O ministro Dias Toffoli, do Supremo Tribunal Federal, defende que o Ministério da Educação seja obrigado a reabrir o prazo de requerimento de isenção de taxa do Enem 2021, sem exigir de qualquer candidato a justificativa de ausência na prova do ano anterior. De acordo com o magistrado, a exigência imposta pelo MEC acaba penalizando estudantes que “fizeram a difícil escolha de faltar às provas para atender às recomendações das autoridades sanitárias para conter a disseminação da covid-19” e desprestigiando políticas de incentivo à observância das medidas de combate à pandemia.

Na avaliação do ministro, a exigência do MEC, de que os estudantes que não compareceram ao Enem 2020 devem justificar a sua ausência, com apresentação de documentos, para terem direito à isenção da taxa de inscrição do exame de 2021, criam um “óbice injustificado” à inscrição na prova para a população de baixa renda, “inviabilizando, com isso, o acesso dessas pessoas aos programas do governo federal que promovem a democratização do acesso às universidades”.

“Não se pode exigir prova documental do que não pode ser documentalmente comprovado. O contexto excepcional de agravamento da pandemia, presente na aplicação das provas do ENEM 2020, justifica que, excepcionalmente, se dispense a justificativa de ausência na prova para a concessão de isenção da taxa no ENEM 2021, como garantia de que todos os estudantes de baixa renda possam realizar a prova”, escreveu o magistrado em voto apresentado na manhã desta quinta-feira, 2.

Toffoli é relator de ação que questiona os dispositivos do edital do Ministério da Educação que tratam da isenção da taxa de inscrição para o Enem 2021. O processo ajuizado por nove partidos e três entidades estudantis está sendo analisado em sessão extraordinária do Plenário virtual da corte. O julgamento teve início na madrugada desta quinta-feira, 2, e tem previsão de término às 23h59 desta sexta-feira, 3.

Ao analisar os argumentos dos autores da ação – de que a exigência imposta pelo MEC retira dos estudantes necessitados da isenção o direito fundamental de acesso à educação -, Toffoli considerou que a medida tem o potencial de gerar retrocesso em avanços já alcançados no sentido da inclusão social e da promoção da diversidade no ensino superior – “uma vez que deixa de fora justamente os estudantes pertencentes a grupos sociais historicamente excluídos de tal ambiente – a população de baixa renda, os negros, os pardos e os indígenas”.

A exigência imposta pelo MEC também vai na contramão dos objetivos da República “de erradicar a pobreza e a marginalização e de reduzir as desigualdades sociais e regionais, bem como o de promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação”, disse ainda o relator. Segundo Toffoli, ‘as políticas públicas devem se voltar ao incentivo da continuidade dos projetos de vida desses estudantes, e não o contrário, como faz a norma questionada ao inviabilizar a inscrição no Enem, porta de entrada para o ensino superior’.

O voto destaca que o obstáculo imposto pela exigência do MEC está refletido na “impressionante” redução de 77,5% no número de candidatos com declaração de carência aprovada – 3.576.197 em 2020 contra 803.669 em 2021. Toffoli ainda comparou os dados, com aqueles referentes aos candidatos com direito à inscrição gratuita, independentemente de declaração de carência. A redução em tal caso foi de 32% (1.3000.399 em 2020 e 883.545 em 2021). Já dentre os casos de pagamentos confirmados , observou-se um aumento de 38% (980.801 em 2020 e 1.353.658) .

“As mudanças no perfil porcentual de cada grupo refletem o óbice criado à obtenção da isenção, com estudantes que deixaram de fazer a inscrição por não terem condições de pagar a taxa, evidenciando também o sacrifício provavelmente feito por estudantes de baixa renda para pagar a inscrição, o que se observa a partir do aumento significativo do número de pagantes. Os centenas de milhares de boletos emitidos e não pagos e de isenções indeferidas pelo INEP também são ilustrativos dos efeitos do ato questionado”, explicou o ministro.

O relator ainda apontou a redução de 47% no número de inscritos no Enem 2021 em relação ao ano anterior, destacando que os grupos em que se observa as maiores reduções são os dos pretos, pardos e indígenas – respectivamente, em 53,3%, 51,9% e 55,1%, ao passo que entre os brancos a redução foi de 36%. Tal cenário dá indícios de que o ato questionado impactou mais profundamente os integrantes dos primeiros grupos, ressaltou Toffoli. “Os grupos que tiveram as maiores diminuições na taxa de matrículas são justamente aqueles com menor participação no ensino superior no Brasil”, indicou.

Toffoli frisou que o Enem é uma política pública voltada a democratizar o acesso ao ensino superior no país, sendo uma de suas mais relevantes funções permitir o acesso a essa modalidade de ensino pelas populações historicamente dela excluídas: população de baixa renda, pretos, pardos, indígenas e pessoas com deficiência. Nessa linha, argumentou que criar barreira à participação no exame é também “inviabilizar a participação do estudante nesses importantes programas governamentais de ingresso na educação superior”.

“Esse quadro desvela uma série de violações a preceitos fundamentais da Constituição de 1988, especialmente aos seguintes: o direito à educação; a garantia de acesso aos níveis mais elevados do ensino; os objetivos de erradicar a pobreza e a marginalização e reduzir as desigualdades sociais e regionais e de promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação; e a obrigação, comum a todos os entes federativos, de combater as causas da pobreza e os fatores de marginalização, promovendo a integração social dos setores desfavorecidos”, registrou o ministro.