Há pouco mais de três anos, o governo do presidente Barack Obama se comprometeu a criar um fundo para apoiar os produtores brasileiros de algodão, enquanto não conseguir aprovar, no Congresso, o fim dos subsídios aos agricultores americanos. Essa decisão, que data de 2004 e passou a ser considerada uma das mais importantes vitórias brasileiras na Organização Mundial do Comércio (OMC), foi fundamental para a eleição, no mês passado, do embaixador brasileiro Roberto Azevêdo como o novo diretor-geral da principal entidade mundial do comércio, sediada em Genebra. Qual é a ligação entre os dois fatos? Entre os cerca de 100 países que o escolheram para liderar a organização, Azevêdo, que substituirá o atual titular, o francês Pascal Lamy, em setembro, teve o apoio maciço da África, continente cujos países produtores também deverão se beneficiar das mudanças que os americanos serão obrigados a fazer para cumprir a decisão que deu a vitória ao Brasil na década passada. À época, quem liderava as negociações pelo lado brasileiro era justamente o baiano Azevêdo.

O contencioso, patrocinado pela Associação Brasileira dos Produtores de Algodão (Abrapa) e levado adiante pelo Itamaraty, não foi o único processo bem-sucedido na carreira de Azevêdo. Ele passou a última década envolvido com o assunto, seja como responsável pelas negociações comerciais a partir de Brasília, seja como chefe da missão brasileira na sede da organização, em Genebra. Além do processo do algodão, participou diretamente de outros contenciosos, como o questionamento brasileiro ao subsídio europeu ao açúcar e o antidumping aplicado pelos Estados Unidos contra o suco de laranja brasileiro. De um modo geral, o Brasil foi vencedor nessas ações.

Agora à frente da organização, Azevêdo terá a dura missão de destravar as negociações para a conclusão da Rodada de Doha de liberalização do comércio, que tem como objetivo criar novas regras para ampliar as trocas entres os países. Azevêdo acredita que esse impasse poderá ser resolvido no encontro ministerial de Bali, na Indonésia, que vai reunir os ministros dos 159 países-membros em dezembro. “Temos de esquecer o que gostaríamos de ter e buscar o que é possível”, afirmou Azevêdo, em entrevista em Brasília, depois de eleito. Será a primeira reunião tentando ressuscitar Doha em vários anos e a primeira já sob a liderança do diplomata brasileiro.

Lançada em 2001, a Rodada de Doha ficou empacada nos anos seguintes por falta de acordo, entre os países desenvolvidos e os em desenvolvimento, quanto às concessões para a abertura comercial. O Brasil e outros produtores agrícolas querem mais facilidades para exportar para a Europa e a extinção das barreiras impostas por alguns países, como China e Rússia, por exemplo, que impõem cotas ou restrições à compra de carne brasileira. “Temos que ser mais agressivos e lutar mais contra as barreiras”, diz o presidente da Sociedade Rural Brasileira, Cesário Ramalho. Ele acredita que, com Azevêdo, haverá uma abertura maior para os assuntos que interessam ao Brasil.

Na avaliação da advogada Ana Teresa Caetano, sócia do escritório Veirano Advogados, de São Paulo, especialista em casos de comércio internacional, o embaixador brasileiro é a pessoa ideal para impulsionar um acordo que amplie a abertura entre os mercados. “Embora tenha muita experiência de contencioso, ele também tem uma veia negociadora muito grande”, afirmou Ana Teresa, que participou de vários casos abertos pelo Brasil na OMC, como a reclamação contra barreiras ao frango brasileiro na Argentina e na União Europeia. Na OMC, Azevêdo deixa de ser um embaixador brasileiro para se tornar o diretor-geral dos 159 países-membros. Mas, se conseguir abrir os mercados agrícolas, terá feito um grande serviço aos empresários brasileiros.