assentamentos desabou de cerca de 26,3 mil famílias em 2015 para 3,8 mil em 2020, queda de 85%. No período analisado, o ano com menos assentamento foi 2017, no governo Michel Temer, com 1,2 mil famílias. O recorde, em 2006, no governo de Luiz Inácio Lula da Silva, com 136,4 mil assentamentos. Para Teka, “esse é um resgate de justiça que o Brasil tem que fazer com as famílias do campo, sendo cerca de 80% deles de pequenos produtores”.

Rubens Cardia

De diretora de Pecuária à presidente da entidade foram um susto e um orgulho. Assumiu o posto durante a pandemia e aproveitou o isolamento social para se aprofundar na agenda do agro. Resultado: além da questão fundiária, trouxe para a sua pauta tarefas como aumentar a segurança jurídica do campo para atrair investimentos em produção; agilizar a regularização ambiental; aumentar a conectividade no campo; melhorar a infraestrutura e a logística do País, entre outras. Ela não elenca ordem de prioridade, mas quando fala dos pequenos produtores traz um tom de emoção a mais. “No Brasil, 80% dos produtores não estão na balança comercial, não participam das exportações ou da formação do Valor Bruto de Produção (VBP)”, afirmou Teka, para completar em seguida: “Agora, imagine o que acontecerá quando colocarmos todo esse pessoal dentro do jogo”.

Estimar com precisão o impacto do movimento de inclusão é tarefa hercúlea, mas o exercício de imaginação como proposto por Teka traz esperança de um Brasil melhor. Agora imagine se ela conseguir que isso seja feito com ciência aplicada, sustentabilidade e justiça social como deseja. Sociologia aplicada ao agro. Tá aí uma equação com cara de futuro.