Na BR-070, a rodovia federal que liga Brasília a Porto Limão, na fronteira de Mato Grosso com a Bolívia, o tráfego de carretas, camionetes, colhedeiras e tratores é intenso, na altura do município de Primavera do Leste, o terceiro maior polo produtor de soja do Estado. No dia 12 do mês passado, nem o barulho da estrada nem o sol da manhã que prenunciava um dia escaldante desanimavam um grupo de 17 agricultores sentados em bancos de plástico, na beira de uma plantação de soja, que discutiam assuntos que podem afetar seus negócios e comprometer o futuro da lavoura.

O grupo, convidado da Fundação Mato Grosso, uma organização privada criada por produtores há 20 anos, estava ali em busca de conhecimento para uma árdua missão que terá pela frente nas próximas décadas: como responder com produtividade e sustentabilidade ao desafio de manter Mato Grosso como o maior produtor de soja do Brasil. Nesta safra, a previsão é colher 26,8 milhões de toneladas, segundo o Instituto Mato-grossense de Economia Aplicada (Imea). Esse volume de soja é equivalente a 30% do que está sendo produzido em todo o País. “Os produtores têm uma missão que demanda mais do que força de vontade”, diz o agrônomo Francisco José Soares Neto, presidente da Fundação MT, que reúne cerca de 50 pesquisadores. “É preciso tecnologia, políticas públicas e gestão do negócio, porque não queremos parar de crescer.” Um estudo do Imea projeta em 40 milhões de toneladas a safra 2021/2022 em Mato Grosso. Esse volume equivale a 80% da produção total da Argentina, o terceiro maior produtor mundial da oleaginosa, que obteve 51 milhões de toneladas na safra passada.

Juntamente com os especialistas da Fundação MT, o grupo de agricultores discutia transgenia, arquitetura de plantas, culturas tradicionais, pragas, manejo, logística e silos, além de debater sobre mercados para a oleaginosa, potencial produtivo, controle sanitário e exigências do consumidor em um ambiente cada vez mais focado em rastreabilidade dos produtos. “Esses temas devem fazer parte de uma pauta permanente para os produtores”, diz o consultor José Tadashi Yorinori, que por 30 anos foi pesquisador da Embrapa Soja, em Londrina (PR), considerado um dos maiores especialistas do grão no mundo. “O manejo do solo, por exemplo, é vital na estabilidade de rendimento da soja.” Segundo o pesquisador, o País fez brilhantemente a lição de casa, ao sair de um milhão de toneladas produzidas na década de 1960, numa área cultivada de um milhão de hectares, para a atual produção de 90 milhões de toneladas, em 27 milhões de hectares. “Com esse volume colhido, o produtor não pode se arriscar mais”, diz Tadashi, como é conhecido. “Tem que plantar com segurança, sob risco de perder competitividade no mercado.”

Nessa questão, não importa o tamanho do negócio. O que resta ao produtor, para não perder competitividade, é gerir os custos na fazenda. A soja, uma commodity negociada na Bolsa de Chicago, não deixa nenhuma margem de controle de preço por parte dos produtores e das empresas. Para um dos participantes do encontro, o agricultor Inácio Camilo Ruaro, que cultiva 12 mil hectares na safra e cinco mil hectares na safrinha, além de engordar 6,7 mil bovinos, nos municípios mato-grossenses de Tesouro e Poxoréo, a corrida pela produtividade é uma questão de sobrevivência. “Não consigo concorrer com os grandes grupos do agronegócio, a não ser que também tenha como meta o crescimento”, diz. “As pesquisas monitoradas nas propriedades estão mostrando que é possível tirar 80 sacas por hectare, mas já estamos perseguindo as 100  sacas.” Ruaro fala de sua própria experiência. O agricultor é dono de uma empresa que vende sementes de soja, milho e forrageiras para o gado. Nesta safra, ele está produzindo 220 mil sacas de sementes. Mas a meta é aumentar para 400 mil sacas no ano que vem, das quais 300 mil toneladas de sementes de soja e o restante de sementes de forrageiras.

Para o que acontece do lado de fora da porteira, o produtor Romeu Froelich, do Grupo Nativa, que cultiva 75 mil hectares em Primavera do Leste e em outros três municípios vizinhos, destaca a logística deficiente de Mato Grosso como um desafio sem precedentes. “Há uma pressão da produção sobre o sistema de escoamento que parece não ter fim”, diz Froelich. “Produzimos cada vez mais, sem saber o que vai acontecer amanhã.” De acordo com Orlando Carlos Martins, agrônomo e presidente do Comitê Estratégico Soja Brasil (Cesb), os entraves provocados pela logística em Mato Grosso funcionam como se fossem a rolha de uma garrafa de champanhe. “Ao destravar essa questão, o Estado dará saltos na produtividade que hoje são inviáveis”, diz Martins. Isso significa, por exemplo, superar rapidamente a média de três mil quilos de soja por hectare. Ele afirma que a expansão da soja poderia acontecer mesmo nas áreas mais arenosas, que hoje são impróprias para a cultura. “Há pesquisas que mostram ser possível plantar nessas áreas, e os agricultores esperam pelo destravamento da logística com muita gana para produzir.”

Uma logística mais eficiente também poderia ajudar na diversificação de culturas. Para Ângelo Ozelame, analista de grãos do Imea, que estuda as tendências de mercado, uma maior diversificação no campo traria mais segurança aos pequenos produtores do Estado. “Além da soja, um agricultor que tem 500 hectares poderia plantar milho pipoca ou girassol, e não ficar refém de um único preço no mercado”, afirma. Aos grandes produtores, uma logística mais eficiente poderia atrair mais indústrias que utilizam a soja como matéria-prima. “Isso também é diversificação”, diz Ozelame. “A soja ou o milho poderiam sair em forma de proteína animal, como carne de frango ou suíno, por exemplo.” Na opinião de Soares Neto, presidente da Fundação MT, Mato Grosso ganharia dez anos rapidamente, se a logística fosse resolvida. “Aí, o produtor de soja não precisaria pensar em outra coisa que não fosse o futuro”, diz ele. “E, mesmo se ele apontar inúmeras saídas, sem dúvida nenhuma a soja será sempre o carro-chefe.”