Para o pasto: Geraldo Martins, presidente da Agro-Pecuária CFM, diz que a demanda do mercado de genética é grande e está represada (Crédito:Divulgação)

O pecuarista Gilberto dos Santos, 44 anos, tem 28 mil hectares de terras no norte do Estado de Mato Grosso. São três fazendas que pertencem à família do empresário, nas quais há 25 mil animais da raça nelore, entre puros e cruzados com angus. Por ser um adepto da Inseminação Artificial em Tempo Fixo (IATF), técnica que leva rapidez, agilidade e segurança no processo de parição de bezerros, Santos não abre mão da compra de touros de qualidade genética superior. Em agosto, ele era um dos compradores atentos ao que entrava na pista do 20º Megaleilão Nelore CFM, realizado em São José do Rio Preto (SP). A Agro-Pecuária CFM, que pertence à família Vestey, um dos maiores importadores de alimentos da Inglaterra e que está no Brasil desde o início do século passado, vendeu 40 mil touros nas duas últimas décadas, dos quais 15 mil touros foram nos Megaleilões que ocorrem todos os anos.

Santos foi um dos primeiros a chegar ao leilão e não saiu do recinto enquanto o leiloeiro não bateu o martelo para o último animal. No total, levou do evento uma carga de touros de 16 animais, dos 566 vendidos em dois dias. “Queria comprar mais, mas arrematei o que deu”, diz ele. “Não comprei o que queria porque o preço da arroba está baixo e o preço do touro está alto.” A média do leilão foi de R$ 10,3 mil. Nas fazendas de Santos há 350 touros, dos quais 100 ele está trocando por animais mais jovens e de genética ainda mais apurada.

O Brasil possui um rebanho de 2,1 milhões de touros, segundo a consultoria IEG-FNP, de São Paulo. Como a orientação técnica para que 20% desse rebanho seja trocado a cada ano, caso isso ocorresse, seriam necessários cerca de 400 mil animais por safra. Mas as contas mais otimistas da oferta de touros superiores, avaliados em programas de melhoramento genético, não passam de 50 mil animais por ano. Daí a razão do mercado firme, mesmo com o preço da arroba do boi gordo, que regula o segmento, estagnada próximo de R$ 140 nas últimas três safras. O leiloeiro Lourenço Miguel Campo, que organiza cerca de 160 leilões por ano, diz que os preços mais altos estão concentrados em um tipo de oferta. “Para os leilões de marca a história mudou nos últimos meses”, diz ele. “As médias melhoraram entre 5% e 10% em relação ao ano passado.” No caso do leilão da CFM a média foi 7,5% acima de 2017.

Avaliados: Sérgio Saud, da Asbia (aqui) e o Nelorista Epaminondas de Andrade(abaixo) comungam da mesma crença. É preciso apostar em genética superior para ter uma pecuária de qualidade

O mercado de sêmen também ajuda a explicar a venda de touros superiores. Isso porque as fêmeas que não emprenham no processo de IATF estão cada vez mais sendo cobertas por touros que saem de programas de melhoramento, como o CFM, PMGZ, USP, Embrapa, Qualitas, entre outros. É o caso de Santos, que abate cerca de sete mil animais por ano, dos quais cinco mil em confinamento e dois mil em semi-confinamento. Ele já chegou a abater o seu gado com quatro anos de idade, mas hoje os animais saem para o frigorífico aos dois anos, com os machos pesando 22 arrobas. “Foi com boa genética que melhorei a precocidade média do rebanho”, diz ele. “É preciso fazer isso porque o negócio pecuária é um grande desafio com margens apertadas.” Há uma variação a cada ano, mas no seu rebanho de 10 mil fêmeas a IATF é aplicada em cerca de 80% delas, em busca de bezerros meio-sangue nelore com angus. Os touros, todos nelore, se destinam a cerca duas mil fêmeas, mais aquelas que saem da IATF sem emprenhar.

No ano passado foram vendidas 8,1 milhões de doses de sêmen de 17 raças de corte, lideradas por angus com 3,8 milhões de doses, e o nelore, com 3,1 milhões. No mês passado, a Associação Brasileira de Inseminação Artificial (Asbia), entidade que representa empresas que detêm acima de 90% do sêmen comercializado no País, mostrou que no primeiro semestre de 2018 as vendas gerais, entre raças de corte e leiteiras, foram de 5,1 milhões de doses. O volume é 9% acima do período de janeiro a junho de 2017. Mas as raças de corte cresceram mais. O aumento foi de 14,2%, o equivalente a 2,9 milhões de doses vendidas. Sérgio Saud, presidente da Asbia, diz que o resultado já era esperado, mas que no caso das raças de corte ele veio maior do que o previsto. “O pecuarista que começa a usar a inseminação não volta atrás e começa a ser formar um círculo virtuoso”, afirma Saud. “Um touro melhor serve para não perder a equivalência daquele sêmen de qualidade utilizado na IATF.” Para Luiz Adriano Teixeira, presidente da central holandesa CRV Lagoa, os pecuaristas que compram sêmen e touros avaliados formam um público mais técnico. “A CRV atende um quarto do mercado de sêmen nacional da raça angus e seu uso não tem volta”, afirma. “Nos últimos 12 anos, com testes em busca dos melhores touros da raça, esse público também ficou mais qualificado”. O mesmo vale para a raça nelore.

Para Geraldo Martins, presidente da Agro-Pecuária CFM, a demanda do mercado de genética é grande, mas não avança ainda mais rapidamente por causa do mercado de carne. “O pecuarista, de modo geral, ainda vende arroba de boi e não qualidade de carne”, afirma Martins. “E para chegar a essa qualidade é preciso muita pesquisa e atenção no que acontece no campo.” Mas vendas mais firmes para os touros e crescimento para o sêmen mostram que a elite da pecuária vê pela frente um mercado demandado para a carne de qualidade. Isso porque o sêmen e tourada de agora será o bife que vai para a mesa dentro de dois anos.

De acordo com Saud, esse mercado somente não foi maior em anos anteriores por conta da economia do país. “Carne de melhor qualidade vem de genética melhor”, diz ele. “Nos anos anteriores a 2014, muita gente experimentou o que é um bom corte de carne, mas hoje não compra por renda. Com a economia melhorando esse público vai retornar às compras.”

A fazenda Vale do Boi, no município de Carmolândia (TO), de propriedade do pecuarista Epaminondas de Andrade e seus filhos Ricardo de Andrade e Paulo de Andrade, é um exemplo dessa caminhada em busca da excelência. À procura de animais mais rentáveis no gancho do frigoríficos, as provas de avaliação de nelore fazem parte de uma rotina que já completou três décadas. Vêm de uma época em que as anotações do melhoramento do gado eram feitas em caderneta. Hoje, a fazenda acasala mil fêmeas por safra, analisando uma a uma o desempenho das crias anteriores, qual touro foi usado e qual deles elevar a performance dos filhos dessas vacas. Por ano, há mais de uma década são vendidos cerca de 200 animais. Sendo que a primeira avaliação de ganho de peso foi realizada por Andrade ainda na década de 1990. No Norte, está entre os pioneiros. No sumário de touros da Associação Brasileira de Criadores de Zebu, onde estão 30 mil animais, há oito touros de Andrade entre os primeiros 100 melhores animais. “Em nenhuma hipótese eu uso touros meus ou comprados de terceiros que não tenham passado por avaliação”, diz Andrade. “Você só descobre os bons animais com as provas e são eles fazer a pecuária avançar.”