O historiador José Murilo de Carvalho gostou de saber que um grupo de empresários assinou um manifesto em apoio às eleições em 2022 e ao respeito aos resultados, não importando quem sejam os vitoriosos. Mas questiona, em entrevista ao Estadão, a representatividade dos signatários em relação ao empresariado. O acadêmico lembra que a classe empresarial foi uma das bases do presidente Jair Bolsonaro – em guerra contra a urna eletrônica – e avalia que pode haver algum cálculo político no episódio. “Cutuca o governo, pero no mucho”, afirma.

Para José Murilo, o manifesto com apoio empresarial indica rachaduras no empresariado que já apoiou majoritariamente a posição golpista do presidente. Ele avalia ainda que Bolsonaro usa o voto impresso apenas como pretexto para justificar uma possível derrota na tentativa de reeleição. O presidente, afirma, é “trumpista” (seguidor do ex-presidente dos EUA Donald Trump). “Perturba o jogo” se percebe que vai perdê-lo, explica. A seguir, a entrevista do historiador ao Estadão.

Empresários relevantes assinaram um manifesto em defesa da realização de eleições e da aceitação dos seus resultados. A iniciativa mira o presidente Jair Bolsonaro, que diz que sem voto impresso não haverá eleição no ano que vem, embora o texto não mencione o presidente. Como o senhor analisa essa iniciativa?

É uma boa notícia. Mas é preciso saber quão representativa é a lista, que parcela do empresariado representa. Como se sabe, os empresários foram uma das bases de apoio de Bolsonaro. Eu ficaria mais tranquilo se a manifestação viesse das federações e confederações empresariais, sobretudo da Fiesp.

O que pode ter levado esses empresários a assumir uma posição política que, na prática, os coloca em oposição ao presidente da República?

Fizeram algum cálculo. Como se trata de eleições, um assunto político, a manifestação não atinge a política econômica e fica bem com a opinião dominante no País, sem romper totalmente com o governo.

Não seria uma posição de risco para o empresariado?

Seria um cálculo. Cutuca o governo, pero no mucho.

Em quais outras ocasiões, na história brasileira, o empresariado se posicionou politicamente em oposição ao governo?

Getúlio tinha forte apoio do empresariado nacional, mas já sofria reações das empresas estrangeiras, sobretudo no que diz ao petróleo e à mineração. Goulart teve a oposição de quase todos, com particular ódio de parte dos latifundiários por causa da prometida reforma agrária.

Em 64, o apoio empresarial ao golpe foi amplamente majoritário. Isso não se repetiria hoje?

Foi majoritário, com forte pressão das multinacionais. Acho que hoje já foi majoritário, mas o próprio manifesto já indica rachaduras, mesmo que seja sobre tema político.

Em sua avaliação, qual é o objetivo do presidente da República com seus ataques ao voto impresso, ao ministro Barroso e ao TSE?

Ele é trumpista. Se percebe que está perdendo, puxa a toalha, cria conflito, perturba o jogo.

O voto impresso é apenas um pretexto para Bolsonaro?

É. Quer justificar uma possível derrota.

O presidente está tentando fazer uma “revolução fria”, usando as instituições para implodir por dentro e aos poucos a democracia?

Revolução fria não existe. É golpe. As instituições estão reagindo bem, e há o freio do Centrão, que gosta de outras coisas, não de briga.

O risco de golpe é real?

Diria que no momento não. O conflito mais sério foi o do ministro da Defesa e dos novos comandantes militares, escolhidos a dedo, contra um senador (Omar Aziz, presidente da CPI da Covid). O comandante da Aeronáutica, surpreendentemente, foi o mais agressivo, mas já está pondo panos quentes. Continuo a achar que “o meu Exército”, sem falar nas Forças Armadas, é cada vez menos dele.

As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.