Com 26 anos de carreira na Fiat, o engenheiro agrônomo italiano Carlo Lambro não somente se especializou no comércio global de máquinas agrícolas, como se tornou uma de suas mais importantes lideranças. Desde 2013, Lambro está no comando mundial da New Holland, que juntamente com as marcas Case IH e Steyr constitui o braço do grupo italiano na área de equipamentos agrícolas, controlado pela holding CNH Industrial, dona de um faturamento global de  a 33 bilhões, em 2014. No mês passado, durante a Expo Milano 2015, na Itália, mostra de tecnologias aberta em maio e que segue até o final de outubro, Lambro concedeu uma entrevista coletiva a jornalistas do mundo todo e na sequência falou com exclusividade à DINHEIRO RURAL. Para ele, o principal tema que deve mover as discussões no agronegócio é a sustentabilidade, com foco no uso de energia renovável e no refinamento da agricultura de precisão. “Do ponto de vista da sustentabilidade, é preciso pensar na engenharia dos produtos”, diz Lambro. “Temos de descobrir como podemos gastar menos recursos e ainda produzir mais.”

DINHEIRO RURAL  – Qual a importância da Carta de Milão, documento que a New Holland está divulgando durante a Expo Milano 2015?
CARLO LAMBRO –
A Carta de Milão é um compromisso, mas não é só da empresa. Ela é um compromisso de todas as pessoas e dos governos do mundo inteiro. A carta nos interessa como política global, pois estabelece responsabilidades que devem ser divididas no trato do desenvolvimento ambiental, social e econômico. Todos que passarem pela feira poderão assinar a carta, que está à disposição no pavilhão da Itália. Ao final da mostra, em uma cerimônia oficial, o documento será entregue ao secretário-geral da Organização das Nações Unidas, Ban Ki-moon. A ideia é de que a Carta de Milão se propague mundialmente.

RURAL – Para a empresa, o que é liderar do ponto de vista da sustentabilidade?
LAMBRO –
A sustentabilidade, para nós, não é somente o produto por ele mesmo, mas todo o processo de fabricação. O foco é pensar na engenharia dos produtos. Temos de descobrir como podemos gastar menos recursos e ainda produzir mais. Isso envolve uma série de elementos, como trabalhar mais com a reciclagem, com a reutilização de materiais e de água, e a utilização de energias alternativas, como a de painéis fotovoltaicos, por exemplo.

RURAL – A partir de quando a companhia passou a levantar a bandeira da sustentabilidade?
LAMBRO –
Como estratégia, esse posicionamento aconteceu mais fortemente a partir de 2006, com o lançamento do conceito Líder em Energia Limpa. Esse conceito se tornou uma marca registrada nossa e tem raízes na crença de que podemos usar a tecnologia para ajudar os agricultores a gerir um negócio rentável, respeitando o meio ambiente e preservando os recursos naturais.

RURAL – Enquanto a Carta de Milão não se torna uma realidade para o mundo, como a indústria pode contribuir em termos de tecnologias sustentáveis?
LAMBRO –
Nós estamos trilhando esse caminho ao propor soluções alternativas mais eficazes, como a tecnologia de propulsão a gás metano, que reduz a dependência dos combustíveis fósseis. Além disso, há estudos com o biodiesel. É uma tecnologia que está sendo aplicada no mundo inteiro, mas que a princípio tem um foco maior na Europa, em função da obrigatoriedade da redução de emissões em máquinas agrícolas. Também estamos envolvidos ativamente na promoção do etanol e da biomassa para a geração de energia na América do Norte, Índia e na América Latina. No Brasil, mantemos uma parceria com o Centro de Tecnologia Canavieira, uma instituição que hoje está na vanguarda da indústria de biomassa no País. É uma parceria que visa transformar a energia da palha de cana-de-açúcar em fardos, que geram energia elétrica útil às usinas especializadas do setor.

RURAL – Há inovações para a mecânica das máquinas?
LAMBRO –
Estamos trabalhando especialmente com uma nova tecnologia de motores mais eficientes em termos de combustível, e com o conceito de transmissão variável contínua. As duas tecnologias são exemplos de como podemos melhorar a eficiência agrícola e a rentabilidade da fazenda. Mas também já estão disponíveis características inovadoras que ajudam a aliviar a vida dos produtores agrícolas e a aumentar a sua produtividade, como é o caso da tecnologia de velocidade variável da colheita e da debulha dos grãos. Em avaliações realizadas nos Estados Unidos, os resultados mostraram ganhos de produtividade de até 10% no milho e de 25% no trigo.


Gestão afinada: Nos Estados Unidos, ajustes de velocidade das máquinas mostram ganhos de até 25% na colheita do trigo

RURAL – O que pode vir ainda da agricultura de precisão, que esta no início de seu uso massivo?
LAMBRO –
Nos últimos 20 anos, a evolução da agricultura de precisão tem sido bastante significativa. Saímos do foco em máquinas individuais para um ecossistema de máquinas interconectadas. A última fase dessa evolução é o uso da telemática para conectar equipamentos, áreas cultivadas e pessoas, transformando uma única máquina em um sistema completo. Estamos começando a desenvolver uma metodologia, na qual um grupo de máquinas pode ser acionado por um único operador, para trabalhar vários talhões de lavouras ao mesmo tempo. Nosso objetivo para o futuro é possibilitar um nível de autonomia tal, ao ponto de que as máquinas agrícolas, mediante controle digital, por smartphones, não precisem de operadores.

RURAL – Mas como lidar com mercados em que ainda há muita mão de obra disponível, como a China?
LAMBRO –
Para a China é preciso considerar uma combinação de políticas de governo, tendências sociais, desenvolvimento demográfico e econômico, que irá conduzir a uma mecanização de forma mais rápida. Além disso, as fazendas chinesas vêm se tornando mais eficientes. Estamos falando de culturas que ainda hoje são minimamente mecanizadas e sobre as fases de ciclo de cultivo, nas quais o uso de equipamentos pode produzir melhorias no rendimento das lavouras. Estamos atentos a esse mercado, tanto que, em 2014, inauguramos na cidade de Harbin a maior fábrica de equipamentos agrícolas do nordeste da China. O investimento foi superior a US$ 100 milhões.

RURAL – A indústria de máquinas agrícolas podeajudar a diminuir as diferenças no uso de tecnologias em nível global?
LAMBRO –
Quando olhamos para o setor agrícola, as tendências atuais precisam ser divididas entre mercados maduros e emergentes. Estamos conscientes da nossa responsabilidade e da importância em agir como um provedor global para promover e apoiar a agricultura. Nos mercados emergentes, a indústria deve promover a ampliação da cobertura da mecanização, orientada para as necessidades e possibilidades locais. Já em mercados maduros é preciso aumentar a eficiência da terra cultivada, para garantir o crescimento e o desenvolvimento contínuo.


Amaggi: uma das unidades de armazenamento da maior produtora de grãos e fibras do País, em Sapezal (MT)

RURAL – Quanto a CNH Industrial tem investido na área de  pesquisa e desenvolvimento?
LAMBRO –
No ano passado, o grupo investiu a 1,1 bilhão, valor equivalente a 3,5% do faturamento total. Em termos nominais houve queda em relação a 2013, ano em que os recursos investidos em inovação chegaram a a 1,2 bilhão. No entanto, o faturamento também caiu de a 34,2 bilhões para a 33 bilhões em 2014, um recuo de 3,7%.

RURAL – Qual o peso da crise econômica mundial nessa queda de receita?
LAMBRO –
O que aconteceu é que vínhamos com um nível alto de estoque. Assim, tivemos de diminuir a produção para diminuir o estoque. Essa foi a estratégia para continuarmos bem posicionados no mercado. Por isso, estou bastante otimista, pois a empresa continua a apostar muito no setor agrícola.

RURAL – Como o grupovê o Brasil?
LAMBRO –
O mercado brasileiro, de fato, enfrenta dificuldades. Penso que para este ano dificilmente se pode esperar por uma grande mudança. Em 2016, provavelmente, as coisas começarão a melhorar, mas não creio que num curto prazo teremos uma grande recuperação de mercado. Em todo o caso, ainda sou otimista, prefiro ver sempre o copo meio cheio. Os problemas que o Brasil enfrenta estão relacionados a um problema geral da economia mundial. Não estão ligadas a problemas do setor agrícola, que vem segurando bem as pontas e sustentando a economia. No Brasil, o agronegócio é o setor mais organizado da economia e, além disso, rentável.

RURAL – Como o sr. avalia o uso de tecnologias no Brasil?
LAMBRO –
Da melhor maneira possível. Já estive no Brasil visitando muitas fazendas e realmente são unidades de produção incríveis, que não perdem em nada para as propriedades europeias e até mesmo para as americanas. É o caso de grupos como Bom Futuro e Amaggi, ambos de Mato Grosso. São empresas maravilhosas, que mostram o quanto o nível de profissionalismo da agricultura brasileira está alto. E quando digo isso não é só pelo uso de máquinas, mas também pelo nível da gestão dessas empresas.