Colheitadeira Axial Flow, da Case IH (Crédito:Divulgação)

Quando o assunto é desempenho dos veículos motorizados, o segmento de máquinas agrícolas encarnou a fábula do patinho feio da indústria neste atípico 2020. Durante muito tempo, o grupo invariavelmente era o que chamava menos atenção nas tradicionais reuniões promovidas pela Associação Nacional dos Fabricantes de Veículos Automotores (Anfavea) para apresentar o balanço do setor. Em 2020, ele se tornou o mais interessante, charmoso e atrativo. Afinal, trazia um suspiro de boas notícias em um período repleto de números negativos, perspectivas de desinvestimentos e desemprego. De acordo com a entidade, as vendas de máquinas agrícolas e rodoviárias foram de 47 mil unidades em 2020, superando em 7,3% o resultado de 2019. O bom momento do agronegócio impulsionou também o mercado de máquinas de construção. O setor projetava uma queda de 24%, mas registrou uma alta de 20%, com mais de 5,4 mil unidades. “Não fosse o agronegócio, 2020 teria sido um ano desastroso para a economia do País”, disse o vice-presidente da Anfavea, Alexandre Bernardes. O bom momento é confirmado pela Associação Brasileira da Indústria de Máquinas e Equipamentos (Abimaq). “O setor teve seu melhor ano desde 2015. O faturamento cresceu 12% ante os R$ 16,7 bilhões de 2019. Não fosse a Covid-19, poderia ter sido melhor”, disse o presidente da Câmara Setorial de Máquinas e Implementos Agrícolas da Associação, Pedro Estevão Bastos.

As vendas de máquinas em 2020 superaram em 7,3% o ano de 2019, chegando a 47 mil unidades

Entram para a conta da pandemia os prejuízos provocados por interrupções nas atividades de fábricas e de revendas que duraram de 20 a 30 dias. Foi o tempo necessário para que as unidades se adequassem aos protocolos de segurança exigidos pelas autoridades. Isso também atrasou a entrega de alguns equipamentos devido à falta de insumos. Esse problema teve pouca intensidade entre março e setembro, mas se agravou no fim do ano. “A demanda na ponta não diminuiu e a recuperação veio em V, mas um certo atraso na cadeia global de suprimentos trouxe uma volatilidade que não estávamos esperando”, disse o diretor de Planejamento Comercial da CNH Industrial, Thiago Wrubleski. Uma pesquisa on-line feita pelo Centro das Indústrias do Estado de São Paulo (Ciesp) avaliou os efeitos dos seis meses da pandemia no mercado de máquinas e implementos no agronegócio e mostrou que 47% das empresas têm tido dificuldades para conseguir insumos, matérias-primas e mercadorias. A pesquisa também apontou que 63% das fornecedoras estão com estoques baixos, fazendo com que os preços da matéria-prima aumentem consideravelmente.

 

 

A mesma preocupação ronda a AGCO. “O nosso principal desafio ainda é lidar com os efeitos da Covid-19 que estão impactando a cadeia fornecedora”, afirmou o diretor de Marketing da empresa para a América do Sul, Alfredo Jobke. De acordo com o executivo, não há dúvida de que o mercado vai agir e conseguirá atender a demanda da próxima safra. A expectativa da empresa também é de crescimento, com uma alta superior a 5%. O problema é o calendário. “Estamos estudando como atender melhor o mercado no momento exato em que a demanda acontecer, porque o campo é regido pelo tempo e não dá para perder a hora certa”, disse Jobke. Para reverter o quadro antes que ele se torne crítico, a CNH Industrial convocou os fornecedores-chave e discutiu as expectativas de crescimento da demanda futura para que todos se preparem. “Vamos precisar trabalhar juntos e investir em momentos como este, no qual apesar da crise em alguns setores, é factível pensar em crescimento de 5% a 10% da demanda para o próximo ano”, afirmou Wrubleski.

INVESTIMENTOS Na Jacto, a possibilidade da falta de insumos foi mapeada, acompanhada, mas não se confirmou. “Como alguns fornecedores são globais, existia o risco de que paralisações nos países de origem ou atrasos nos trâmites da importação prejudicassem a operação, mas trabalhamos e conseguimos honrar todos os compromissos”, afirmou o CEO Fernando Gonçalves. Revertida a preocupação, os planos são fechar o balanço de 2020 reportando aos acionistas um crescimento ligeiramente acima dos 12% nominais esperados pela Abimaq para a indústria. O desempenho do ano será sustentado por diversos lançamentos, como o do pulverizador autônomo Arbus 4000 JAV e os das plantadeiras Lumina 400, Meridia 200 e Uniport Planter 500, a primeira automotriz e híbrida do Brasil.

“Estamos trabalhando em plena capacidade e colocando
esforços em novas tecnologias” Alfredo Jobke, da AGCO (Crédito:Divulgação)

Investir também foi o caminho escolhido pela AGCO. Recentemente, a fábrica de Mogi das Cruzes recebeu US$ 25 milhões para instalar uma linha de produção de pulverizadores. “Estamos trabalhando em plena capacidade e investindo em novas tecnologias para ampliar a produção”, afirmou Jobke. Nos últimos quatro anos, a empresa lançou mais de 200 produtos, considerando as três marcas do grupo no Brasil (Fendt, Massey Ferguson e Valtra). Cerca de 20 desses lançamentos ocorreram em 2020. O destaque foi a plantadeira dobrável Momentum que traz caixa de fertilizantes e foi 100% desenvolvida e fabricada no Brasil para atender aos mercados interno e externo.
Impulsionada pelo bom momento da pecuária, que foi favorecida pelo preço da arroba do boi e pela elevação das exportações de suíno, a Casale comemora. “Somente agora a pecuária está vivendo o boom tecnológico que a agricultura viveu há alguns anos, porque o produtor entendeu que, ainda que a sua remuneração tenha aumentado, se ele não investir em produtividade o ganho se esvai”, disse Mário Casale Neto, recém empossado CEO da companhia. Para o próximo ano, a aposta é em um crescimento forte da pecuária leiteira, de confinamento e semiconfinamento. Se isso se concretizar, vai alavancar a evolução da Casale no País. Trabalhando no limite da produção, uma das agendas de Casale Neto é encontrar novos caminhos para a expansão. “Estamos investindo uma verba na casa dos milhões de reais em novos maquinários, porque, assim como acontece no campo, é a tecnologia que permitirá o aumento da rentabilidade no setor de máquinas e equipamentos”, afirmou.

Um dos grandes desafios da indústria foi a transição de um relacionamento pessoal para o digital

DIGITALIZAÇÃO Um dos principais desafios enfrentados pela indústria no ano passado, e que continuará ao menos até a descoberta da vacina contra o coronavírus, foi a transição de um relacionamento pessoal entre as marcas e os clientes para o meio digital. Tanto na venda quanto na pós-venda, a atividade rural é muito relacional. Transferir a proximidade e a confiança para um atendimento digital foi um obstáculo que as marcas tiveram que vencer. “No início da pandemia, todos ficamos preocupados sobre como restabelecer as relações com os clientes nessa nova realidade, mas conseguimos prestar toda a assistência demandada”, afirmou o diretor de Assuntos Corporativos da John Deere para a América Latina, Alfredo Miguel Neto. O sucesso se comprova nos resultados: a empresa deve acompanhar o crescimento previsto pela Abimaq tanto para as máquinas agrícolas quanto para as de construção, parte delas compradas por proprietários rurais.

Os recursos digitais também foram amplamente usados para o lançamento de produtos, antes também marcado pela realização de grandes eventos presenciais. Jacto, Case, Massey Ferguson e Valtra foram algumas das marcas que aderiram à tecnologia da vídeo-conferência para apresentar suas novidades neste ano.

Algumas das maiores e mais tradicionais feiras do setor, fórum tradicinal de exposição de máquinas, também passaram para o ambiente virtual como a Coopercitrus Expo, que no ano passado faturou R$ 4,8 bilhões. Para a edição de 2020, o evento foi rebatizado de Coopercitrus Expo Digital e recebeu investimentos de R$ 2 milhões que possibilitaram a reprodução on-line da feira em um ambiente 360° desenvolvido em 3D. Os resultados superaram as expectativas. Durante os 12 dias de evento, a feira registrou mais de R$ 1,1 bilhão em negócios e um total de 97.497 visitas. Mais de 19 mil pedidos digitais foram emitidos à distância, para visitantes espalhados pelo Brasil e até no exterior. Mesmo quando o novo normal se estabilizar, a tendência é que os eventos passem a ser, ao menos, mistos, aproveitando o melhor dos dois mundos – o real e o virtual – para impulsionar as vendas.