Luís Rheingantz Barbieri, presidente da Associação Nacional de Exportadores de Cereais (Anec)

Há dois anos, o engenheiro de produção Luís Rheingantz Barbieri é o presidente da Associação Nacional dos Exportadores de Cereais (Anec).

A entidade representa 40 empresas e cooperativas, entre elas gigantes como a Amaggi, Cargill, Coamo, CCG Trading, Fiagril e Louis Dreyfus Commodities, na qual Barbieri é diretor executivo de Oleaginosas. Entre os vários temas de uma entrevista concedida no mês passado à DINHEIRO RURAL, Barbieri diz, por exemplo, não acreditar em um cenário complicado de venda de soja e milho para a China, mesmo com as turbulências na economia do país asiático. “A economia chinesa deve crescer 6% neste ano, o que significa que o consumo não deve diminuir”, afirma. Mas, ele diz também que é preciso ficar de olho na Argentina. “O país passa a ser um concorrente que não tínhamos no passado”, diz.

RURAL – Com a economia global desacelerando, o que esperar da China, o maior parceiro comercial do Brasil?
LUÍS RHEINGANTZ BARBIERI  –
Para a economia global, a desaceleração é muito preocupante no médio prazo, porque ela pode afetar o setor de commodities agrícolas. Mas, no curto prazo, não há motivo para se preocupar porque isso não se reflete no setor de alimentos. No caso da China, a desaceleração tem como causa o recuo dos investimentos no país asiático. Isso afeta muito as commodities industriais, como o ferro, mas não a renda da população, em um primeiro momento. Prova disso é que a participação do país asiático nas exportações do setor tem sido sempre crescente. Em 2014, os chineses compraram 71% da soja vendida pelo Brasil no Exterior. Em 2015, foram 78%. E, mesmo nesse cenário, a economia  da China deve crescer 6% neste ano, o que significa que o consumo não deve diminuir. Diferentemente do que ocorre na economia brasileira, que está encolhendo.

RURAL –O que esperar do desempenho das exportações de soja e milho nesta safra? 
BARBIERI  –
Ainda não temos uma definição clara de toda a safra 2015/2016, o que deve ocorrer no final deste mês. Mas, a exportação está diretamente ligada à nossa produção, quanto mais se produz mais se exporta. Para a soja, especificamente, o panorama de 2016 vai depender também de como estaremos em relação à Argentina, nossa principal concorrente. Talvez, a maior ameaça deste ano seja a mudança política nesse país, que, por muitos anos teve um câmbio oficial travado. Com isso, o produtor argentino vendia menos na safra e segurava um estoque muito grande do grão. O Brasil conseguiu abrir mercados por causa da baixa oferta Argentina. Mas agora, com a mudança de governo, o novo presidente do país, Mauricio Macri, liberou o câmbio oficial, o que deve fazer com que os produtores estejam mais atuantes no mercado internacional. Além disso, Macri está prometendo reduzir os impostos de exportação.


“A maior ameaça deste ano deve ser a mudança política argentina” – Competição : novo presidente da Argentina, Mauricio Macri, predente reduzir juros e deixar produção de grãos competitiva

RURAL – Vale a mesma observação para o milho? 
BARBIERI  –
Acredito que o impacto pode ser muito grande também para o milho, porque o Brasil se consolidou nos últimos anos como um grande produtor e exportador desse cereal. Há dez anos, não era. O produtor brasileiro investiu em tecnologia, variedades, sementes, maquinário, enfim, o setor se desenvolveu e permitiu o aumento da produção. Nós, exportadores, somos a consequência desse momento. Mas a produção foi favorecida pelo fato de a Argentina também estar menos presente no mercado global do milho. Caso Macri, de fato, reduza o imposto de exportação será mais vantajoso cultivar o cereal na Argentina do que no Brasil. Esse país passa a ser um concorrente que não tínhamos no passado.

RURAL – Em quais mercados o Brasil leva vantagem na briga com os argentinos?
BARBIERI  –
Não há para onde fugir. Todos querem o mesmo mercado, a China. No caso da soja, os chineses importaram 80% do volume comercializado no mundo, entre 75 milhões de toneladas e 80 milhões, nos últimos anos. Mas há outros mercados atrativos, como a Europa e o restante do Sudeste Asiático. Já para o milho temos o Irã, a Coreia e o Vietnã. Os países do norte da África, como a Argélia, também importam muito produto brasileiro.

RURAL – As políticas públicas do País têm sido entraves à exportação de cereais?
BARBIERI –
  A Anec tem uma relação muito próxima com o poderes legislativo e executivo. Essa proximidade tem nos favorecido no destravamento da cadeia produtiva, o que torna o Brasil mais competitivo para produzir e exportar grãos. A demanda vai continuar a crescer e nós precisamos ser melhores que os nossos concorrentes, como a Argentina e os Estados Unidos.

RURAL – Como o Brasil pode ser melhor que os seus concorrentes?
BARBIERI  –
Isso é o resultado de um trabalho contínuo, de uma discussão permanente de como melhorar a eficiência de toda a cadeia produtiva. A Anec tem o papel de facilitadora do trânsito de ideias que vão tornar o País um ator cada vez mais competitivo para suprir as necessidades de crescimento da demanda mundial por alimentos. Esse é o desafio, porque não precisamos promover o nosso produto lá fora, como outras cadeias fazem. Para a produção de soja e milho crescer é necessário desenvolver infraestrutura, como estradas e portos, produzir mais sementes, agroquímicos, fertilizantes, tratores, máquinas. Porém, para continuar produzindo mais, precisamos ser competitivos.

RURAL –E o que isso significa para o setor?
BARBIERI  –
Não acredito que exista um único problema que, sendo resolvido, elimine todos os demais entraves da competitividade. O que dá rumo à produção é um maior diálogo na cadeia produtiva para trabalhar em conjunto os seus gargalos. A maior dificuldade é justamente melhorar esse diálogo dentro da cadeia e também com o governo. O diálogo é que vai nos mostrar problemas que não estamos vendo sozinhos.

RURAL – A logística vai continuar sendo um dos principais entraves para o setor? 
BARBIERI  –
A logística não será solucionada em um estalar de dedos.  Por ser complexa, ela nunca deixará de ser um desafio para o Brasil. O setor privado está investindo, cumprindo o seu papel. Todo o corredor Norte de exportação conta com vários associados da Anec. Eles estão criando infraestruturas para aumentar a capacidade de escoamento de grãos, através de portos e ferrovias. É uma revolução que vai trazer muita eficiência. O corredor dará vazão para o escoamento das safras que vão crescer significativamente nos próximos seis anos. Se o Brasil exportar 57 milhões de toneladas de soja nesta safra, ante aos 53 milhões da safra anterior, essa diferenca de quatro milhões deve sair pelo norte.

RURAL – Nas fazendas, qual é o grande desafio para o produtor rural?
BARBIERI  –
A questão mais importante é o desenvolvimento de tecnologias para produzir mais por hectare e ser mais competitivo. Mas com cautela, porque a pressa é perigosa. Ir com muita sede aos Organismos Geneticamente Modificados (OGMs), por exemplo, pode nos trazer problemas. Optar por um produto que ainda não foi aprovado na China significa uma ruptura na cadeia produtiva. Ele pode se tornar uma barreira comercial e precisamos evitar que isso aconteça.


“A logística não será solucionada em um estalar de dedos” Saída para o norte: investimento em portos como o de Itaqui no Maranhão permitem alternativa de escoamento

RURAL – Na questão da sustentabilidade ambiental, o que tem garantido o acesso do grão ao mercado externo?
BARBIERI  –
Há dez anos a Anec é parceira da Associação Brasileira das Indústrias de Óleos Vegetais (Abiove) na política de Moratória da Soja. Ela consiste no compromisso das empresas em não adquirir o grão de áreas que forem desmatadas de forma ilegal no Bioma Amazônico. A ação começou em 2006, antes mesmo da implementação do novo Código Florestal e foi muito importante para garantir que o País continuasse acessando o mercado externo. A sustentabilidade ambiental pode ser usada como uma barreira e não podemos deixar que isso ocorra.

RURAL – Como fica a Moratória da Soja com o fim do prazo para a regularização de propriedades por meio do Cadastro Ambiental Rural (CAR), em maio?
Barbieri  –
Não sabemos ainda o que é preciso fazer. A moratória, que permanece ativa até maio, expira junto com o prazo dado para a regularização do CAR. A partir daí avaliaremos em conjunto com entidades do setor e da cadeia produtiva se a iniciativa permanece na nossa agenda.

RURAL – Em que medida o atraso na execução do CAR pode interferir na imagem que o setor vem construindo
com a Moratória? 
Barbieri –
É um desafio fazer com que as propriedades, cerca de um terço delas, se cadastrem até o mês maio. Porém, o Brasil tem no Código Florestal uma legislação  muito favorável para se criar o conceito de que é o lugar mais sustentável do mundo para a produção de alimentos. É preciso explorar mais essa mensagem de diferenciação da nossa produção. Mas acho que  conseguimos garantir que não houvesse nenhuma ruptura na cadeia produtiva e trazer confiançapara o consumidor global
de que a nossa produção é sustentável.